NESTA EDIÇÃO. COP29 falha em definir financiamento para ambições climáticas de países pobres e vulneráveis.
Declaração final da cúpula climática também deixou de fora os combustíveis fósseis.
Mas conseguiu avançar com as regras do mercado de carbono internacional.
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Com 32 horas de atraso, a 29ª Conferência Climática das Nações Unidas (COP29) encerrou na noite de sábado (23/11) com uma sinalização de que os países ricos deverão liderar a mobilização de pelo menos US$ 300 bilhões anuais até 2035 para países em desenvolvimento investirem em ação climática.
Os negociadores também concordaram com uma chamada à ação para trabalharem juntos na viabilização de US$ 1,3 trilhão anualmente até 2035 para essas nações.
A princípio, parece uma boa notícia, já que grosso modo é um compromisso para triplicar a meta atual de US$ 100 bilhões/ano até 2025.
Mas para países pobres, endividados, onde o acesso a energia é caro e falho, e/ou já sofrem perdas bilionárias devido aos eventos extremos causados pela mudança do clima, o resultado da COP29 foi como um balde de água fria.
O próprio documento da nova meta global quantificada (NCQG, em inglês) em negociação na cúpula de Baku, capital do Azerbaijão, destaca que as necessidades relatadas nas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs) dos países em desenvolvimento são estimadas em US$ 455–584 bilhões por ano, enquanto as necessidades de financiamento para adaptação são estimadas em US$ 215–387 bilhões anualmente até 2030.
Além do valor ficar aquém do que é preciso, a falta de clareza sobre o que conta como financiamento climático continua.
A demanda dos emergentes é que o dinheiro venha na forma de doações ou empréstimos concessionais (juros baixos) para investimentos em energia renovável e adaptação de suas cidades às ondas de calor, secas e inundações.
Isso porque a maior parte do financiamento disponível hoje penaliza países pobres que tomam os empréstimos, enquanto enriquecem os ricos. Além disso, muitos países em situação crítica não conseguem acessar os recursos pelas altas taxas de juros.
O texto aprovado no fim de semana, no entanto, permite que a meta seja cumprida a partir de uma ampla variedade de fontes, desde acordos bilaterais e multilaterais até os tradicionais empréstimos.
‘Muito pouco, muito tarde’
Assim resume o resultado da COP do financiamento, o diretor executivo do Centro de Energia, Ecologia e Desenvolvimento (CEED) das Filipinas, Gerry Arances, que classifica os US$ 300 bilhões como uma promessa vazia.
“O texto do NCQG pretende abordar a crise – mas vamos chamá-la pelo que é: muito pouco, muito tarde. A mensagem das nações ricas é clara: seus lucros com combustíveis fósseis importam mais do que as vidas daqueles que estão se afogando, morrendo de fome ou fugindo de suas casas devido a desastres climáticos”, comentou no encerramento da cúpula.
Futuro nebuloso…
Se, por um lado, há uma pequena vitória diplomática ao conseguir aumentar a meta em um cenário geopolítico tenso, marcado por duas guerras, pressão inflacionária e avanço da desinformação, por outro deixou um sabor amargo para quem projeta um futuro pedregoso para a cooperação climática internacional.
A começar pela eleição de Donald Trump para presidir os Estados Unidos nos próximos quatro anos, com a promessa de retirar o país, novamente, do Acordo de Paris e bloquear futuras negociações relacionadas ao clima.
Maior economia global e segundo maior emissor de gases do efeito estufa, os EUA deram alguns passos durante a gestão de Joe Biden para descarbonizar sua economia (a exemplo do IRA) e incentivar os demais, como a cooperação com a China para reduzir as emissões.
A mudança na presidência joga uma série de incertezas sobre os rumos dessas iniciativas.
Adicione-se a isso a vitória de países do Oriente Médio, liderados pela Arábia Saudita, que conseguiram garantir que a menção a combustíveis fósseis ficasse fora do texto final da COP29. (AFP)
…e cada vez mais quente
Vale dizer, a cúpula climática no Azerbaijão começou com cientistas alertando que 2024 será o ano mais quente da história, superando o recorde de 2023.
Desde o ano passado, o mundo vem experimentando os dias, semanas e meses mais quentes dos últimos 120 mil anos.
Tivemos também o ciclone tropical mais duradouro já registrado, alguns dos piores incêndios florestais da história, a seca histórica na Amazônia e níveis recordes de aquecimento dos oceanos, aumento do nível do mar e recuo de geleiras. (Climainfo)
Próximo capítulo: Belém
O próximo encontro está marcado para o final de 2025, quando o Brasil presidirá a COP30 em Belém, no Pará.
Será o momento de apresentação das novas NDCs, com metas até 2035. Mas sem a garantia de recursos, nações em desenvolvimento podem ter suas transições retardadas, o que deve refletir em ambições menores no corte de emissões.
“Mais financiamento incentivaria que os países apresentassem novas metas climáticas (NDCs) mais ambiciosas no ano que vem”, comenta Karen Silverwood-Cope, diretora de Clima do WRI Brasil.
Ela avalia que o novo acordo global de financiamento foi um primeiro passo para sair do patamar anterior, que era muito insuficiente, mas os US$ 300 bilhões estão bastante distantes dos US$ 1,3 trilhão que os países em desenvolvimento precisam investir.
“Trata-se de um aumento que meramente cobre a inflação dos US$ 100 bilhões anuais prometidos em 2009. A lacuna de investimentos no presente aumentará os custos no futuro, criando um caminho potencialmente mais caro para a estabilidade climática.”
O resultado de Baku também mostra que o Brasil precisará de um esforço intenso para manter vivo o multilateralismo – lembrando que teremos Trump nos EUA.
No encerramento da COP29, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva (Rede), indicou o que vem por aí:
“Até a COP30, nosso objetivo central passa a ser alinhar NDCs suficientemente ambiciosas para alcançar a missão 1,5°C. A COP30, em Belém, é realmente um grande desafio que só poderemos alcançar com o esforço e a colaboração de cada um de nós aqui representados”.
Cobrimos por aqui
Curtas
Artigo 6. Após quase uma década em discussão, o mercado de carbono internacional criado pelo artigo 6 do Acordo de Paris, assinado em 2015, finalmente teve suas regras aprovadas na COP29. A decisão adotada em Baku pretende abrir caminho para aumentar as negociações de ativos em um novo mercado supervisionado pela ONU. O Carbon Market Watch alerta, no entanto, que há risco de que o mercado siga indisciplinado.
Petroleiras miram biocombustíveis. Seis majors (BP, Chevron, Shell, TotalEnergies, ExxonMobil e Eni) têm 43 grandes projetos de biocombustíveis em operação e implantação até 2030 em todo o mundo, de acordo com a Rystad. Juntos, os empreendimentos podem chegar a 286 mil barris/dia. Os projetos incluem biodiesel e etanol, com grande foco em HVO e SAF.
Hidrogênio renovável. A Air Liquide anunciou nesta segunda (25/11), mais um projeto de produção de hidrogênio renovável na França, desta vez em Fos-sur-Mer, Sudeste do país, com investimentos que podem chegar a € 150 milhões. O empreendimento, planejado para entrar em operação em 2028, vai ser instalado na biorrefinaria La Mède, da TotalEnergies.
Acesso a energia. Nas regiões Norte e Nordeste, 175 localidades seguem fora do Sistema Interligado Nacional (SIN). A interligação desses sistemas isolados representa uma oportunidade de mudança na dinâmica econômica das pequenas cidades e reduz os gastos na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), custeada por todos os consumidores do país.
Mercado livre. A verticalização de competências no mercado livre de energia cria valor agregado e amplia o retorno sobre o capital investido, na visão do presidente da ASX Energia, Rodolfo de Sousa. O grupo montou uma comercializadora de energia e vai construir seu primeiro projeto de geração centralizada, de olho na abertura do mercado livre a todos os consumidores do país.