A newsletter diálogos da transição volta dia 27 de janeiro, com a nossa cobertura sobre clima e transição energética direto no seu e-mail.
BRASÍLIA – Imagine um futuro em que fontes renováveis, tecnologias de captura e armazenamento de carbono (CCS), hidrogênio, bioeconomia e minerais estratégicos têm suas cadeias fortalecidas, permitindo ao Brasil reduzir sua dependência externa e distribuir melhor suas riquezas.
Ou um outro em que a corrida pela descarbonização no transporte e indústria é beneficiada pela significativa redução de custos das tecnologias de baixo carbono, mas pressões externas levaram à adoção de tecnologias que não necessariamente refletem a realidade nacional.
Ou ainda: apesar da maior mobilização e coordenação de alguns setores, o Brasil não consegue alcançar o seu compromisso de neutralidade climática em 2050 e o sistema energético foi incapaz de provocar mudanças estruturais rumo a uma economia de baixo carbono.
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e o Ministério de Minas e Energia (MME) fizeram esse exercício em um caderno (.pdf) com cenários para o planejamento da transição brasileira nos próximos 30 anos, no Plano Nacional de Energia (PNE) 2055.
No melhor dos mundos, uma transição justa e inclusiva levaria o Brasil a alcançar a neutralidade climática antes mesmo de 2050, com metas graduais e ambiciosas de redução de emissões.
No pior, a reatividade da regulação para tecnologias de baixo carbono, a lentidão da inserção de tecnologias digitais e a baixa coordenação de políticas para a transição impedem avanços nos 3Ds – descentralização, digitalização e descarbonização – com consequências negativas para o clima, a economia e a sociedade.
Para chegar a essas projeções, o documento publicado na segunda (6/1) considerou, por exemplo, que economias emergentes como o Brasil têm apresentado demandas crescentes por serviços energéticos, dada a expansão das atividades industriais, aumento populacional e melhoria nos padrões de vida.
A expectativa é que a demanda de energia dobre, enquanto a de eletricidade triplique até 2050 no Brasil. Para atender esse consumo cada vez maior, será preciso um ambiente político e econômico atrativo para investimentos.
O país já lidera, entre os emergentes (fora China) a atração de capital. Em 2023, US$ 27 bilhões dos US$ 116 bilhões destinados a projetos renováveis em 110 países de renda média e baixa vieram para o Brasil, de acordo com a BloombergNEF.
Disputa verde
Também entram em cena questões como disputas tecnológicas e a corrida por minerais críticos. Hoje, essas áreas são dominadas pela China, que concentra cerca de 60% da capacidade global de fabricação de eletrolisadores para produção de hidrogênio e 50-70% do refino de lítio e cobalto para veículos elétricos e baterias.
Assim como as influências de disputas pelo mercado de novas indústrias como a de hidrogênio, CCS e combustíveis sustentáveis para aviação e navegação, que nos Estados Unidos e Europa se materializam na forma de pacotes de subsídios com a Lei de Redução da Inflação e o REPowerEU, respectivamente.
Aqui no Brasil, esses segmentos estão no radar político, com a bioenergia consolidando cada vez mais espaço. A aprovação de Combustível do Futuro é um exemplo disso. Mas a análise do PNE 2055 destaca que é preciso uma profunda integração entre as políticas relacionadas ao desenvolvimento sustentável, sob o risco de o país desperdiçar seus recursos e oportunidades.
A seguir, um panorama dos cinco cenários desenhados pela EPE.
Coerência entre ação e ambição
No cenário mais otimista, chamado Transição pra todos, o estudo considera o fortalecimento da governança que vem sendo construída pelo governo brasileiro ao presidir grandes fóruns internacionais como o G20 em 2024, e Brics e COP30 agora em 2025.
Essa governança combinada a ambições de neutralidade climática compatíveis com o que pede o Acordo de Paris e a intensificação de eventos climáticos extremos se refletiria em uma estratégia clara de desenvolvimento sustentável.
A projeção também considera uma sociedade mais consciente, crítica e participativa.
Tudo isso dentro do caldeirão, o resultado seria a neutralidade climática antes de 2050, com o fortalecimento de cadeias produtivas relevantes para a transição energética – renováveis, CCS, biocombustíveis e minerais críticos –, direcionamento dos investimentos para esses setores e a oferta doméstica de óleo e gás alcançando pico em 2030.
Transição seletiva
Uma segunda forma de enxergar o futuro é a partir de decisões políticas que intensificariam subsídios para tecnologias que já se mostram maduras e competitivas, mantendo distorções que aumentam os custos para o consumidor.
O resultado: a desigualdade no consumo de energia elétrica entre diferentes classes de renda e regiões do país permanece.
Neste cenário, chamado Transição pra quem?, há também uma provocação sobre as escolhas que o país fará nos próximos anos.
Apesar da queda nos custos das tecnologias de baixo carbono beneficiarem indústria e transportes, o estudo indica riscos caso o país ceda à pressão internacional para adoção de tecnologias como a eletrificação, deixando de aproveitar o potencial da sua bioenergia.
“Estes fatores criaram um ambiente mais propício para o desenvolvimento e difusão de novas tecnologias, apoiada por subsídios, que ocorreu com aproveitamento parcial dos recursos energéticos locais, mas comprometida ao cumprimento da neutralidade climática. A biomassa associada à captura e armazenamento de carbono (BECCS) como estratégia de alcance de emissões negativas no setor energético desenvolveu-se apenas parcialmente, por exemplo”, projeta a EPE.
Mesmo não conseguindo mobilizar mudanças estruturais na sua economia, o país alcançaria a neutralidade climática até 2050.
A passos lentos
Na Transição desperdiçada, Brasil caminha lentamente em direção ao desenvolvimento sustentável, pela falta de coordenação política.
Setores como o dos biocombustíveis alcançam bons resultados por já estarem consolidados, mas outras indústrias de baixo carbono ainda nascentes sofrem com financiamento insuficiente e inadequado e a regulação foi reativa.
Com isso, a descarbonização nos setores de difícil abatimento evoluiu lentamente e o país não alcança o compromisso de emissões líquidas nulas de gases de efeito estufa em 2050.
Quase parando
Se o Brasil não aproveitar a agenda climática e de transição energética como diferencial em sua estratégia de desenvolvimento, não avançará em cadeias relevantes e seguirá dependente de tecnologias importadas. Esta é a principal mensagem do cenário Transição pra quê?
Aqui, o país deixa de cumprir o Acordo de Paris por falta de “um consenso sociopolítico claro e pela forte presença de lobbies, especialmente no setor agropecuário e na indústria fóssil”.
Com arcabouço regulatório estagnado para novas tecnologias e custo de capital elevado, o financiamento para a transição energética se mostra insuficiente. Mas este ainda não é o pior cenário.
No fundo do poço
A Transição bloqueada é o último e pior dos cenários em diferentes sentidos. Ruim para o clima, para a economia e para a sociedade.
Nele, o país perde o momento de efervescência das preocupações globais com o clima, em meio às crescentes crises causadas pela elevação da temperatura do planeta – 2024 é apontado pelos cientistas como o ano mais quente da história – e fica para trás na corrida para a descarbonização.
“A atuação não coordenada e de disputa entre os países dificultou a expansão das cadeias de suprimento levando a um processo duradouro de inflação provocado pelo aumento de preços de produtos e serviços relacionados à transição energética, com efeitos retardatários para o desenvolvimento de economias de baixo carbono”, aponta a EPE.
Neste futuro, a ausência de avanços no mercado de carbono regulado e de mecanismos de financiamento para inovação em energia também dificultaram a transição brasileira para uma economia de baixo carbono e o país não cumpre seus compromissos climáticos, nem promove mudanças significativas na sua economia.