Tarifaço

Resposta a tarifas dos EUA precisa medir impactos na cadeia de fornecimento de óleo e gás, dizem advogados

Complexidade do comércio com os Estados Unidos e diversidade de produtos torna as negociações mais desafiadoras

Thiago Luiz Silva, sócio de Óleo e Gás do Lobo de Rizzo.
Thiago Luiz Silva, sócio de Óleo e Gás do Lobo de Rizzo

BRASÍLIA — Empresas norte-americanas que vendem equipamentos para a indústria brasileira de petróleo e gás podem ser afetadas de forma crítica caso não haja uma solução pela via negocial à escalada das tensões comerciais entre Estados Unidos e Brasil.

Uma eventual aplicação de tarifas recíprocas pode impactar a cadeia de fornecedores e gerar questões quanto ao uso do Repetro, o regime especial de importação do setor. As taxas de 50% anunciadas pelo presidente Donald Trump para as importações brasileiras têm previsão de entrada em vigor em agosto.

A proporção da eventual crise, no entanto, vai depender da resposta do governo brasileiro — e de como eventuais sanções serão recebidas por Trump.

Advogados especializados no mercado de petróleo e gás natural disseram à agência eixos que não esperam impactos nas subsidiárias brasileiras de grupos norte-americanos.

Mas afirmam que a resposta às tarifas pode afetar empresas dos EUA que exportam ao Brasil. Além disso, lembram que o mercado nacional precisa de flexibilidade para importar bens e serviços de diferentes origens.

“Vamos supor que o governo brasileiro fosse fazer um revanchismo, o efeito seria catastrófico. Uma coisa são os Estados Unidos impondo tarifas para levar as cadeias de suprimentos para o país deles. É diferente de nós, brasileiros, que sequer teríamos capacidade de substituir produtos americanos”, avalia o advogado e sócio de óleo e gás do escritório Lobo de Rizzo, Thiago Luiz Silva.

A complexidade do comércio com os Estados Unidos e a diversidade de produtos torna as negociações mais desafiadoras. Para Silva, o que está em jogo é a reputação do Brasil como destino de investimento estrangeiro, especialmente em setores estratégicos, como óleo e gás.

“Qualquer medida que vá além da simetria pode comprometer gravemente a segurança jurídica. Se ações dessa natureza forem implementadas, os principais prejudicados serão a indústria nacional e a força de trabalho brasileira envolvida nessas operações”, avalia.

Restrições ao Repetro

Nesse sentido, os especialistas não preveem restrições no uso do Repetro para equipamentos produzidos nos EUA.

Silva aponta que um eventual limite de acesso ao Repetro com base na nacionalidade do grupo controlador pode comprometer a eficiência e a competitividade das operações brasileiras, impactando a indústria nacional de óleo e gás.

Pelas regras do regime especial, que terá validade até 2040, é permitida a importação de equipamentos sem a incidência dos tributos federais – imposto de importação (II), IPI, PIS/Cofins e do adicional de frete para renovação da marinha mercante. No âmbito estadual, o ICMS também pode ter tratamento diferenciado.

Silva lembra que a tecnologia necessária para a exploração, desenvolvimento e produção dos campos, muitas vezes, depende de equipamentos que são fabricados nos EUA. Ele ressalta que, embora o Repetro possa ser modificado, o regime não prevê distinção quanto à origem do equipamento importado.

Além disso, uma eventual discricionariedade sobre a origem dos equipamentos impactaria cadeias de suprimento de empresas de outros países e que não estão envolvidas nas sanções tarifárias, como as majors que atuam no Brasil.

Tal cenário pode encarecer o custo da produção de petróleo e até levar empresas a buscar revisão contratual por desequilíbrio econômico-financeiro.

“Empresas estabelecidas no Brasil utilizam o regime para importar equipamentos de diversos países – e não apenas dos EUA. A cadeia de suprimentos da indústria de óleo e gás é altamente globalizada. Um exemplo é a ExxonMobil, que em projetos na Guiné opera com FPSOs fornecidos pela SBM Offshore, empresa sediada na Holanda”, afirma.

Na visão da advogada da área tributária do Vieira Rezende Advogados, Paloma Rosa, se a resposta brasileira for impor tarifas extras recíprocas aos EUA, a maior parte do impacto recairá sobre operações que já pagam impostos, mesmo que com descontos.

Exemplo disso é o ICMS, que, em certas importações pelo regime do Repetro, é reduzido, mas não zerado.

Rosa afirma, ainda, que os casos em que há isenção total, como em algumas modalidades do regime especial, o efeito de novas tarifas seria mínimo ou mesmo nulo.

“De qualquer forma, como se trata de medida não usual, não podemos descartar a possibilidade do uso de algum novo veículo extraordinário de cobrança desse incremento de tarifa, o que poderia, eventualmente, afetar e comprometer a análise”, diz a advogada.

Cautela antes da retaliação

De acordo com o advogado Diogo Martins Teixeira, da área de energia, petróleo e gás da Machado Meyer Advogados, o momento é de cautela.

Ele aponta que qualquer medida de retaliação por parte do Brasil a empresas americanas que estiverem na exceção das tarifas de Trump pode carecer de simetria e gerar questionamento jurídico.

Para Teixeira, a adoção de medidas de retaliação, como a elevação de tarifas para empresas americanas exportadoras ao Brasil, pode suscitar disputas comerciais internacionais no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Também podem gerar questionamentos judiciais internos por parte de empresas afetadas, com base no princípio da isonomia tributária e da vedação à discriminação arbitrária entre agentes econômicos.

Há ainda o risco de as medidas adotadas pelo Brasil levarem a impactos diferentes entre empresas dentro do mesmo setor.

“Se uma empresa brasileira também está sediada nos Estados Unidos, ela consegue importar dentro do próprio grupo econômico, fazer o beneficiamento do equipamento em solo americano e vender como produto local. Consegue driblar a tarifa”, explica Silva.

Resposta do governo

No momento, as equipes econômicas de Fernando Haddad (Ministério da Fazenda) e Geraldo Alckmin (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) tentam negociar com os EUA.

Depois do anúncio de Trumo, o governo regulamentou o decreto da Lei da Reciprocidade Econômica, mas ainda não anunciou se irá aplicar sanções às exportações dos EUA para o Brasil.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem destacado o viés político do tarifaço.

Em pronunciamento oficial na quinta-feira (17/7), Lula endureceu o discurso contra as ações de Trump, classificando as tarifas de 50% como “chantagem inaceitável em forma de ameaça às instituições brasileiras e com informações falsas sobre o comércio entre o Brasil e os Estados Unidos”.

O presidente também reforçou que ocorreram mais de dez reuniões com representantes do governo dos Estados Unidos e que o governo brasileiro enviou, em 16 de maio, uma proposta de negociação.

À época, o Brasil havia recebido a tarifação mínima imposta pelo presidente Donald Trump, de 10%, mas era afetado por taxas específicas a alguns produtos, como o aço.

EUA responde por 5,3% do mercado de O&G

Um levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostrou que o peso do mercado dos Estados Unidos para o faturamento da indústria de petróleo e gás no Brasil é de 5,3%, percentual que pode ser afetado com as barreiras tarifárias impostas pelo país.

Em 2024, os óleos brutos de petróleo foram o principal produto exportado pelo Brasil para os EUA, totalizando US$ 5,8 bilhões.

A CNI calcula que as tarifas contra parceiros comerciais norte-americanos podem levar a uma queda de 0,37% no PIB dos EUA, além de uma redução de 0,12% no PIB global e uma retração de 2,1% no comércio mundial (equivalente a US$ 483 bilhões).

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