BRASÍLIA — O presidente Lula (PT) vetou 63 dos 400 dispositivos do Projeto de Lei nº 2.159/2021, aprovado pelo Congresso em 17 de julho, instituindo a Lei Geral do Licenciamento Ambiental.
A lei com a lista de vetos foi publicada na tarde desta sexta (8/8), data em que se encerrava o prazo para sanção, em edição extraordinária do Diário Oficial da União.
O governo também publicará ao longo do dia uma medida provisória (MP) e um projeto de lei (PL) propondo mudanças em relação aos itens vetados.
De acordo com a mensagem divulgada pelo Palácio do Planalto, os vetos visam “garantir integridade do processo de licenciamento”; proteger povos indígenas e comunidades quilombolas; assegurar juridicamente os investimentos; e agilizar o licenciamento sem comprometer a qualidade.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede), classificou os vetos como “estratégicos”, durante coletiva de imprensa.
“Como eu já disse [em entrevistas anteriores], iríamos fazer vetos estratégicos para preservar a integridade do licenciamento e isso ficou assegurado”, afirmou.
O projeto que será enviado vai propor a restrição da Licença Ambiental Autodeclaratória (LAC) a empreendimentos de baixo potencial ambiental. No texto do Congresso, a LAC valeria para atividades de todos os portes.
MP para licenciamento especial
Já a medida provisória vai acelerar a aplicação da Licença Ambiental Especial (LAE), incluída no texto do Congresso pelo presidente Davi Alcolumbre (União/AP), visando acelerar a exploração de petróleo na Margem Equatorial.
A MP dá eficácia imediata para a LAE — no PL do Licenciamento o prazo para entrar em vigor era seis meses —, mas acaba com a possibilidade de licenciamento monofásico.
Segundo o governo, esta é a única mudança na LAE em relação ao texto que saiu do Congresso. Os projetos ainda serão selecionados pelo Conselho de Governo e o prazo de 12 meses para a resposta ao licenciamento está mantido.
“O prazo de um ano é para dizer sim ou não. Se é viável ou se não é viável”, reforçou a ministra do Meio Ambiente.
O que é Conselho de Governo
O conselho já existe e é composto por todos os ministros que compõem o governo. A atuação na seleção de projetos prioritários, no entanto, ainda precisará ser regulamentada.
Propostas do governo
Como os vetos são um instrumento político da Presidência da República para discordar de propostas aprovadas pelo Congresso, deputados e senadores têm a obrigação de analisá-los. Eles podem manter ou derrubar as vedações em sessão conjunta do Congresso Nacional.
O fato do governo ter enviado um projeto de lei com urgência constitucional sugerindo alternativas aos dispositivos vetados pode diminuir a chance de derrubada. As propostas serão analisadas pelos parlamentares.
A íntegra dos textos do projeto de lei e da medida provisória só serão conhecidos na tarde desta sexta (8), mas o Planalto listou nove pontos que serão apresentados como ajustes em relação aos itens vetados por Lula.
Veja quais são os pontos e a justificativa do governo no PL:
Restrição da LAC a empreendimentos de baixo potencial poluidor
O que foi feito: Vetada a ampliação para atividades de médio potencial poluidor.
Por quê? Evita que empreendimentos de risco relevante, como barragens de rejeitos, realizem licenciamento simplificado sem análise técnica adequada. O PL do Executivo, além de restringir a LAC para baixo potencial de impacto, acrescenta limites ao procedimento autodeclaratório.
Assegura que entes federativos respeitem padrões nacionais de critérios e procedimentos
O que foi feito: Vetados dispositivos que transferiam de forma ampla a cada ente federado, sem padronização, a responsabilidade por estabelecer critérios e procedimentos de licenciamento — como porte, potencial poluidor, tipologias sujeitas a licenciamento, modalidades específicas de licenças e atividades passíveis de LAC.
Por quê? A medida evita uma descentralização que poderia estimular uma competição antiambiental entre os entes federativos, em que a flexibilização de regras ambientais se tornaria moeda de troca para atração de investimentos com potencial de causar danos.
O alinhamento nacional assegura previsibilidade para empreendedores, reduz disputas judiciais e mantém um padrão mínimo de proteção ambiental, garantindo segurança jurídica aos empreendimentos.
Preservação da Mata Atlântica
O que foi feito: Veto para impedir a retirada do regime de proteção especial previsto na Lei da Mata Atlântica em relação à supressão de floresta nativa.
Por quê? A Mata Atlântica é um bioma reconhecido como patrimônio nacional pela Constituição Federal e já se encontra em situação crítica, com apenas 24% de sua vegetação nativa remanescente.
Proteção dos direitos de povos indígenas e comunidades quilombolas
O que foi feito: Foram vetados dispositivos que restringiam consulta aos órgãos responsáveis pela proteção de povos indígenas e comunidades quilombolas.
Por quê? A limitação proposta no texto do PL aprovado deixaria de fora uma série de povos e territórios em fase de reconhecimento pela Funai e pela Fundação Palmares, contrariando a Constituição Federal.
O novo PL assegura a participação de ambos, prevenindo conflitos e fortalecendo a participação social nas decisões que impactam diretamente modos de vida e territórios tradicionais. Assim, mantém o que está previsto no regramento federal específico.
Veto à dispensa de análise do Cadastro Ambiental Rural (CAR)
O que foi feito: Vetada a proposta que dispensa o licenciamento ambiental para produtores rurais com CAR ainda pendente de análise pelos órgãos ambientais estaduais.
Por quê? A medida protege o meio ambiente, uma vez que somente serão dispensados do licenciamento os proprietários rurais que tiverem o CAR analisado.
Mantém condicionantes ambientais e medidas compensatórias
O que foi feito: Vetado dispositivo que limitava a aplicação de condicionantes ambientais e medidas compensatórias apenas aos impactos diretos, excluindo os impactos indiretos ou os efeitos sobre serviços públicos agravados pela implantação do empreendimento.
Por quê? A medida assegura que, sempre que houver nexo de causalidade entre o empreendimento e os impactos ambientais — diretos ou indiretos —, possam ser exigidas medidas adequadas de mitigação, compensação ou controle, preservando a efetividade do licenciamento ambiental.
No PL do Executivo a ser enviado, fica garantida a adoção de medidas para reforçar temporariamente serviços públicos que venham a ser pressionados ou sobrecarregados de forma excepcional em razão da implementação do empreendimento.
Proteção às Unidades de Conservação
O que foi feito: Vetado artigo que retirava o caráter vinculante de manifestação de órgãos gestores de Unidades de Conservação no licenciamento de empreendimentos que afetem diretamente a unidade ou sua zona de amortecimento.
Por quê? A medida reforça a importância da avaliação técnica especializada na proteção de áreas ambientalmente sensíveis, assegurando que os impactos sobre Unidades de Conservação sejam devidamente analisados e considerados nas decisões de licenciamento pelos órgãos gestores responsáveis por essas áreas.
Manutenção da LAE com veto ao processo monofásico
O que foi feito: Vetado o dispositivo que estabelecia um procedimento monofásico, que autorizaria a expedição de todas as licenças ao mesmo tempo.
Por quê? O processo monofásico exigiria dos empreendedores antecipação de despesas relevantes antes mesmo de comprovada a viabilidade ambiental do empreendimento, que é um dos primeiros passos do processo. Por outro lado, geraria insegurança jurídica passível de judicialização, na avaliação do governo.
Manutenção da responsabilidade de instituições financeiras na concessão de crédito
O que foi feito: Foi vetado o dispositivo que enfraquecia a responsabilidade de instituições financeiras em casos de danos ambientais de projetos por elas financiados.
Por quê? A medida reforça a importância de que o crédito seja condicionado ao cumprimento da legislação ambiental, estimulando a prevenção de danos e alinhando o financiamento ao desenvolvimento sustentável. O PL do Executivo estabelece que o financiador deve exigir do empreendedor o licenciamento ambiental antes de conceder crédito.