O direito de acesso à Justiça é garantido pela Constituição Federal (Art. 5º, XXXV) a todos os cidadãos e entidades que buscam proteger seus direitos frente a abusos dos poderes público e econômico.
No âmbito do programa RenovaBio, tal garantia tem sido essencial para as distribuidoras regionais de combustíveis que enfrentam uma crescente distorção regulatória e econômica.
O RenovaBio, criado em 2017 e regulamentado entre 2018 e 2019, introduziu metas obrigatórias de aquisição de CBIOs (créditos de descarbonização) a partir de 2020. A proposta inicial previa incentivo à redução de emissões no setor de combustíveis, mas sua execução tem revelado graves inconsistências.
O volume de créditos obrigatórios cresceu de 16 milhões em 2020 para mais de 40,6 milhões em 2025, enquanto os preços variaram entre R$ 20,00 e R$ 200,00, com média superior a R$ 90,00.
Essa escalada de custos ocorreu sem transparência adequada e sem discussão com os agentes regulados, contrariando os princípios da legalidade, economicidade e proporcionalidade (Art. 2º, Lei 9.784/99).
Neste contexto, as distribuidoras regionais, por meio da ANDC (Associação Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustível), têm buscado no Judiciário não apenas a preservação de suas atividades econômicas, mas também a revisão de um programa que hoje representa mais transferência de renda para produtores de biocombustíveis do que ganhos ambientais reais.
Dados do próprio mercado mostram que a maior participação de biocombustíveis na matriz de transporte ocorreu em 2019, antes da implementação dos CBIOs, quando a razão foi de 32,78% biocombustível para 67,22% de combustível fóssil.
Apesar disso, o Ministério de Minas e Energia (MME) ajuizou ação junto ao STJ solicitando uma espécie de “blindagem judicial”, pedindo a suspensão de liminares que mantêm 12 distribuidoras regionais em operação. Tais liminares garantem apenas o direito de defesa e continuidade das atividades enquanto o mérito das ações não é julgado.
O pedido de suspensão, portanto, configura uma tentativa de impedir o livre exercício da Jurisdição e deve ser visto como um movimento de assédio institucional, potencialmente violando o princípio do devido processo legal.
Ainda mais grave é a tentativa de imputar às distribuidoras regionais a responsabilidade pelos maus resultados financeiros das grandes companhias do setor, que alegam concorrência desleal devido ao aumento da participação das regionais.
Tal argumento ignora as escolhas comerciais equivocadas dessas empresas, que priorizaram margens mais altas e maior escala de vendas em detrimento da capilaridade e eficiência logística.
A ANDC, entidade de interesse público, tem exercido seu papel de forma transparente, legal e fundamentada. Liderada por profissionais com experiência técnica e regulatória, tem promovido um debate sério e comprometido com a construção de uma transição energética justa, economicamente viável e ambientalmente eficaz.
A busca por maior integridade ambiental, adicionalidade e alinhamento com os compromissos internacionais do Brasil — como o Acordo de Paris e a Lei do Mercado Brasileiro de Carbono (Lei 15042/2024) — deve passar por revisão técnica do RenovaBio, e não pela supressão da atuação legítima das empresas junto ao Judiciário.
Por fim, reafirmamos que é preciso romper com o bullying judicial, pois as ações movidas pelas distribuidoras regionais não representam afronta às políticas ambientais.
Muito pelo contrário, são um instrumento legítimo de correção de rumos, visando assegurar que o RenovaBio não se torne um mecanismo de concentração de mercado e de transferência indevida de recursos do consumidor final para grandes grupos econômicos envolvidos com a produção de biocombustíveis.
Francisco Neves é diretor-executivo da Associação Nacional dos Distribuidores de Combustíveis (ANDC), engenheiro agrônomo e mestre em Bioenergia, e foi superintendente de Abastecimento e de Fiscalização da ANP.