Opinião

O desafio estrutural da eletromobilidade no Brasil

Consumo de eletricidade por veículos já soma 309 GWh ao ano, mas rede enfrenta gargalos técnicos e custos elevados com carregamento ultrarrápido, escreve Lucas Kok

Lucas Kok é diretor de Projetos da Armor Energia (Foto Divulgação)
Lucas Kok é diretor de Projetos da Armor Energia (Foto Divulgação)

A mobilidade elétrica já ocupa um espaço concreto na matriz energética brasileira, como mostram os números divulgados no Balanço Energético Nacional 2025. Em 2024, o consumo de eletricidade para abastecimento de veículos eletrificados chegou a 309 GWh.

O número de licenciamentos também impressiona: mais de 215 mil veículos elétricos entraram na frota nacional apenas no último ano, entre automóveis, ônibus e caminhões.

Trata-se de uma transição em curso, impulsionada não apenas por fatores ambientais, mas por avanços tecnológicos, mudanças nos hábitos de consumo e, principalmente, pela necessidade de tornar o setor de transportes mais eficiente e menos dependente de combustíveis fósseis.

Essa mudança de paradigma é estratégica. A mobilidade elétrica reduz emissões locais, alivia a pressão sobre combustíveis importados e se integra bem a uma matriz elétrica majoritariamente renovável, como é o caso brasileiro. Além disso, representa um campo de inovação e competitividade industrial.

Mas, por trás dos avanços, há um ponto nevrálgico que precisa ser enfrentado com urgência: a capacidade da infraestrutura elétrica nacional para absorver, com estabilidade e segurança, a expansão da frota eletrificada e, sobretudo, a popularização dos sistemas de carregamento de alta potência.

Carregadores ultrarrápidos

Os carregadores ultrarrápidos, por exemplo, são o símbolo do salto tecnológico nessa área. Capazes de oferecer até 470 km de autonomia em apenas 5 minutos de carga, esses equipamentos operam com potências superiores a 1.000 kW — o equivalente à demanda energética de um shopping center.

Em termos operacionais, isso exige que a distribuidora local tenha essa potência reservada, 24 horas por dia, no ponto de conexão.

A título de exemplo, o custo mensal para manter um carregador desse tipo conectado na cidade de São Paulo é de aproximadamente R$ 17.000,00, sem incluir impostos, e o consumo propriamente dito. Em algumas distribuidoras esse custo supera facilmente os R$ 50.000,00.

Além dos custos elevados, existem questões técnicas relativas à instalação desses carregadores. Observa-se, por exemplo, que em algumas regiões das grandes cidades as distribuidoras já não possuem disponibilidade de rede para atender a essa demanda de energia.

Recentemente, divulgou-se que a Prefeitura de São Paulo contava com 37 ônibus elétricos parados, em parte, por conta da dificuldade em fornecer potência suficiente para carregar os veículos no pátio do Jabaquara.

Além disso, quando se constata a viabilidade no atendimento, é comum que, para potências desse porte, sejam exigidas obras de rede, o que geralmente é cobrado do consumidor. A esse custo, soma-se também o custo do carregador e da própria infraestrutura para seu atendimento.

Dessa forma, observa-se que a instalação desses equipamentos, portanto, não depende apenas da disponibilidade tecnológica: exige redes robustas, planejamento integrado e investimentos coordenados entre setor público, operadores e investidores privados.

Mobilidade da carga

Outro desafio estrutural envolve a mobilidade da carga. Carros elétricos são cargas móveis que se deslocam e exigem abastecimento em locais imprevisíveis, nem sempre próximos de subestações ou redes reforçadas.

Isso impõe uma mudança na lógica tradicional do planejamento elétrico, historicamente pautado por cargas fixas e previsíveis. Atender a essa nova dinâmica requer um esforço de modelagem, previsão e adaptação regulatória.

Será necessário antecipar pontos críticos, planejar a expansão da rede e incorporar inteligência à operação do sistema, com ferramentas como controle dinâmico de carga, resposta da demanda e gerenciamento em tempo real da distribuição de energia.

O avanço da eletromobilidade também impõe novos requisitos aos próprios veículos. Para que a recarga ultrarrápida seja efetiva, os modelos precisam ser projetados para suportar potências elevadas, com baterias compatíveis e sistemas de segurança robustos.

A interoperabilidade entre padrões de conectores e protocolos de comunicação também precisa evoluir, para garantir que o sistema seja confiável e escalável. Trata-se de um ecossistema novo, com múltiplos agentes e interfaces, que exigirá governança clara e regulamentos atualizados.

Por tudo isso, embora inspire altas expectativas, dificilmente a eletrificação da frota será calcada apenas em carregadores ultrarrápidos.

De qualquer modo, o impacto sobre o setor elétrico será crescente, tanto em termos de demanda quanto de complexidade operacional, exigindo, mesmo entre carregadores de menor potência, alguma forma de coordenação.

Por outro lado, os benefícios são inegáveis: redução de emissões, dinamização da indústria nacional, eficiência energética e sinergia com uma matriz majoritariamente limpa.

A substituição progressiva da frota a combustão, especialmente no transporte urbano e de cargas, pode reposicionar o Brasil como líder em soluções sustentáveis de mobilidade.

No entanto, para que essa oportunidade se concretize plenamente, será preciso tratar o tema com o devido rigor técnico. A transição energética não pode ser conduzida apenas por incentivos pontuais ou visões de curto prazo.

Ela exige planejamento, investimento em infraestrutura, articulação institucional e, sobretudo, um debate aprofundado e qualificado sobre os limites e as possibilidades do setor elétrico.

É apenas com essa base que poderemos transformar o desafio da eletromobilidade em vetor de desenvolvimento sustentável, segurança energética e inovação.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.


Lucas Kok é diretor de Projetos da Armor Energia.

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