BRASÍLIA – O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), vai aos EUA no fim desta semana promover o programa nacional de data centers, programa de subsídios para atração de investimentos do setor no Brasil.
As agendas envolvem reuniões com executivos da Google e da Amazon e da fabricante de processadores e chips, NVDIA, que dominou o mercado voltado aos sistemas de inteligência artificial.
Em evento do Banco Safra, em São Paulo, afirmou ser inexplicável o Brasil ser deficitário na balança comercial de serviços de tecnologia da informação, dada as vantagens competitivas para instalação dos centros de processamento de dados no país.
Segundo o ministro, essas vantagens são a infraestrutura nacional de dados e a oferta de energia limpa, gerada no país.
“Somos deficitários na balança [comercial] de serviços, contratamos 60% da nossa [demanda por serviços de] TI fora do país, o que significa não apenas remessa de dólares para fora, mas subinvestimento no Brasil”.
A proposta já foi discutida com o presidente Lula (PT) e com a Casa Civil. Haddad não mencionou na entrevista, mas o governo cogita editar uma medida provisória com o pacote de desoneração de investimentos. O regime especial está sendo batizado de Redata, como mostrou a eixos na semana passada.
“Tudo dando certo, o Congresso ajudando, podemos ter uma política de atração de muitos investimentos”, disse.
As metas são a retomada dos investimentos em energia limpa e substituir serviços tecnológicos importados e crescimento da exportação. “Não vamos ter capacidade de consumir tudo”.
Haddad defendeu uma “vinculação” entre as economias verde e digital. “Se uma parte desses serviços vai ficar disponível para os setores domésticos, poderemos ter a disponibilidade [oferta de capacidade de processamento] que poucos países vão ter”.
O programa prevê uma cota de destinação de capacidade para demanda interna, como contrapartida aos benefícios, o que visa a beneficiar também laboratórios nacionais. “O Brasil está entre os maiores produtores de conhecimento e não produz mais por falta de infraestrutura”.
Em conversa com Joaquim Levy, diretor do Safra e ex-ministro da Fazenda de Dilma Rousseff (PT), Fernando Haddad defendeu que o marco legal para data centers fará parte de uma agenda de reformas para combater o subinvestimento e tornar o crescimento do PIB menos dependente das contas públicas.
Levy é o atual diretor de Estratégia Econômica e Relações com Mercados do Banco Safra e foi colega de Haddad na equipe econômica dos primeiros governos Lula.
“Não há solução para a economia brasileira que não passe por um crescimento sustentável (…) menos impulso fiscal em troca de mais investimento e consumos privados. Esse é o caminho que está dado para a economia brasileira hoje e espero que continue assim”, disse.
Na apuração do Produto Interno Bruto (PIB) de 2024, o consumo das famílias cresceu 4,8%, com aumento do mercado de trabalho, maior oferta de crédito e os programas de transferência de renda. Já a despesa via do consumo do governo teve um aumento de 1,9% no mesmo período.
O PIB cresceu 3,4% em 2024, positivamente influenciado pelo desempenho da indústria (+3,3%) e serviços (+3,7%), enquanto a agropecuária recuou 3,2% devido a condições climáticas adversas.
Déficit de processamento de dados é inexplicável
O ministro da Fazenda afirmou que não há razões para o Brasil ser majoritariamente deficitário em em serviços de TI. “Brasil é o país que detém as melhores vantagens competitivas em relação a data centers, sobretudo no que diz respeito ao cabeamento existente”, disse.
Além das melhores condições, defendeu Haddad, para geração de energia eólica e solar. “Podemos trazer para cá investimentos em energia limpa, fazer os data center do lado da energia limpa, com custos de transmissão baixíssimos e acredito que o lançamento desta política vai fazer esse investimento melhorar muito”.
Gargalos na transmissão
Semana passada, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) negou um recurso da Casa dos Ventos referente à conexão de projetos de amônia verde e data centers no Ceará. O parecer seguiu as recomendações do ONS, em razão de risco de sobrecarga nas redes de transmissão e risco de colapso de tensão.
A Casa dos Ventos tenta viabilizar os projetos Data Center Pecém II e Iracema Amônia Verde, que juntos demandam 1.776 MW. Os projetos são para dezembro de 2027 e 2028, respectivamente. As informações são da MegaWhat.
O gargalo dos data centers já prejudicava a efetividade dos subsídios para o hidrogênio.
O PHBC libera créditos entre 2028 e 2032, mas não há capacidade disponível no SIN para os projetos que querem se habilitar na primeira metade desse prazo. Além disso, o Rehidro vai até 2030, desonerando impostos federais existentes e descasado com a reforma tributária (extinção do PIS/Cofins em 2027).
Os data center são parte de um conjunto de reformas prioritárias para a Fazenda em 2025, disse Haddad, mencionando ainda os novos marcos de parcerias público privadas (PPPs) e concessões, em discussão no Congresso Nacional. O tema está com Arnaldo Jardim (Cidadania/SP), na Câmara.
“O Brasil vem subinvestindo há muito tempo e temos um conjunto de projetos, para dizer o mínimo, com boas taxas de retorno e que podem sair da gaveta se acertamos uma série de políticas que estão sendo endereçadas pelo governo”.
Agendas no Vale do Silício
Haddad embarcará para uma missão internacional entre os dias 3 e 8 de maio, em Los Angeles e São Francisco, na costa leste dos EUA, além da Cidade do México, no país vizinho.
Estão previstas duas agendas na Global Conference do Milken Institute, em Los Angeles, na Califórnia: uma conversa moderada por Laura Deal Lacey, vice-presidente executiva do think tank; e abertura de um painel sobre investimentos no Brasil, quando fará a abertura.
Participam também Alexandre Allard (Cidade Matarazzo), Marina Cançado (Converge Capital), José Olympio Pereira (Banco Safra) e Luciana Ribeiro (eB Climate).
Também estão previstas reuniões com executivos de empresas de tecnologia no Vale do Silício, em São Francisco.
O que esperar da desoneração para data center?
O Programa Nacional de Atração de Data Centers inclui a criação de um regime especial, que está sendo chamado de Redata, voltado à desoneração de impostos federais. O que está sendo discutido:
- Criação de benefícios fiscais e contrapartidas, como a priorização de energia limpa, destinação de recursos para o FNDTI, cota para atendimento à demanda doméstica;
- Medidas envolvem a instalação dentro e fora de Zonas de Processamento de Exportações (ZPE);
- A proposta em discussão prevê prazo, de até cinco anos, para habilitação e concessão dos subsídios, em linha com o que foi feito para o hidrogênio de baixo carbono;
É uma política análoga ao Rehidro, criado em 2024 para produção e consumo de hidrogênio de baixo carbono.
O incentivo inclui a desoneração do imposto de importação para produtos sem similar nacional, além de PIS/Pasep, Cofins e IPI.
Com isso, serão estabelecidas contrapartidas, como a destinação de parte da capacidade de processamento para atendimento à demanda doméstica. Na mesa, estão critérios de sustentabilidade, que envolvem o uso de energia, mas também de recursos hídricos.
As distribuidoras de gás do Nordeste — Potigás, Bahiagás, Algás, Cegás, Copergás, PBGás e Sergás — enviaram este mês uma carta conjunta ao Ministério de Minas e Energia (MME) solicitando a inclusão do gás natural e do biometano na política, a fim de evitar que os subsídios tenham como pré-requisito a geração exclusivamente a partir de solar e eólica.
Também estão sendo estudadas medidas específicas para instalação em Zonas de Processamento de Exportação (ZPE), o que já desonera as indústrias, mas voltada ao mercado externo. Neste ponto, a proposta é criar uma destinação obrigatória de recursos para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico (FNDIT).
Inspiração no Mover
Uallace Moreira faz um paralelo com programa de Mobilidade Verde e Inovação (Mover), criado para a indústria automotiva para suceder o Rota 2030.
“Esse recurso volta para o próprio setor na forma de investimento em pesquisa e desenvolvimento para o adensamento da cadeia produtiva local. Será uma contribuição pequena”.
O Brasil está entre os dez países com instalações dessa infraestrutura digital com 275 centros de dados. Mas o país está muito distante dos EUA (cerca de 3 mil data centers), líder global.
A carga tributária do setor é estimada em 60% atualmente — incluindo ICMS, que não entrará no pacote de desoneração por ser um imposto estadual.
A fase de investimentos (capex) representa até 85% dos gastos necessários para instalação de estrutura de centros de dados no país, estimam os ministérios.
A desoneração será oferecida a empresas de data center ou companhias que operam estruturas próprias. É o caso de plataformas de redes sociais, que vêm debatendo o tema com o governo.
Vocações regionais
A vantagem das ZPEs é natural, mas há vocações em outras partes do país, defende o secretário. “Temos pleitos de instalação de data centers em ZPE, [onde] tem uma particularidade, que a desoneração completa. Ela é da infraestrutura, da energia, de tudo. O programa nacional será para a [desoneração] do capex, do investimento na tecnologia”, explica.
Além disso, o secretário avalia que a pulverização dos polos em diversos estados é necessária para evitar elevação no custo de energia para o consumidor residencial.
“Na Flórida [EUA] houve um aumento de 75% no custo de energia por causa da alta concentração de data centers ali. Não podemos correr o risco de ter uma concentração em uma região apenas sobrecarregando a demanda por energia”, considerou.
O Nordeste sobressai como área de atração devido a presença de geradoras de energia eólica e solar, além da presença das zonas de processamento de exportações, a exemplo do Ceará, em Pecém; e a ZPE do Piauí, estado do presidente do Consórcio do Nordeste, Rafael Fonteles (PT).
As regiões Sul e Sudeste, por sua vez, concentram cerca de 60% dos data centers existentes no país hoje, devido à presença das indústrias de refrigeradores, equipamentos de telecomunicações e componentes de informática.