Energia

TCU aprova privatização da Eletrobras com ampla maioria de votos

Apenas o ministro Vital do Rêgo votou contra os termos da capitalização da estatal elétrica

Ministro do TCU Vital do Rêgo foi voto vencido no julgamento sobre a  privatização da Eletrobras (foto: TCU)
Ministro do TCU Vital do Rêgo foi voto vencido no julgamento sobre a privatização da Eletrobras (foto: TCU)

RIO — Com sete votos favoráveis e apenas um contrário, o Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou nesta quarta-feira (18/5) a proposta do governo Bolsonaro para privatizar a Eletrobras.

Nesta segunda etapa de análise do processo, os ministros da corte avaliaram os parâmetros da faixa de valor para precificação das ações que serão ofertadas ao mercado. A privatização será feita por meio da pulverização do controle da União.

O acórdão do TCU incluirá algumas ressalvas e recomendações. Esses detalhes, contudo, já vinham sendo antecipados pelo governo federal.

O único voto contrário foi o de Vital do Rêgo, ministro que apontou uma subavaliação de R$ 46 bilhões no valor da empresa, na primeira fase de análise da operação.

O plano do governo é liquidar o controle da estatal, a maior empresa do setor de geração do país, até o início de julho.

O ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, sinalizou a ministros do TCU, na véspera do julgamento, que, se o aval da Corte saísse como planejado, a liquidação das ações da Eletrobras ocorrerá até 9 de junho.

A intenção é evitar uma oferta no verão no Hemisfério Norte, que começa em 21 de junho. Durante esse período, a liquidez do mercado de capitais tende a diminuir. Além disso, o governo quer evitar a proximidade com as eleições.

O aval do TCU era apontado, no mercado financeiro, como o principal fator de risco para a concretização da capitalização. Agora, as principais ameaças à privatização se concentram nas ações contrárias à operação no Supremo Tribunal Federal (STF).

Uma liminar pode comprometer o calendário planejado, ao encavalar o cronograma com o fechamento do balanço do 2º trimestre e empurrar a privatização para a reta final da corrida eleitoral.

No governo federal, que manteve uma  articulação intensa nos últimos meses com ministros do TCU e agentes políticos, vencida esta etapa no TCU, a privatização é dada como certa.

De fato, desde a proposição da MP da Eletrobras, a operação é questionada no STF sem que nenhuma decisão contrária tenha sido tomada. Ações partem não apenas do PT, de Lula, e de siglas de esquerda e centro-esquerda contrárias à privatização em si. Os liberais do Novo foram contra a MP.

O mercado de energia teme os efeitos da concentração das grandes hidrelétricas do país nas mãos de uma corporação privada. Até mesmo especialistas favoráveis à privatização são contra a capitalização e apontam inconstitucionalidades na MP e na lei final, como a contratação obrigatória de térmicas e PCHs. 

O que diz o relator no TCU?

  • O ministro Aroldo Cedraz reforçou que, até a conclusão do negócio, o governo e o BNDES devem levar em conta a atualização de parâmetros.
  • Durante a votação, um ponto bastante discutido no TCU foi a venda de potência. No cálculo do valor da Eletrobras, o governo considerou, em resumo, a forma como as usinas são comercializadas historicamente no país, sem separação de energia e potência. Mas a venda de potência já é uma realidade e o relator indicou que eventuais ganhos com essa modalidade deverão ser futuramente reanalisados e incorporados no valor da outorga que será paga pela Eletrobras à União.

E como votou Vital do Rêgo, único ministro contrário?

  • Em linhas gerais, Vital do Rêgo entende que a Eletrobras será liquidada valendo bilhões a menos, representando um prejuízo bilionário para o país. Na primeira análise no TCU, da modelagem do valuation, o ministro divergiu da corte e considerou que houve uma subvalorização da estatal de R$ 46 bilhões.
  • Também reuniu argumentos contra a previsão de despesas com ações judiciais, que por sua vez, estariam superdimensionadas. Terminou isolado na corte.

Os efeitos da privatização

  • A energia da Eletrobras vai ficar mais cara. No centro da privatização, está a revisão de contratos das grandes hidrelétricas da estatal, que sob controle privado poderá vender por preços mais elevados.
  • O governo promete nulidade dos efeitos na tarifa. É a partir dessa revisão que a Eletrobras vai pagar R$ 67 bilhões para a União, pela assinatura dos novos contratos. Desse total, R$ 32 bilhões serão destinados à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) ao longo de 25 anos. CDE é a conta que banca parte do subsídio do setor elétrico. Assim, o efeito do aumento da energia seria anulado;
  • Novas usinas vão custar outros R$ 50 bilhões. O Congresso Nacional condicionou a privatização à contratação de 8 GW de térmicas, além de cotas para PCHs e extensão dos 20 anos dos benefícios do Proinfa. As térmicas, sozinhas, devem custar R$ 50 bilhões, sem contar os gasodutos, segundo estimativas do PDE 2031;
  • Outra promessa do governo é que essas medidas representam um ganho de confiabilidade para o sistema elétrico e redução de custos associados aos momentos de escassez hídrica. Apoiar essas medidas representou uma guinada política, na contramão da promessa liberal do governo Bolsonaro.

Privatização da Justiça

Às vésperas do julgamento do TCU desta quarta-feira, deputados da oposição e entidades sindicais fizeram uma ofensiva — na Justiça, no próprio Tribunal de Contas e na Securities and Exchange Comission (SEC), dos EUA — na tentativa de impedir o avanço da capitalização da estatal do setor elétrico.

Parlamentares do PT entraram com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a suspensão das diligências necessárias à privatização. Eles alegam que o Ministério de Minas e Energia (MME) não divulgou os estudos detalhados sobre o impacto tarifário da privatização — e sim um resumo técnico.

De acordo com a Federação Única dos Petroleiros (FUP), ao menos outras três ações foram ajuizadas nesta quarta-feira, em justiças federais nos estados de Alagoas, Bahia e Paraíba.

Na véspera, deputados do PT, PSB, PDT, PCdoB, PSOL e Rede já haviam protocolado, no TCU, um pedido de suspensão da capitalização da estatal. Alegam um “iminente perigo” da operação para as finanças da Eletrobras e do erário público.

O parlamentares questionam, entre outros pontos:

  • A simulação sobre o impacto tarifário da privatização, apresentada pelo MME, não traz “qualquer memória de cálculo”. Os parlamentares solicitavam que, antes do julgamento definitivo do TCU, a Aneel apresentasse os estudos, já que a agência, diferentemente do MME, não é parte interessada no processo;
  • O processo não avalia os impactos, para os consumidores, dos “jabutis” introduzidos na lei que autoriza a capitalização — como a contratação obrigatória de 8 GW de térmicas a gás. Os deputados pediam que a Aneel recalculasse o impacto tarifário para os usuários cativos e livres, levando em consideração todas as obrigações estabelecidas na legislação;
  • O grupo solicitava a supressão das cláusulas de poison pills — mecanismo que visa a desencorajar aquisições hostis de empresas listadas em bolsa de valores. Segundo os parlamentares, a regra tem como única prejudicada a União e não está prevista na Lei nº 14.182/21, de autorização da privatização. 

Em outra frente, entidades de trabalhadores da Eletrobras registraram uma queixa na SEC contra as contas da estatal. A denúncia foi feita pela Associação dos Empregados da Eletrobras (Aeel), pela Associação dos Empregados de Furnas (Asef) e pelo Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE).

As associações questionam a arbitragem da hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira (RO). Furnas, subsidiária da Eletrobras, avalia assumir um débito de até R$ 18 bilhões — o que, segundo as associações, não foi devidamente informado aos acionistas da estatal.

As idas e vindas no TCU

Em dezembro, o ministro Vital do Rêgo já havia pedido vista ao relatório do ministro Aroldo Cedraz, adiando por 60 dias a aprovação da primeira etapa do processo de privatização, sobre os valores da outorga da operação.

Em fevereiro, o tribunal de contas aprovou a primeira fase da capitalização com a modelagem proposta pelo governo. Voto contrário de Vital do Rêgo defendeu revisão do valor da capitalização para R$ 130 bilhões;

Em abril, o TCU retomou o julgamento da segunda fase do processo, sobre os detalhes da oferta de ações, em si. Mais uma vez Vital do Rêgo pediu vistas.

A presidente do TCU, ministra Ana Arraes, concedeu, na ocasião, no entanto, vistas coletivas de 20 dias ao colegiado para analisar a capitalização da estatal. A medida evitou um adiamento ainda maior da análise, uma vez que Vital do Rêgo pedia vistas de até 60 dias.

Para o governo, as ações de Vital do Rêgo têm motivações políticas. O ministro da Economia, Paulo Guedes, mencionou, em abril, um suposto telefonema de Luiz Inácio Lula da Silva, pré-candidato à presidência pelo PT, ao membro do TCU.

Vital do Rêgo rebateu e disse conhecer as “pressões exógenas e poderosas sobre a Corte e que nunca se curvou ante essas ações”.