“Somos campeões em biocombustíveis, avançamos na geração eólica e solar e em hidrogênio verde”, disse o presidente Lula (PT), ao final da reunião de líderes do G20, no Rio de Janeiro, que marcou vitórias da diplomacia brasileira, incluindo no setor de energia.
A declaração final do G20 trouxe elementos defendidos pelo Brasil na agenda global da transição energética, ao reconhecer princípios como neutralidade tecnológica, padrões comuns de contabilidade de carbono, consideração de características locais e direcionamento de financiamento para países emergentes.
O texto abre caminhos para que o Brasil se consolide como líder na produção de hidrogênio produzido a partir de todas as rotas.
É uma porta estratégica para que o país, que tem o potencial de produção de hidrogênio verde, por eletrólise, também se consolide como grande produtor de hidrogênio a partir da biomassa, em especial do etanol, apelidado por alguns como “hidrogênio verde e amarelo”, numa alusão à bandeira nacional.
Um dos pontos mais significativos da declaração do G20 é a adoção da neutralidade tecnológica como princípio da transição energética justa. O documento reconhece, assim, uma abordagem mais flexível, permitindo que os países explorem múltiplas tecnologias com o fim de se alcançar a neutralidade em carbono.
É um contraponto a algumas políticas públicas, em especial da União Europeia, que muitas vezes limitam recursos e subsídios a soluções específicas, como a eletrificação ou o hidrogênio produzido exclusivamente por eletrólise com fontes renováveis.
Para o Brasil, que possui uma economia fortemente baseada no agronegócio, essa decisão é crucial. O hidrogênio produzido a partir da biomassa, utilizando resíduos agropecuários e agrícolas, é uma oportunidade única.
Estima-se que apenas o potencial técnico disponível nas plantas de biodigestão em operação hoje no Brasil poderia gerar 5,7 milhões de toneladas de hidrogênio, volume equivalente a 23% do consumo global atual, segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
Esse recurso, proveniente de resíduos de cana-de-açúcar, soja, milho e produção animal, transforma um passivo ambiental em ativo econômico.
Além disso, há avanços significativos em pesquisas para produzir hidrogênio por meio da reforma do etanol, com suporte de consórcios entre grandes empresas, como Shell e Toyota.
Essa solução aproveita um combustível já amplamente distribuído no Brasil, reduzindo custos logísticos e criando uma rota de transição mais viável economicamente, uma vez que aproveita a infraestrutura de combustíveis líquidos já existente.
Padrões de contabilidade de carbono
Apesar de seu grande potencial, a produção de hidrogênio a partir da biomassa, assim como os biocombustíveis, enfrenta um obstáculo central: a aceitação internacional.
Para competir em mercados globais, o Brasil tem o desafio de demonstrar que o hidrogênio gerado a partir de biomassa é sustentável e que suas emissões são, de fato, menores que as de combustíveis fósseis.
Nesse contexto, a defesa brasileira por padrões harmonizados de contabilidade de carbono, como destacado na declaração do G20, é considerada essencial.
A inclusão do compromisso com metodologias mutuamente reconhecidas para avaliar emissões no ciclo de vida cria uma base comum para certificação internacional, o que segundo agentes do setor pode comprovar a sustentabilidade da biomassa nacional como fonte energética.
Essas diretrizes também são importantes para desmistificar que a produção de bioenergia pode estar relacionada ao desmatamento e/ou à competição com a produção de alimentos.
Inclusive, o Brasil contou com o apoio da Agência Internacional de Energia (IEA) para a elaboração de dois relatórios sobre a harmonização de padrões e definições para combustíveis sustentáveis.
Um deles, sobre a contabilidade de carbono para biocombustíveis sustentáveis, mapeia intensidade de carbono de biocombustíveis considerando aspectos regionais. O outro aborda definições comuns para combustíveis sustentáveis, a fim de estabelecer critérios comuns para permitir comparações justas.
Paralelamente, organizações como a FAO, por meio da Global Bioenergy Partnership, também promoveram o uso sustentável da bioenergia, destacando o papel da biomassa em reduzir emissões, diversificar rendas agrícolas e aumentar a resiliência climática.
Circunstâncias locais e desenvolvimento social
O texto das vinte maiores economias globais também reconhece a importância de considerar as características locais, especialmente as que são capazes de desenvolver economias de países pobres e emergentes, como o Brasil
“Comprometemo-nos a acelerar transições energéticas limpas, sustentáveis, justas, acessíveis e inclusivas (…) que não deixem ninguém para trás, especialmente os pobres e aqueles em situações vulneráveis, levando em consideração as diferentes circunstâncias nacionais”, diz a declaração.
Outro avanço significativo da declaração do G20 é o reconhecimento da necessidade de aumentar e facilitar a chegada de investimentos em transição energética nos países em desenvolvimento.
O presidente Lula destacou que o cumprimento das metas climáticas depende de recursos robustos, criticando a ausência de ambição financeira dos países ricos, que ainda não cumpriram por completo o compromisso de US$100 bilhões anuais do Acordo de Paris.
Com a necessidade agora estimada em trilhões de dólares, o Brasil tem uma chance aumentada de captar recursos internacionais para financiar projetos no setor de hidrogênio em múltiplas rotas, com destaque para a eletrólise e para a biomassa, gerando emprego e renda, em uma economia de baixo carbono.