O ritmo, entre meados dos anos 1990 e começo dos anos 2000, parecia lento. Os sinais indicavam que, se dependesse do setor energético, eram tortuosos e duvidosos os caminhos para que fossem alcançadas as metas de redução das emissões de CO2. Mas tudo mudou a partir de 2005, apesar da crise financeira mundial de 2008.
Os resultados, no entanto, são muito bons e o futuro promissor. Nos últimos 15 anos, foi espetacular o crescimento da participação das fontes renováveis variáveis (FRVs) na matriz elétrica mundial.
Para que se tenha uma noção desse número, na China, em julho deste ano, já era de mais de 1.300 GW a capacidade instalada de renováveis, que superou a potência instalada de usinas a carvão. Quase 50% da geração de energia na China já vem de renováveis. Tal número é quase sete vezes maior que o total da capacidade instalada de geração do Brasil, incluídas todas as fontes.
Quando se consideram as fontes renováveis variáveis (FRVs) individualmente, os números são também gigantescos. As eólicas têm hoje, na China, 390 GW de potência instalada, contra 470 GW da solar fotovoltaica. Qualquer uma delas, em julho de 2023, representava mais que o dobro do total de geração do Brasil. Se você acha pouco, a China também possui 43 GW de usinas a biomassa.
No Brasil, a participação das FRVs cresce de forma acelerada, a superar recordes sucessivos. A perspectiva é que, em 2032, a soma de eólica e solar será superior ao dobro do total de termelétricas fósseis e nucleares. Quando adicionada a geração distribuída (GD) com solar fotovoltaica, as FRVs terão quase 100 GW de capacidade instalada em 2032, com o que ninguém contava ao se olhar de 2015.
Tudo isso, aqui e acolá, determinou e foi determinado principalmente por inéditas economias de escala na fabricação de eólica e solar, que resultou numa motivante redução de preço em US$/kW instalado. Em termos comparativos, o custo (CAPEX) da solar em 2023 é quase a metade do que era em 2010, o que explica o feedback positivo.
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Desigualdade elétrica
Mas as notícias, em todo o mundo, não são assim tão positivas ou somente positivas. As mudanças na matriz elétrica podem levar a mais desigualdade, o que eu tenho chamado, desde 2022, de “desigualdade elétrica”. E isso começou a chamar a atenção.
A Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), no seu relatório de 4 de setembro de 2023, destaca que a transição para energia limpa precisa colocar as pessoas como centro das estratégias. Em outras palavras, a igualdade e a inclusão devem fazer parte da política energética, e não apenas funcionarem como um apêndice.
Peguemos dois casos, a começar pela GD
O net metering é o método mais aplicado para a incentivar o consumidor a gerar a sua própria energia. Na Dinamarca e na Alemanha, por exemplo, a grande maioria dos usuários de eletricidade pode ter solar no teto ou no terreno de suas casas. Por isso, na prática, só não a instala quem não quer ou não tem interesse. Portanto, não há grandes dilemas econômicos de o consumidor com GD ser subsidiado por aquele que não a tem.
No Brasil, apesar das enormes vantagens em termos de redução dos custos na conta de luz, talvez nem 5% das unidades consumidores tenha capacidade financeira para investir na produção de sua própria energia. Só não instala a GD quem não tem financeiramente como fazê-lo. Ou seja, a enorme vantagem de alguns será sustentada pela desvantagem da imensa maioria. A “limpeza” da matriz, nessa circunstância, é desigual e não inclusiva.
E os elétricos
Coisa semelhante, e ainda mais evidente, acontecerá com o carro elétrico, cujo uso tem sido muito e corretamente estimulado. Na cidade de São Paulo, os veículos elétricos não participam do rodízio. E ainda há estados em que existem importantes benefícios fiscais para quem adquire um desses carros zero km.
No Brasil, esse tipo de automóvel, fundamental para a redução das emissões de CO2, é extremamente caro. Poucos, quem sabe 2% da população, poderão adquiri-los, pelo menos nos próximos 15 anos. É coisa para muito poucos.
Reforços (e rateio) das redes
Contudo, a instalação das estações de carregamento das baterias exigirá investimentos em reforços das redes de distribuição. E o que pior: o rateio dos gastos com esses reforços serão assimétricos.
Trabalho de dois pesquisadores do MIT (Sara A. Steinbach e Maximilian J. Blaschke), publicado em julho de 2023, mostra que, na União Europeia, essa assimetria de custos relativa a tais instalações, entre os consumidores de alta e baixa renda, pode chegar a € 14 bilhões ou mais de R$ 80 bilhões.
Dessa forma, as tarifas, proporcionalmente, subirão mais para quem não tem como comprar o carro elétrico. A exemplo da GD, se nada for feito, novamente a “limpeza” da matriz energética e elétrica por meio do carro elétrico será desigual e não inclusiva.
Claro que não se deve desincentivar a GD ou o carro elétrico, muito pelo contrário. Mas as políticas públicas, para um e para outro, não devem ser não inclusivas nem, obviamente, aprofundar as desigualdades, numa infeliz lógica de o pobre pagar pelo rico.
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Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.
Edvaldo Santana é ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e professor titular aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).