NESTA EDIÇÃO. Em um único dia de negociação, empresa chinesa de inteligência artificial interrompe um ano de altas no mercado de energia dos EUA.
Modelo de IA pequeno promete ser mais barato e consumir menos energia, lançando incertezas sobre a demanda dos data centers.
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O novo modelo de IA produzido pela startup chinesa DeepSeek derrubou ações de empresas de tecnologia nos Estados Unidos e na Europa, na segunda (27/1), com perdas que chegaram a atingir US$ 1 trilhão em valor de mercado (G1).
Mas não foram só os bilionários das big techs que sofreram um revés. O mercado de energia também sentiu.
Em um único dia de negociação, a empresa chinesa de inteligência artificial interrompeu a sequência de um ano de altas no mercado de energia dos EUA, que vinha sendo sustentada pelas previsões de demanda por eletricidade aquecida em data centers. (Bloomberg e Canal Solar)
O pulo do gato da DeepSeek estaria em seu modelo de IA pequeno. Embora não tenha divulgado o custo exato de desenvolvimento e do consumo de energia, a startup indica que são uma fração dos modelos mais recentes da OpenAI.
Nos últimos anos, assistimos a uma corrida de grandes empresas de tecnologia para garantir fornecimento de eletricidade para suas operações, enquanto governos começam a impor restrições.
No mundo, um estudo da Universidade de Stanford, publicado na Nature Electronics, estima que, até 2030, a quantidade de energia necessária para treinar modelos de IA – não só os usados pelos cientistas, mas até os mais corriqueiros como chatGPT, por exemplo – ultrapassará o consumo energético global atual.
Parte dessa energia deve ser renovável, com as big techs liderando os PPAs corporativos de solar e eólica no mundo, além de nuclear. Mas a necessidade de energia firme e barata também tem servido de justificativa para projetos fósseis – vide Donald Trump nos EUA. (The Washington Post)
Economia digital versus clima
A promessa da DeepSeek de conseguir reduzir o consumo de eletricidade da IA pode ser um alento, mas, por enquanto, é mais um fator de incerteza sobre os impactos da economia digital sobre o clima.
“É muito desafiador falar sobre IA quando as coisas ainda estão mudando drasticamente. [As recentes] discussões sobre o futuro da IA, quanto dinheiro precisamos investir, como precisamos treinar modelos, mostra que esta área está muito longe de ser madura e muito longe de ser resolvida”, observa Tomas Lamanauskas, secretário-geral adjunto da União Internacional de Telecomunicações (ITU, em inglês), agência das Nações Unidas sobre o tema.
Lamanauskas participou nesta terça (28/1) de um seminário em Brasília (DF) promovido pelo Ministério das Relações Exteriores sobre inteligência artificial e mudança do clima.
E indicou que a COP30, marcada para novembro em Belém, no Pará, pode ser um ambiente para alinhar as duas agendas.
“É simbólico estarmos aqui no Brasil, primeiro de tudo, porque, eu acho que, de muitas maneiras, as discussões sobre o clima começaram neste país, há mais de 30 anos. Estamos nos preparando para a COP30 e parte do meu trabalho no Brasil é para garantir que a digitalização, a AI, tenha destaque e trazer as indústrias digitais para entregar isso”.
Para o secretário da ITU, a IA tem dois lados: pode atrapalhar, mas também pode ajudar.
“Temos estudos que demonstram alguns exemplos de como otimizar o suprimento, a demanda de grids de energia, reduzindo o impacto do processamento de dados, na armazenagem, desenvolvendo materiais melhores para baterias e painéis solares”, comentou.
- Opinião: Sete áreas em que a IA pode aumentar a eficiência no mercado de energia. Inteligência artificial se consolida como ferramenta essencial para prever preços, otimizar estratégias, agilizar decisões e aumentar a eficiência operacional, escreve Raphael Bueno.
Risco e oportunidade
Mudanças climáticas e inteligência artificial estão lado a lado quando o assunto é risco global, mas também oportunidade.
Na semana passada, durante o encontro do Fórum Econômico Mundial (WEF, em inglês) em Davos (Suíça), o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, classificou a crise climática e a expansão descontrolada da IA como as novas ameaças que exigem “muito mais atenção e ação globais”, considerando a ameaça de “desestabilizar a vida”.
Ao mesmo tempo em que nomeou as mudanças climáticas como “caos” e a dependência por combustíveis fósseis “um monstro que não poupa ninguém”, destacou a energia renovável como “uma oportunidade econômica extraordinária”.
O Brasil que o diga. Com uma matriz elétrica marcada pela renovabilidade, o país está em uma posição estratégica para atrair investimentos de grandes empresas de tecnologia.
Mas o aproveitamento deste potencial depende de infraestrutura, preço da energia e segurança jurídica – o mercado também está de olho no marco legal da inteligência artificial.
No retorno do Congresso Nacional, chegará à Câmara dos Deputados o PL 2338/2023, marco da IA aprovado no Senado Federal, impondo restrições no uso de dados protegidos por direitos autorais nos modelos de treinamento das LLMs.
Também estabelece que o desenvolvimento, implementação e uso da IA no Brasil tenha a proteção ao meio ambiente e ao desenvolvimento ecologicamente equilibrado entre seus fundamentos.
“Devemos usar as ferramentas de Inteligência Artificial como aliadas no processo de mitigação e adaptação, seja por meio da geração e fornecimento de informações e dados científicos, seja na criação de novas tecnologias e inovações limpas”, defendeu a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, no evento desta terça (28).
A pasta coordenou a elaboração do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), apresentado ao presidente Lula em 2024.
Também chamada IA para o bem de todos, a plataforma pretende alavancar a IA para a transição a uma economia de baixo carbono e resiliente ao clima.
Cobrimos por aqui
Curtas
Retorno do Congresso. A retomada dos trabalhos no Congresso Nacional na próxima semana traz a missão de analisar 56 vetos em leis sancionadas pelo presidente Lula (PT) em 2024. Alguns desses vetos afetam diretamente os mercados de energia e combustíveis e foram feitos sobre as leis do Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten), Mover, Combustível do Futuro, eólicas offshore e RenovaBio.
Carbono florestal. O Governo do Amazonas iniciou o processo de consultas públicas sobre projetos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD) em Unidades de Conservação (UC) estaduais às comunidades que abrigam os projetos. Iniciativa ocorre após o MPF recomendar, em agosto do ano passado, a suspensão de todos os projetos por ausência de consulta prévia às comunidades.
53 GW fotovoltaicos. A fonte solar acaba de atingir a marca de 53 gigawatts (GW) de potência instalada operacional no Brasil, segundo balanço da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar). A geração própria via pequenos e médios sistemas lidera com 35,5 GW. Já as grandes usinas solares somam 17,5 GW. Ainda de acordo com a Absolar, atualmente, a fonte representa 21,6% de toda a capacidade instalada da matriz elétrica brasileira, ocupando a segunda posição.
- Leia também:: Futuro nublado para geração solar no Brasil
Montadoras versus UE. A Tesla e a BMW, gigantes montadoras dos Estados Unidos e Alemanha, entraram com ações no Tribunal Geral da União Europeia (UE) e se juntam a BYD, Geely e SAIC – fabricantes de automóveis da China – que se opõem ao bloco por conta de tarifas em veículos elétricos. Grupo diz que medidas prejudicam descarbonização da frota.