Associação de geração distribuída entra com mandado de segurança contra TCU

Painéis solares fotovoltaicos instalados pela Enel na USP, em 2021 (Foto: Divulgação)
Painéis solares fotovoltaicos instalados pela Enel na USP, em 2021 (Foto: Divulgação)

A Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD) entrou com mandado de segurança coletivo, com pedido de liminar, no Superior Tribunal Federal (STF) contra o acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU), que determinou a retomada da revisão das regras da geração distribuída, pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

A ação foi distribuída e a liminar será julgada pelo ministro Ricardo Lewandowski.

Em novembro do ano passado, o TCU decidiu que a Aneel deveria apresentar um plano de ação para acabar com a diferenciação tarifária dos consumidores de geração distribuída.

Os magistrados entenderam que o setor de geração distribuída é beneficiado por um subsídio-cruzado, já que repassa custos e encargos do setor de forma desigual aos consumidores e onera quem não aderiu ao sistema.

Segundo a ABGD, o TCU não poderia dar uma determinação de viés regulatório à Aneel. Com a decisão do TCU, a Aneel apresentou uma nova minuta do plano de ação para acabar com os atuais incentivos do sistema de compensação de GD.

“Temos de agir de forma decisiva para evitar uma completa troca de valores e funções, em detrimento de um dos poucos setores do mercado brasileiro que continuou gerando empregos e renda, mesmo com o país em plena pandemia. O TCU não poderia ter proferido uma determinação dessa natureza”, afirma Carlos Evangelista, presidente da ABGD, em nota.

Em resposta à decisão do TCU, a Aneel propôs no último dia 1º. de abril, uma minuta de regulamentação com as novas regras, que, segundo a associação, são “extremamente desfavoráveis ao setor de GD”.

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Bolsonaro decidiu levar tema para o Congresso Nacional

O prazo vigente para edição da resolução da Aneel é 30 de junho.

A regulação por meio da Aneel, contudo, entra em choque com o acordo firmado entre Câmara, Senado e governo federal em 2020. O presidente Jair Bolsonaro decidiu alterar o posicionamento das áreas técnicas dos ministérios de Minas e Energia (MME) e Economia, de que a regulamentação atual do setor representa um subsídio-cruzado para o setor.

As áreas técnicas das duas pastas entendem que a geração solar cresce em ritmo acelerado e a retirada de subsídios é adequada para evitar desequilíbrios no rateio dos encargos setoriais.

Com a retomada dos trabalhos na agência, por determinação do TCU, a proposta apresentada na semana passada está alinhada à revisão proposta em 2020 – e que gerou a reação do presidente, que apoiou a campanha contra a “taxação do Sol”, mote da discussão pública contra a posição interna do governo e da agência.

“A proposta da agência, apresentada nesta nova minuta, desconsidera os benefícios que a geração distribuída agrega a toda a sociedade brasileira e resultaria em uma desvalorização de até 57% na energia elétrica gerada pelas fontes renováveis nesta modalidade”, afirma Bárbara Rubim, vice-presidente de geração distribuída da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), em nota.

“[A ação da Aneel] foi um ato formal e necessário, no entanto, deixou no ar uma grande pergunta: por que o maior interessado em se opor a essa determinação do TCU sobre um assunto estritamente regulatório, não o fez quando podia?”, questionou Evangelista, na comunicação da ABGD.

A Absolar também defende que a o setor seja submetido ao marco legal em tramitação.

A expectativa da ABGD é que o STF julgue procedente o pedido de liminar, para que o assunto seja discutido inteiramente por meio do novo marco legal, em tramitação na Câmara dos Deputados.

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Subsídio x impactos positivos

Um grupo formado por Anace, Abrace, Idec e Conacen, que representam consumidores de combustíveis, e Abrademp e Abradee, associações de distribuidoras, vem defendendo conjuntamente que a regulação da GD faz com que os benefícios sejam custeados por pessoas e empresas sem sistemas de micro e minigeração.

Estudo encomendado à PSR e apresentado nesta quarta (7) afirma que o projeto preserva subsídios-cruzados de R$ 134 bilhões que serão pagos pelos consumidores de energia nos próximos 30 anos.

“A aprovação do texto como está, será um passo na direção oposta, causando um impacto às tarifas dos demais consumidores de aproximadamente R$ 134 bilhões, trazidos a valores atuais. Em valores nominais, cerca de R$ 497 bilhões serão transferidos dos mais pobres para os mais ricos até 2050, considerando a perpetuidade de seus efeitos, conforme os estudos da PSR”, diz o grupo, em comunicado.

O grupo tem se esforçado para convencer parlamentares de que não há consenso no mercado em torno da proposta de Lafayette de Andrada (Republicanos/MG), relator do marco legal na Câmara.

A metodologia é questionada pelo setor. O Instituto Nacional de Energia Limpa (Inel) calcula que os benefícios trazidos pela geração descentralizada a todo o sistema elétrico gera um saldo positivo da ordem de R$ 50 bilhões em 15 anos, até 2035, em valores presentes.

Isto é, a comparação entre as análises não é direta, pela diferença no período projetado, mas o Inel conclui que os benefícios da GD são suficientes para pagar os encargos e parcelas descontados dos consumidores-geradores, com saldo positivo.

A energia paga pelos consumidores no Brasil é o resultado da somatória de custos e margens de geração, transmissão e distribuição, além de perdas. Hoje, quem está na geração distribuída tem o direito de compensar sua despesa com energia a partir da geração própria, sem a cobrança desses componentes da tarifa, que incluem seus respectivos encargos.

Os consumidores e distribuidoras, em linha com a proposta da Aneel, defendem o pagamento de todos as parcelas e encargos.

O grupo ligado à GD vem defendendo a transição para um modelo de pagamento progressivo da parcela que remunera a distribuição (o chamado Fio B) – no caso da geração remota, que atende normalmente a empresas, com sistemas de maior capacidade, entrariam também os custos de transmissão.

De forma simplificada, o argumento é que a GD desloca a demanda por entrega de energia do sistema integrado de geração e transmissão, economizando custos com o menor uso das redes, por exemplo.

“Se você melhora o sistema e consegue trazer benefícios em perdas e na energia [com a geração descentralizada], você tem um beneficio real em tarifas [para todos os consumidores]”, afirmou Ricardo Costa, conselheiro da ABGD e do INEL, durante coletiva realizada nesta quarta (7).

Ele afirma que o ganho líquido utiliza os próprios parâmetros utilizados pela Aneel nos estudos técnicos envolvidos na minuta de resolução – projeções de custo, expansão da GD e a chamada geração de energia evitada.

O marco da GD é discutido no PL 5829/2019. Na versão mais recente do PL, Lafayette de Andrada inclui o uso da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) para custear parte da transição para o pagamento do Fio B e faz a discriminação entre consumidores-geradores com sistemas de até 500 kv ou mais de potência.

Nos maiores, acima de 500kv, prevê o pagamento de encargos, da totalidade do Fio B e de 40% do Fio A (o custo de transmissão).

Em todos os casos, há períodos de transição.

Parlamentares negociam votação

Controverso, o tema divide parlamentares. O relator havia acordado com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL) que o tema teria espaço na pauta do plenário da Câmara dos Deputados em março. O reaquecimento do debate tem protelado a votação.

Há uma tentativa de colocar o texto em pauta na próxima semana.

O Presidente da Comissão de Minas e Energia (CME), Édio Lopes, é um dos parlamentares que discorda do consenso em torno do relatório que preserva o desconto nos encargos de distribuição e transmissão para os minis e microgeradores.

“Precisamos encontrar um ponto de equilíbrio. Se fizer uma pesquisa na periferia da sua cidade, lá em Rondônia, 90% [da população] é a favor do projeto, mas 100% não sabe que que vai pagar 57% do custo desse projeto”, criticou Édio Lopes, na sessão de ontem.

As associações setoriais, de todos os lados, vem atuando junto a Arthur Lira, reforçando o sentimento que, de fato, falta de consenso entre as lideranças da casa para chegar um projeto equilibrado, com chances de ser aprovado.

A CME chegou a cogitar a possibilidade de rediscutir o tema em audiências com Aneel e mercado.

“Fazer uma audiência pública aqui [na CME] é procrastinar. A Aneel vai vir aqui e defender a alternativa 5, que mata a geração distribuída”, rebateu Lafayette de Andrada.

A alternativa 5, defendida pela Aneel, é justamente a cobrança de todos as parcelas da tarifa de energia.

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