RIO – Ao decidir pelo aumento de 47 centavos nos impostos federais da gasolina, o governo federal cumpriu com dois meses de atraso uma imposição do Congresso Nacional, que promulgou – com ampla maioria – a emenda constitucional 123/2022.
Com a impopularidade do tema, diversos parlamentares da base bolsonarista usam a volta da taxação para criticar o governo, após terem votado a favor da proposta no ano passado.
A EMC 123/2022 (veja na íntegra) obriga o país a “manter regime fiscal favorecido para os biocombustíveis destinados ao consumo final”.
Na prática, determina que o etanol hidratado, substituto da gasolina comum, deve ser favorecido com uma tributação menor – como ocorre há anos. A diferença é que o Congresso Nacional decidiu garantir essa política na Constituição Federal.
Antes da disparada dos preços dos combustíveis mobilizar o governo de Jair Bolsonaro (PL), sua base legislativa e a oposição, a gasolina comum era tributada em 69 centavos; e o etanol, em 24 centavos. Considerando apenas impostos federais.
A emenda, portanto, garantiu a manutenção desse diferencial de 45 centavos, que foi instituído agora em 1º de março, sendo 47 centavos para a gasolina e 2 centavos para o etanol.
A decisão foi tomada primeiro no Senado Federal, incluída pelo relator da PEC 01/2022, Fernando Bezerra (MDB/PE), que foi líder do governo Bolsonaro por três anos, até dezembro de 2021.
Foram R$ 41 bilhões, dos quais R$ 3,8 bilhões para os estados reduzirem ainda mais a tributação sobre o etanol e prorrogar para 1º de janeiro de 2023 a obrigatoriedade constitucional de tributar a gasolina com uma diferença mínima de 45 centavos.
Filho do ex-presidente, Flávio Bolsonaro (PL/RJ) ironizou o anúncio em 28 de fevereiro. “Vai no posto de gasolina e aperta 13 para ver se tem desconto!”.
“O governo Lula segue mostrando que não compreende a roda da economia. Onerar o combustível agora é puxar a inflação para cima e sacrificar ainda mais a população”, criticou Luís Carlos Heinze (PP/RS).
Ambos votaram a favor da PEC, assim como todos os senadores presentes, com exceção de José Serra (PSDB/SP). “Há apenas poucas semanas o Senado descobriu que as famílias passam fome”, disse à época, para justificar sua recusa em apoiar a despesa há quatro meses das eleições.
Na Câmara, a situação se repete e a PEC é aprovada com 469 votos a 17, dos 488 deputados presentes no segundo turno. O único partido da base bolsonarista totalmente contrário foi o Novo, com sete votos.
No apoio à EMC 123/2022, aos R$ 41 bilhões de gastos autorizados para governo Bolsonaro e à obrigação de reonerar a gasolina agora em 2023 está toda a bancada do PL do ex-presidente e seu outro filho, Eduardo Bolsonaro (SP), que virou motivo de piada nesta terça (8/3) ao criticar o preço da gasolina no governo do próprio pai.
? Eduardo Bolsonaro critica gasolina a R$ 11,56 com texto da época da gestão Bolsonaro pic.twitter.com/HAdQtbI53f
— UOL Notícias (@UOLNoticias) March 7, 2023
Governo taxa exportação de óleo por quatro meses
Em 1º de janeiro, o governo Lula (PT) prorrogou toda a desoneração federal, até o fim do ano para o diesel e para o GLP; e até fevereiro para os demais combustíveis.
Agora, a nova MP 1163 restabeleceu o imposto da gasolina em um patamar inferior à regra geral (era 69, ficou em 47 centavos) e manteve gás natural veicular (GNV) e querosene de aviação (QAV) zerados até 31 de dezembro.
Para pagar a conta da manutenção parcial do desconto na gasolina e demais combustíveis, taxou em 9,2% por quatro meses as exportações de petróleo bruto, medida que causa preocupação especialmente em produtores independentes de petróleo.
Para a Petrobras, a estimativa do Ministério da Fazenda é que a taxa custa cerca de 1% do faturamento.
A companhia tem o pré-sal, os ativos de maior rentabilidade do país. Enquanto as chamadas junior oil operam campos de menor porte, em muitos casos comprados da Petrobras e carentes de investimentos.
A estratégia desse segmento é entrar em ativos com uma produção deprimida, mas capazes de responder aos investimentos em poços atuais e novos, manutenção e ampliação dos sistemas. Com a medida anunciada de véspera, as empresas despertaram dia 1º com uma taxa de 9,2% sobre o óleo destinado à exportação.
Crise de preços mobilizou classe política
Quando a crise dos preços estourou no ano eleitoral, a base bolsonarista também se mobilizou para derrubar o ICMS dos combustíveis, em uma medida que afetou substancialmente o preço da gasolina.
O índice oficial da inflação atingiu, em julho de 2022, 11,89% no acumulado de 12 meses. Com o corte geral de impostos dos combustíveis e da energia elétrica – uma celeuma à parte –, o IPCA chegou ao fim do ano eleitoral a 5,77%.
Os efeitos foram sentidos de duas formas: uma decisão monocrática e liminar do ministro André Mendonça no Supremo Tribunal Federal (STF) garantiu a redução da base de cálculo do ICMS, com prazo até 31 de dezembro. Caducou, sem nem sequer ser julgada.
E, em outra frente, a lei complementar 194/2022 impôs um teto para a cobrança do tributo estadual, obrigando os estados a aplicar a alíquota geral de ICMS, que na época variava de 16% a 17%. Antes, alguns cobravam mais de 30% e hoje, diversos estados majoraram a alíquota geral para 18% ou mais.
Questionada no STF, essa lei foi alvo de um acordo assinado entre a Advocacia Geral da União (AGU), estados e Congresso Nacional no fim de 2022, portanto, com as pastas oficialmente sob comando de Bolsonaro – o ex-presidente deixou o país após a derrota nas urnas em novembro.
Esse acordo prevê que em 120 dias, portanto no fim de abril, sejam feitas novas propostas para revisão da tributação dos combustíveis e da energia. Diversos especialistas, até mesmo indicados pela União ao STF, concordaram que as medidas abusaram do poder do Congresso Nacional em legislar sobre o ICMS.
Quase tudo se perdeu
Bolsonaro vetou uma obrigação da União de ressarcir os estados pela perda de arrecadação e, em seguida, sua base derrubou o veto no Congresso Nacional.
A carga tributária do GLP e do diesel subiu nos estados; uma parte da desoneração da energia elétrica foi derrubada pelo STF – também previsto no acordo de 2022 – e segue em uma discussão paralela no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O ministério da Fazenda, de Fernando Haddad, negocia com os estados o tamanho do acerto, quais são os critérios para se chegar a um acordo de recomposição das perdas, enquanto seu secretário especial Bernard Appy negocia a reforma tributária na Câmara dos Deputados.