RECIFE — Grandes montadoras do setor automotivo não estão cumprindo a meta climática de produção de veículos elétricos, aponta uma pesquisa do think tank InfluenceMap. Segundo o relatório publicado na terça (17/5), o envolvimento da política climática das empresas avançou pouco entre 2020 e 2022, com algumas montadoras apoiando regulamentações climáticas mais ambiciosas do que seus pares.
“Há uma divisão crescente entre as montadoras que adotam políticas climáticas pró-veículo elétrico — como as datas de descontinuação do motor de combustão interna –, e as montadoras que continuam se opondo às políticas para reduzir a demanda por veículos movidos a combustão e exigir maiores vendas de veículos elétricos com bateria”, explica o think tank.
Com base nas trajetórias atuais, todo o setor automotivo global precisará aumentar a produção anual de veículos com emissão zero (ZEV) em 80% no período de 2029 a 2030 para atender ao cenário de 1,5°C da Agência Internacional de Energia (IEA, sigla em inglês).
O InfluenceMap avaliou o engajamento climático de doze montadoras — entre elas Mercedes-Benz, Tesla, Honda, Renault e BMW — comparado aos indicadores de produção futura dessas empresas reunidos pela consultoria IHS Markit até 2029.
No momento, apenas a Mercedes-Benz e a Tesla parecem estar alinhadas com a tendência de 1,5º C da IEA para produção de veículos com emissão zero até 2029.
A ação exige que 57,5% de todas as vendas de veículos sejam com emissão zero até 2030. Entre as empresas analisadas, a Toyota ficou com o pior engajamento com relação às políticas climáticas.
“As associações da indústria automotiva — que representam as montadoras nas principais regiões (EUA, UE, Alemanha, Japão e Reino Unido) — estão liderando a oposição global à regulamentação climática nos principais mercados, além de terem um envolvimento altamente negativo com as políticas climáticas”, conclui a InfluenceMap.
Políticas governamentais acentuam diferenças no engajamento climático
Na União Européia, que tem algumas das políticas mais ambiciosas para descarbonizar o setor de transportes, os dados da IHS Markit mostram que 59% da produção local está prevista para ser veículos elétricos a bateria até 2029.
Contudo, algumas montadoras como a BMW ainda lideram os esforços contra uma meta de emissões zero até 2035 proposta pela UE.
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Na contramão da UE, nos Estados Unidos apenas a Tesla (100%) e a Volkswagen (57%) planejam produzir veículos elétricos movidos a bateria que sejam suficientes para atingir a meta da IEA.
O que explica essas diferenças de atuação, segundo o estudo, é uma forte correlação entre a política governamental de eliminar gradualmente os veículos de passageiros com motor à combustão e a produção local de carros elétricos à bateria.
Nos países onde a legislação está mais adiantada, haverá mais veículos elétricos. Ao mesmo tempo, a maioria dos fabricantes de automóveis está engajada negativamente na política climática.
Com a ausência das políticas climáticas por parte das montadoras, 65% dos veículos leves produzidos nos EUA ainda terão motores a combustão até 2029.
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A cobrança de engajamento por parte dos continentes refletem nas atitudes das empresas. Um exemplo é a Toyota. A montadora japonesa terá 49% da frota formada por veículos elétricos a bateria até 2029. Já nos Estados Unidos o índice é de apenas 4%.
Empresas como Ford (36%) e General Motors (28%) devem permanecer atrás das exigências do cenário de 1,5°C da IEA em sua produção mundial para veículos elétricos à bateria. Entretanto, a produção da Ford baseada na UE está prevista para 65% até 2029.
“O último relatório do IPCC é claro que uma rápida ampliação dos veículos elétricos a bateria é fundamental para atingir as metas globais de mudança climática. No entanto, esta pesquisa destaca como os principais fabricantes de automóveis continuam entre os maiores opositores da política climática global”, avalia Ben Youriev, analista sênior da InfluenceMap.
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Net zero na Fórmula 1
A política de zerar a emissão de carbono no setor automotivo também alcançou as competições automobilísticas, incluindo a maior delas: a Fórmula 1.
A categoria anunciou, ainda em 2020, que vai assumir o compromisso de sustentabilidade proposto pela Federação Internacional do Automobilismo (FIA), que inclui a utilização de combustível sustentável ao invés da gasolina. A competição pretende alcançar a meta de carbono zero até 2030.
Apesar da ação conjunta atual, a modalidade já havia anunciado, em 2019, a intenção de retirar o consumo de carbono das suas competições até 2030.
A medida é uma parceria da Federação com a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Comitê Olímpico Internacional (COI) com base no Acordo de Paris, e que pretende desenvolver ações climáticas, investimento em tecnologia e adesão às práticas sustentáveis na modalidade.
No ano passado, as fabricantes Mercedes, Honda, Ferrari e Renault receberam barris com os biocombustíveis propostos para serem testados.
Outras categorias do automobilismo já utilizavam carros com sistemas elétricos, como a Fórmula E, além da IndyCar, que já operava com o uso de etanol e também adotará sistemas híbridos a partir de 2023.
Neste cenário de mudanças, a Honda decidiu abandonar a fabricação de motores para a Fórmula 1 em 2022 para se dedicar exclusivamente à produção de tecnologias limpas, sem emissão de carbono.
Em 2011, a McLaren iniciou o processo de neutralização das emissões de carbono. Já em 2020, foi a vez da Mercedes formalizar a decisão.