Opinião

Os desafios para o avanço da mobilidade elétrica pública no Brasil

Mobilidade pública elétrica é uma urgência urbana e climática, mas exigirá coordenação institucional, visão de longo prazo e coragem para vencer resistências, escreve Victor Ribeiro

Victor Ribeiro, consultor estratégico na Thymos Energia (Foto Divulgação)
Victor Ribeiro, consultor estratégico na Thymos Energia (Foto Divulgação)

A mobilidade elétrica pública tem ganhado centralidade no debate sobre o futuro dos países, quando se trata da transição do transporte coletivo urbano para modelos mais sustentáveis.

Os ônibus despontam como protagonistas dessa transformação. Assim, redução de emissões locais, menor poluição sonora, ganhos de eficiência operacional e contribuição direta para metas climáticas são benefícios que posicionam a eletromobilidade como caminho incontornável.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), ruídos acima de 75 decibéis prejudicam a audição e podem provocar distúrbios do sono e estresse. Ônibus convencionais chegam a produzir 80 decibéis, enquanto os elétricos ficam entre 60 e 70 decibéis. Não por acaso, investimentos têm sido feitos para ampliar as frotas de coletivos públicos no mundo.

Na América Latina, o Chile lidera o ranking com cerca de 2.600 ônibus elétricos em operação, seguido da Colômbia, com 1.700.

No Brasil, são cerca de 1.000 de carros em circulação em 18 municípios, sendo São Paulo a cidade com mais unidades (841), o que ainda representa menos de 1% da frota nacional de transporte coletivo, estimada em mais de 100 mil veículos.

Esse avanço na capital paulista está relacionado à Lei 16.802/2018, que determina a redução de 50% das emissões do transporte público até 2028 e de 100% até 2038.

Ao buscar referências fora do nosso continente, notamos que China e Alemanha adotam estratégias nacionais robustas e coordenadas para promover a eletrificação do transporte coletivo.

O Brasil, por sua vez, depende de iniciativas locais e programas pontuais, sem metas nacionais definidas e com infraestrutura concentrada em poucas regiões.

Mas, novas iniciativas estão em curso: conforme o Ministério das Cidades, estão em aquisição 2,2 mil ônibus elétricos para 92 cidades, incluindo Florianópolis (SC), Palmas (TO) e Niterói (RJ). Campinas (SP) sozinha receberá 250 desses carros.

O potencial de expansão do Brasil é relevante, desde que os entraves sejam enfrentados com visão estratégica e planejamento integrado.

Um dos principais obstáculos à adoção em larga escala de ônibus elétricos no país é o custo inicial elevado. Um veículo desse tipo pode custar de duas a três vezes mais que um modelo a diesel. Essa diferença, embora compensada ao longo da vida útil com menores despesas operacionais, exige soluções financeiras inovadoras.

Parcerias público-privadas, leasing operacional e linhas de crédito verde são caminhos estudados por governos e operadores, mas ainda carecem de estruturação institucional em escala nacional.

Por outro lado, as projeções indicam um horizonte promissor. O Brasil pode alcançar, até 2030, a substituição de 14 mil ônibus a diesel por modelos elétricos, evitando a emissão anual de 437,7 mil toneladas de CO₂ equivalente.

Esse importante passo representaria uma redução de 24,6% nas emissões atuais de gases de efeito estufa desses sistemas, segundo levantamento do Instituto de Políticas de Transporte & Desenvolvimento (ITDP Brasil).

A infraestrutura de recarga é outro ponto crítico para viabilizar a eletrificação das frotas.

Pátios e terminais urbanos precisam ser adaptados com tecnologias adequadas, como carregadores rápidos (DC) e sistemas de pantógrafo automatizados. A integração com o sistema elétrico local também é desafiadora.

Terminais a exemplo do recém-inaugurado em São Paulo, com capacidade para recarregar simultaneamente 15 ônibus, apontam cenários positivos.

Tecnologias como smart charging, sistemas de armazenamento de energia (BESS) e geração solar distribuída contribuem para uma operação mais eficiente e resiliente, mas exigem regulação, investimentos e articulação com as distribuidoras de energia.

A autonomia dos veículos — que atualmente varia entre 200 e 350 km por carga —, aliada à necessidade de planejamento logístico preciso, reforça a importância das baterias como elemento central da operação.

Modelos como o lítio-ferro-fosfato (LFP), reconhecidos pela durabilidade e segurança térmica, e o níquel-manganês-cobalto (NMC), com maior densidade energética, são amplamente utilizados.

Ainda assim, o Brasil depende quase integralmente de baterias importadas, e não tem política de reciclagem estruturada.

A digitalização da gestão de frotas também é fato relevante. O uso de plataformas integradas, sistemas de telemetria e inteligência artificial permitem otimizar rotas, prever falhas, agendar recargas e manter alta disponibilidade dos veículos.

Porém, faltam interoperabilidade entre sistemas, padronização de tecnologias e profissionais capacitados. A ausência de mão de obra treinada, especialmente em segurança de baterias e manutenção de sistemas elétricos, compromete a eficiência operacional.

Do ponto de vista institucional, o Brasil carece de diretrizes federais claras, metas obrigatórias e incentivos coordenados.

A ausência de uma política industrial voltada à eletromobilidade, aliada à complexidade tributária e à escassez de mecanismos de financiamento, fragiliza a confiança dos investidores e desestimula a produção local.

Iniciativas como o plano nacional para ônibus elétricos, anunciado em 2024 com apoio da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), podem reverter esse quadro, desde que implementadas com governança eficaz e envolvimento dos entes subnacionais.

A mobilidade pública elétrica é uma urgência urbana e climática. Com tecnologia mais madura, custos em queda e exemplos bem-sucedidos ao redor do mundo, os ônibus elétricos têm o potencial de redefinir o transporte coletivo no Brasil.

Mas essa transformação exigirá coordenação institucional, visão de longo prazo e coragem para vencer resistências.


Victor Ribeiro é consultor estratégico na Thymos Energia e doutorando em Engenharia Elétrica pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Com 29 anos de experiência no setor elétrico brasileiro, é especialista em iniciativas de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).

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