BRASÍLIA – A primeira versão do Código Brasileiro de Energia Elétrica, foi apresentada à Comissão Especial nesta sexta (31), contará com quatro novidades para o setor elétrico: regras para geração distribuída; leilões de energia por fonte; um programa social; e a inclusão do PLS 232/2016, que tramita atualmente no Senado, com mudanças.
Em entrevista à epbr, o relator Lafayette de Andrada (Republicanos/MG) defendeu as mudanças como atualizações para manter a eficiência, equidade, segurança jurídica e sustentabilidade do sistema elétrico.
A proposta prevê a criação de um “portfólio” para guiar os leilões de energia, fazendo com que a competição seja por tipo de fonte, dentro de uma margem pré-estabelecida.
O MME, por meio de estudos da EPE e do ONS, ficaria responsável por determinar os parâmetros e faria uma revisão a cada cinco anos para delimitar as participações de cada fontes na expansão do parque gerador.
Esse “portfólio” determinaria a contratação de energia tanto no mercado cativo quanto no mercado livre.
“Você não pode colocar pra competir a energia fotovoltaica com a termelétrica, por exemplo. A fotovoltaica é muito mais barata, mas a termelétrica tem sua importância porque ela tem despacho imediato, que a outra não tem”, afirma.
Andrada defendeu a incorporação do texto do PLS 232/2016, relatado por Marcos Rogério (DEM/RO), por entender que ele perde força ao ser votado em separado do restante das regras. “Desconectado do resto da normatização, não funciona”, avaliou.
O texto, que tramita atualmente no Senado, foi aprovado em março deste ano na Comissão de Infraestrutura, mas aguarda apreciação no plenário após um requerimento por parte de senadores da oposição.
Embora considere um ótimo projeto para a modernização do setor, o deputado fez duas alterações no trecho referente à abertura para o mercado livre de energia elétrica. A liberdade para a contratação de energia das distribuidoras e concessionárias perante aos geradores e a migração do grupo B para o mercado livre foram ressalvas feitas pelo parlamentar.
O presidente da Comissão Especial que analisa o projeto, deputado Lucas Redecker (PSDB/RS), definiu o prazo de um mês para que os parlamentares e associações do setor possam fazer contribuições ao texto. Como a proposta é um anteprojeto, as sugestões não serão feitas através de emendas e sim diretamente ao relator.
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“Bolsa energia” e pagamento de encargos na geração distribuída
O Código irá prever novas regras para a tributação da geração distribuída. O trecho é o mesmo que foi encabeçado pelo próprio Lafayette no início do ano como um possível projeto de lei, enquanto a revisão da resolução 482 da Aneel mobilizou o Congresso Nacional e foi motivo de interferência do presidente Jair Bolsonaro na agência reguladora.
A criação de um novo programa social faz parte da sustentabilidade social do setor, segundo o relator.
O bolsa-energia seria pago para famílias inseridas no Cadastro Único por meio da compra de energia pelas concessionárias de pequenas plantas de microgeração distribuída de fontes limpas.
A proposta estimularia a diminuição da perda não técnica, diminuiria a conta da tarifa social, bancada pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), e aliviaria a União do pagamento do Bolsa Família, que seria substituído pelo “bolsa energia” nas famílias que tiverem interesse em se beneficiar do programa.
Após a apresentação do relatório, o texto ainda passará pelo prazo regimental para receber emendas na Comissão Especial e poderá ser aperfeiçoado, segundo o deputado . “Não é uma caixa fechada”, disse.
A entrevista completa com o deputado Lafayette de Andrada
Quais são os principais novidades que o Código traz na legislação atual?
A legislação atual é muito dispersa, confusa e desorganizada. Então, o objetivo principal do código é organizar essa legislação, mas também atualizar e modernizar. Pegamos todo esse conjunto de normas e fizemos uma limpeza.
O resultado foi o anteprojeto número um, que divulgamos no final do ano passado. Com isso, pudemos ter a clareza das normas e, em cima disso, fazer modificações. Há um conjunto de princípios que nortearam a confecção do código: eficiência; equidade; segurança jurídica; e sustentabilidade econômica e social do sistema.
As mudanças envolvem a geração distribuída, por exemplo, e também adiciona o [PLS] 232. Ele é muito importante porque trata da abertura do mercado, mas desconectado do resto da normatização, não funciona. [O PLS 232] é uma peça importante da engrenagem, mas anexamos aqui, com pequenas alterações.
Outra inovação é a criação do portfólio na comercialização de energia. Vai ser um passo gigantesco na organização do nosso sistema. Hoje existe uma competição entre as matrizes de geração de energia. Cada uma das matrizes tem suas vantagens e desvantagens, mas todas elas são importantes.
O sistema atual acaba gerando uma competição predatória entre as categorias de energia.
Você não pode colocar pra competir a energia fotovoltaica com a termelétrica, por exemplo. A fotovoltaica é muito mais barata, mas a termelétrica tem sua importância porque ela tem despacho imediato, que a outra não tem.
A gente não pode abrir mão de nenhuma delas, temos que garantir a existência de todas. Então criamos o portfólio em que, tanto no mercado regulado quanto no mercado livre, todos os leilões e compras de energia vão ter que obedecer a um percentual de cada tipo de energia, que será desenvolvido pela EPE junto com o ONS, por períodos.
No projeto há definição de quanto em quanto tempo seria feita essa revisão?
É a cada cinco anos, mas pode haver ajustes no meio do caminho. O Ministério de Minas e Energia determina, com apoio de estudos da EPE e do ONS. Com isso, as hidrelétricas por exemplo vão competir entre si nos seus preços. Você força uma competição positiva entre os iguais e não fica um competindo com outro.
Isso não poderia ser considera intervenção do Estado e que talvez poderia afetar o crescimento de fontes renováveis?
Não é intervenção, é fixação de parâmetros. É livre a competição entre fotovoltaicos, por exemplo. Sobre a outra pergunta, não impediria crescimento porque a EPE tem série histórica para calcular e competiria a ela fixar esses parâmetros.
[A EPE] já fala para o mercado que nos próximos cinco anos aumentaria essa ou aquela fonte na matriz. Eu acho que é muito positivo para todo mundo. Para os consumidores é bom, porque vai forçar a competição entre os iguais e isso barateia o preço final. E é bom para os próprios produtores de energia, porque agora eles sabem que estão disputando com seus iguais. Não vai colocar no mesmo ringue o peso pesado com o peso leve.
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Quais são as alterações que o senhor propôs no que seria o PLS 232?
Cerca de 80% do que seria o [PLS] 232 está idêntico, eu mudei duas coisas ali que são pequenas mas que têm repercussões importantes.
Hoje, em nome da segurança do sistema, as concessionárias e distribuidoras são obrigadas a adquirir das geradoras o total da energia prevista a ser consumida. Então, elas informam à Aneel o tanto de energia que elas precisam para aquele ano e com isso são organizados os leilões de energia. No PLS 232, elas ficam livres para comprar menos, por exemplo, e eu acho isso muito perigoso para a segurança do sistema. Essa ressalva eu fiz aqui no Código.
O segundo ponto é que o texto prevê que quem está em alta e em baixa tensão pode migrar para o mercado livre. Ocorre que o mercado livre não trabalha com consumo de energia, mas com potência. Você hoje paga sua conta de luz no final do mês pela energia que você utilizou, a potência é uma medição diferente em que é considerado o pico de energia que vai ficar disponível para você.
No frigir dos ovos, quando você usa esse critério para o grupo B [baixa tensão], a conta de luz vai aumentar muito, quase que dobrar. Não vejo sentido nisso, não é esse o objetivo e eu acho que não devem ter feito simulações.
Então criou-se uma falsa impressão de que na hora que você abre mercado e a competição vai baratear o preço da energia, mas esqueceram desses detalhes. No mais, importei tudo do PLS 232 que é um ótimo projeto e que trás vários passos importantes para a modernização do setor.
O senhor comentou de que um dos princípios do relatório é a equidade. Isso tem alguma relação com o capítulo de geração distribuída?
Sim. A questão da geração distribuída, basicamente importei aquele texto que a gente tinha elaborado que seria colocado para votação para resolver a resolução 482 da Aneel, mas que veio a pandemia e com isso ficou de fora.
Em linhas gerais, fica garantido o pagamento do fio B, que é a remuneração das distribuidoras. Eu acho muito justo, porque as distribuidoras têm uma infraestrutura que é usado por quem tem energia solar.
Mas fizemos uma transição, que eu dividi em quatro grupos de geração distribuída: primeira a chamada remota para alto consumo, são geralmente as fazendas solares, a segunda e terceira também são remotas, mas compartilhadas, que pode ser comercial ou residencial. A compartilhada residencial é juntar pessoas para fazer um consórcio ou cooperativa para atender um conjunto de casas ou um prédio, por exemplo.
E por fim a microgeração, que é quem coloca no telhado dele, seja na cidade ou no campo.
A diferença delas é para o período de transição. Hoje nenhum deles paga o fio B, mas todas passarão a pagar. Para a geração remota, ele passa pagar imediatamente a partir de 2021. A geração distribuída compartilhada comercial, começa a pagar, no próximo ano [de vigência da lei] 50% do fio B. Os outros 50% serão cobrados de forma gradativa aos poucos ao longo de dez anos. A compartilhada residencial começa pagando 10% já em 2021, e ao longo de dez anos vai aumentando para pagar integralmente, assim como a microgeração.
E à respeito da sustentabilidade social?
Nós estamos fazendo uma pequena alteração no conceito de [geração distribuída compartilhada] de modo que, por consequência, finalmente vamos poder democratizar a energia solar.
Hoje o pobre não pode ter energia solar porque exige investimento de R$ 15 mil para colocar um painel na sua casa.
Se ele for fazer uma compartilhada, pelas regras atuais, no final a conta de energia dele fica mais cara do que a conta de luz normalmente. O resultado disso é que as pessoas mais simples estão impedidas de ter acesso.
O novo conceito de compartilhada destrava isso. Colocamos também um projeto de geração de renda através da produção de energia, da microgeração, que pode ser solar, biomassa, eólica, PCH, qualquer uma dessas matrizes. Nós estamos fazendo um programa social que vai gerar renda através da produção [de energia].
Como seria esse programa?
Nós estamos criando um programa em o município tem que se habilitar e se cadastrar. A prefeitura mostra um conjunto de famílias que já estão no Cadastro Único. Com essas famílias cadastradas e o município habilitado, vai ser possível fazer uma planta de geração distribuída de até 5MW.
A concessionária é obrigada a comprar energia dessa fazendinha solar, por exemplo, e o dinheiro do pagamento da compra dessa energia vai para pagar as famílias cadastradas que o município encaminhou.
Essas famílias cadastradas vão receber um ‘bolsa energia’ que, a partir das nossas simulações, acaba sendo melhor do que o próprio Bolsa Família.
Hoje, o Bolsa Família paga hoje em média R$200, esse modelo pode chegar a R$330. Ele é benéfico em três coisas. Primeiro, ele paga melhor do que o programa atual e, ao entrar nesse programa, a família se desvincula do Bolsa Família. É bom para a União, por aliviar os cofres públicos.
Segundo, para a família ser cadastrada no programa, eles precisam estar conectados na rede, o que pode diminuir o ‘gato’, a chamada perda não técnica, que é paga por todos. A medida que a gente diminui os ‘gatos’, diminui-se a conta dos demais. Terceiro, para entrar no programa ele também abre mão da Tarifa Social, que também é paga por nós.
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Teria um limite de número de iniciativas como essa por município?
Não, não tem limite. O limite máximo são as famílias no Cadastro Único, porque é um programa social.
E quem faria os investimentos das iniciativas?
Pode ser a própria prefeitura, pode ser a iniciativa privada ou a própria concessionária. Se for a iniciativa privada, teria ali algumas cláusulas. A concessionária vai fazer um leilão e avaliar quem oferece a energia mais barata.
O que apresentar a proposta mais barata, é habilitada. Ela executa a planta, por exemplo uma fazenda solar. Se for a iniciativa privada, há uma regra que diz que, quando a distribuidora compra energia dessa planta, esse dinheiro primeiro será usado para a Caixa Econômica, que paga o ‘bolsa-energia’, depois ele vai para o banco que financiou a construção da obra e, por fim, o administrador recebe a parte dele.
Isso para garantir solidez ao sistema, para ninguém quebrar.
Não é conflitante com o “portfólio” de fontes?
Não é porque não estou impondo que seja uma ou outra fonte, como a fotovoltaica. Tem que ser geração distribuída até 5MW, pode ser qualquer uma.
Há uma perspectiva de que isso seja votado até o final do ano?
Vai depender do tanto que o texto for bem recebido pelo setor. Se for muito controverso, e eu lutei para que não fosse, naturalmente é mais difícil de andar. O meu esforço é para que ele ande, por isso que conversei muito com representantes do setor para criar um texto hegemônico, que vai de encontro do que o setor deseja e precisa. Mas ajustes poderão vir e eu estou aberto para fazer melhorias no que for preciso.
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