BRASÍLIA – O senador sergipano Laércio Oliveira (PP) afirma que o novo atraso, confirmado pela Petrobras para os projetos de produção em águas profundas em Sergipe, é “conveniente” para a companhia que exerce um papel dominante na oferta de gás natural no Brasil.
“O que se denota, na realidade, é que a Petrobras vem postergando, de forma deliberada, o projeto Sergipe Águas Profundas, de maneira a evitar um choque de oferta de gás natural, o que levaria a uma redução do preço do energético, o que não é do interesse da companhia”, diz o senador à agência eixos, em entrevista por escrito.
E que sem mais gás nacional, o mercado brasileiro ficará mais exposto às importações de gás natural liquefeito (GNL), fator que leva o preço de mercado doméstico a ser influenciado pelo internacional.
“Interessa muito à Petrobras, agente dominante, que o Brasil continue a ser um país importador de gás natural, possibilitando que o custo de oportunidade do produto esteja atrelado ao preço do GNL importado”.
Ele enumera custos – liquefação e regaseificação, frete e outros relacionados à flexibilidade e duração dos contratos – entre os elementos da participação do GNL no portfólio da Petrobras como fatores que elevam custos.
“Essa referência do GNL importado não reflete a estrutura de custo da produção nacional”, completa.
O senador vai alterar as medidas de desconcentração da oferta de gás natural da Petrobras, incluída em um projeto sob sua relatoria no Senado, e tem a companhia na oposição. Ele também defende que os consumidores devem ter acesso direto às importações da Bolívia e Argentina. Veja os detalhes no fim do texto.
A companhia chegou a afirmar, em documento enviado ao governo e a parlamentares, que a proposta no Paten inviabilizaria novos investimentos em Sergipe. As críticas foram vocalizadas por Rogério Carvalho (PT/SE), no plenário do Senado.
“A Petrobras, entretanto, ao que parece, quer manter o controle do mercado, maximizando os seus resultados, querendo se valer além do gás que produz, de todos os volumes que possa adquirir, inviabilizando a concorrência no setor e manutenção dos preços aviltantes que hoje são praticados no mercado nacional”, diz Laércio Oliveira.
Conta, para as críticas do senador, informações que a Petrobras teria dificuldade para desenvolver o projeto se houver uma redução dos preços do gás no mercado brasileiro.
Ano passado, a Veja publicou que a Petrobras teria levado o caso à Casa Civil, alertando que um pico de oferta seria prejudicial à estratégia da companhia – o que ela negou. O projeto acabou adiado para o prazo mencionado na matéria.
“Essa estratégia já foi revelada há algum tempo e vem se confirmando a cada divulgação de novo planejamento estratégico da companhia”, diz Oliveira.
O papel do GNL nos preços do gás no Brasil
O GNL importado por terminais de regaseificação cumprem um papel, na oferta da Petrobras, de atender a uma demanda flexível. Quando o país precisa de mais gás, a exemplo dos períodos secos de maior demanda termelétrica, a companhia importa e estoca cargas de GNL nos terminais, para despachar quando necessário.
A dependência externa leva, portanto, o preço do GNL a também influenciar na precificação do gás natural doméstico, quando as opções dos consumidores são eventualmente migrar para a importação, especialmente em um cenário de baixa concorrência.
Sergipe é próximo grande projeto de gás
Na sexta (22/11), a Petrobras anunciou que as duas plataformas de Sergipe vão entrar em operação após 2030, bem como o gasoduto de 18 milhões de m³/dia, que está sob análise de viabilidade técnica e econômica.
É o próximo grande projeto da Petrobras para elevar a capacidade de oferta de gás, após a entrada em operação do Rota 3, no Rio de Janeiro.
A produção do petróleo e gás em Sergipe depende de uma decisão ainda pendente sobre a licitação das unidades, que poderão ser contratadas ambas pelo modelo BOT (construção, operação e transferência, na sigla em inglês).
A alternativa é encomendar uma própria, com um projeto da Petrobras, que adia a entrada em um ano.
Desde a primeira vez que Sergipe entrou nos planos de negócios, o projeto acumula mais de uma década de atraso. A Petrobras justifica que enfrenta dificuldades de financiamento no mercado de FPSOs e o novo cronograma do plano de negócios não afetará a curva de produção.
“O primeiro anúncio de início de produção indicava o ano de 2018 e no plano estratégico recém-divulgado já sinaliza 2030. Vemos, dessa forma, que o atraso, até este momento, é de 12 anos. Eu vinha falando de uma década perdida, agora já é mais que isso”.
E cobra a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e o governo federal.
“O que a ANP está fazendo para que a Petrobras cumpra os compromissos firmados com a União? Como a Presidência da República e a Casa Civil encaram esse movimento da Petrobras que, na prática, frustra o Programa de Aceleração do Crescimento do Governo Federal?”
Nos fertilizantes, o senador afirma que a retomada dos projetos da Petrobras é uma iniciativa “muito importante”, mas questiona a ausência de um plano para as fábricas da Bahia e Sergipe, que são da companhia, mas estão arrendadas pela Unigel.
Em crise, após um descasamento de preços do gás e dos nitrogenados, a Unigel paralisou a produção durante seu processo de recuperação judicial. A Petrobras prometeu uma solução ainda este ano.
“Entendo que o país precisa de fato desenvolver a sua indústria de fertilizantes e tenho trabalhado muito para isso”, diz.
“Esta iniciativa é muito importante, porém, é necessário dar transparência ao modelo de negócio que será adotado nessas operações, já que, como se sabe, o preço do gás natural praticado no país não viabiliza a produção de fertilizantes”.
Proposta no Paten preserva gás produzido pela Petrobras
Laércio Oliveira apresentou no relatório do projeto de lei do Programa da Aceleração da Transição Energética (Paten) um capítulo novo, dedicado ao mercado de gás natural.
Após alinhamento com o Ministério de Minas e Energia (MME), vai alterar a proposta para impedir a Petrobras de comprar gás natural de outros produtores nacionais, além de limites na importação, como parte de um programa de desconcentração, um gas release – um desejo antigo de consumidores de gás.
O senador entende que a aprovação das medidas servirá de estímulo ao aumento da produção nacional da Petrobras. Sem o gás de terceiros, a companhia precisará investir na entrega do energético para competir e ganhar mercado, defende.
“A Petrobras será estimulada a desenvolver novos projetos, como o Sergipe Águas Profundas, para, assim, poder manter posição expressiva no mercado de gás natural, através do aumento da sua produção própria”.
Entre a Rota 3 e o novo prazo para Sergipe, entrará em operação o campo de Raia, com um gasoduto de 16 milhões de m³/dia previsto para 2028.
O projeto é operado pela Equinor, com quarenta 40%, e tem a Petrobras e a Repsol Sinopec como sócias, cada uma com 30%. As sócias venderam parte de suas parcelas do gás natural do campo para a Petrobras.
“Repito, na nossa proposta a Petrobras poderá comercializar todo o gás que produz, porém, não mais deverá contratar gás de terceiros para, dessa forma, exercer controle de mercado”, diz. Há medidas para preservar, para os sócios, as condições de venda do gás.
Laércio Oliveira afirma que as mudanças no projeto foram feitas, também, após tratativas mantidas com a Petrobras. Contudo, as concessões feitas pelo senador não atenderam plenamente a companhia.
Ele manteve a proposta de desconcentração do gás importado, com algumas exceções, mas que levariam a Petrobras a deixar de comprar gás da Bolívia e vetaria futuras compras da Argentina.
Questionado se o projeto poderia prejudicar a estruturação de investimentos em gasodutos, necessários para criar uma rota de importação da Argentina, o senador rebate, afirmando que os consumidores finais devem ter acesso às novas fontes de gás.
“A questão da estruturação de investimentos para trazer o gás da Argentina deve ser conduzida pelo Ministério de Minas e Energia e BNDES”, diz.
“A importação do gás [deve] ser feita diretamente pelos diversos agentes de mercado (consumidores livres, distribuidoras e comercializadores), que deverão firmar contratos com os produtores da Bolívia e Argentina, sem necessidade de participação do agente dominante”.
Além de alterar a desconcentração para o gás de terceiros, o relatório propõe alterações na Lei do Gás, da qual Oliveira foi relator, com base na regulamentação revisada pelo governo Lula, a partir do Gás para Empregar.
Ele propõe criar, na lei, o Comitê de Monitoramento do Mercado de Gás Natural (CMSGN), com a competência para editar resoluções transitórias, em razão de brechas deixadas pelo atraso na regulamentação da Lei do Gás.
O projeto permite o uso de recursos de pesquisa e desenvolvimento para contratação de estudos para subsidiar a regulamentação. É uma proposta que parte da crise orçamentária da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
“A proposta busca criar condições para o estímulo ao escoamento de maiores volumes de gás natural, reduzindo a quantidade que hoje é reinjetada, bem como dar maior transparência aos custos dos diversos elos da cadeia”, defende o relator.
Há também medidas para estimular o uso do gás natural em substituição ao diesel, em veículos pesados.
Gás release está previsto na Lei do Gás
O gas release é um desdobramento da própria Lei do Gás, de 2021, que prevê no art. 33 a necessidade de desconcentração da oferta de gás natural. Precisa, contudo, ser regulamentado. A discussão deu um passo na ANP, em 2023, com a publicação de uma nota técnica, que apontou benefícios e limites do gas release.
Um dos gargalos apontados foi o acesso e os custos de infraestrutura para os produtores não-Petrobras acessarem o mercado. A PPSA, estatal do pré-sal, é uma delas que estima que conseguirá contratar a infraestrutura necessária para deixar de vender o gás para a Petrobras apenas no fim de 2025.
Com o decreto do Gás para Empregar, o governo vai tentar facilitar o acesso a partir do ano que vem. O gas release, contudo, ficou de fora da nova regulamentação. A desconcentração também estava prevista no termo de cessão de conduta (TCC) assinado pela Petrobras com o Cade, mas expirou.
Próximos passos do Paten
Há duas semanas, o MME endossou as diretrizes para revisão do texto, que ainda não foi apresentado na Comissão de Infraestrutura (CI) do Senado Federal. A previsão é que ocorra em 3 de dezembro, mas Laércio Oliveira enfrenta resistência na casa e em outras áreas do governo federal.
O líder do governo no Senado Federal, Otto Alencar (PSD/MG), chegou a protocolar um requerimento para levar a projeto para a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e defendeu a exclusão de todas as emendas – inclusive, uma aprovada na Câmara, para subsidiar baterias.
“Creio que os setores do governo que ainda estão reticentes quanto ao projeto poderão passar a apoiar o Paten com os dispositivos que tratam do gás natural a partir do momento em que tenham uma compreensão clara do conjunto das medidas e os benefícios que poderá trazer para o mercado”, diz Oliveira.
“Com redução do preço do gás natural e forte estímulo às atividades industriais, contribuindo ainda para a redução de preços de diversos produtos, em que o gás natural tem peso relevante nos seus custos de produção”.
Indústrias reunidas no Fórum do Gás e distribuidoras, no mercado cativo, defendem que a discussão avance no Senado.
“As medidas de desconcentração de mercado contempladas na proposta, ainda que brandas, representam um passo importante na promoção da concorrência no setor, fundamental para uma redução do preço do energético para a indústria e demais setores consumidores”.
Oliveira rejeita o rótulo de “jabuti”, dado que gás é combustível da transição, defende. “Podemos destacar o relevante papel do gás natural na substituição de outras fontes fósseis mais poluentes, com custos competitivos para toda a cadeia”, diz.
“Dada a sua capacidade de substituir a baixo custo outras fontes, o gás natural consegue reduzir a pegada de carbono no ciclo de vida dos setores em que ele é utilizado e, assim, permite acelerar a redução da emissão de dióxido de carbono, sobretudo nos processos industriais e no segmento de transporte”.
Os principais pontos da nova proposta para o gas release
O primeiro parecer foi apresentado em outubro, na Comissão de Infraestrutura do Senado Federal, propondo a redução compulsória da participação de mercado de qualquer agente que detenha mais de 50% da oferta de gás, o que direciona a política para a Petrobras.
No novo relatório, ainda não publicado, Laércio Oliveira mantém o critério de definição do agente dominante (50% de mercado) como critério para execução das regras de descontratação, mas virtualmente, a Petrobras poderá ter essa participação ou mais, desde que não compre e revenda gás de outros produtores.
O senador adiantou à eixos alguns pontos da proposta:
- O agente dominante poderá comercializar, em contratos firmes, a totalidade da sua produção de gás natural, ainda que o mercado permaneça com elevada concentração.
- Mas não poderá firmar novos contratos de compra de gás de terceiros, no Brasil ou no exterior.
- Há exceções, como as aquisições de biometano para atender o mandato do Combustível do Futuro; e importações de GNL. Prevaleceu um entendimento que há concorrência, em razão de existirem outros agentes com terminais.
A contratação de gás de terceiros pelo agente dominante precisará ser reduzida ao longo de cinco anos, a uma razão de 20% em relação ao ano-base.
- O gás comprado de sócios, negociado para a viabilização da decisão de investimentos, deverá ser ofertado ao mercado em leilões, que inicialmente vão priorizar o atendimento de distribuidoras e consumidores livres.
- O relator entende que dessa forma dará segurança para casos como o da Equinor e Repsol Sinopec, na venda do gás de Raia (BM-C-33), em que as condições do contrato serão preservadas, enquanto o leilão promoveria o acesso direto do mercado ao gás que seria ofertado dentro do portfólio da Petrobras.