Casa Branca entra em choque com defesa da taxação de carbono na Europa

A taxação das empresas de tecnologia é a mais recente frente de disputas comerciais aberta pelos EUA

Casa Branca entra em choque com defesa da taxação de carbono na Europa

Essa newsletter é enviada primeiro
aos assinantes, por e-mail.
Assine gratuitamente

Diálogos da Transição

apresentada por

Quem faz
Felipe Maciel, Guilherme Serodio e Larissa Fafá
Editada por Gustavo Gaudarde
[email protected]

Casa Branca entra em choque com defesa da taxação de carbono na Europa

O secretário de Comércio dos EUA, Wilbur Ross, deixou Davos, na semana passada, ameaçando retaliar a União Europeia, em caso de imposição de um imposto sobre importações baseado em emissões de carbono – uma prioridade anunciada por Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia.

“Dependendo da forma que o imposto sobre o carbono assumir, reagiremos. Se for essencialmente protecionista, como os impostos [sobre serviços] digitais, reagiremos”, afirmou Wilbur Ross, ao Financial Times.

A taxação das empresas de tecnologia é a mais recente frente de disputas comerciais aberta pelos EUA. O governo Trump ameaça retaliar a criação de impostos, que afetem suas empresas, prejudicando produtores europeus que exportam para os EUA – é o caso da França, que se viu obrigada a adiar a cobrança sobre serviços digitais, criada em 2019.

Apesar da reação, o alvo é a China. O claro recado de Ursula von der Leyen é que a União Europeia não está disposta a continuar importando uma produção chinesa com alta emissão de carbono, enquanto impõe restrições à sua própria indústria.

Cético em relação aos efeitos das mudanças climáticas, Trump quer deixar o Acordo de Paris e suas políticas climáticas projetam uma estagnação na redução de emissões (em inglês), segundo o Climate Action Tracker, mais uma organização que afirma que o mundo está fora da rota necessária para manter o aumento da temperatura global na faixa de 1,5ºC–2ºC.

O alvo preferido também é a China, o que faz com o presidente americano e Ursula von der Leyen cheguem a conclusões parecidas, ainda que por vias tortas, mas longe de uma solução em comum. O Fórum Econômico Mundial serviu para reforçar a rejeição da Casa Branca a quaisquer planos de taxar emissões.

“Se vocês querem taxar as pessoas, vão em frente e coloquem impostos sobre carbono. Essa é uma taxa sobre as pessoas que trabalham duro”, afirmou o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, em debate com Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, em Davos.

Lagarde defendeu que os modelos financeiros precisam considerar o custo de emissões, no longo prazo. “Se conseguirmos impulsionar as empresas à, de fato, anteciparem a transição, precificando isso e garantindo que elas mudem para usos de energia cada vez mais limpos, é uma ajuda”.

Para Mnuchin, não é possível fazer essa conta, e tentar implicará em aumento de custos, enquanto a tendência é que avanços tecnológicos tornem a transição mais barata.

Aliás, o FMI, comandado por Christine Lagarde até meados de 2019, entende que um imposto de US$ 75 por tonelada de carbono em 2030 é a uma medida essencial para conter o aquecimento em 2ºC.

PUBLICIDADE

Mas não custa lembrar que os republicanos têm um plano para taxar emissões…

Há décadas, políticos americanos resistem às políticas ambientais impopulares entre os trabalhadores de indústrias poluidoras – no caso americano, o melhor exemplo é a de carvão, plataforma eleitoral de Trump.

Mas desde eleito, ele ignora apelos de forças do seu próprio partido, que defendem uma solução com “neutralidade fiscal”: taxar emissões e redistribuir a arrecadação entre todos os americanos, em um modelo de dividendos de carbono.

O plano foi escrito por ex-membros do alto escalão de governos republicanos, de Reagan a George W. Bush, e têm o apoio de grandes empresas, incluindo majors do setor de petróleo, organizadas no Climate Leadership Council. Foi apresentado em 2017, mas tem sido insuficiente para mobilizar os republicanos da era Trump. São quatro pilares:

  • Cobrança US$ 40 por tonelada de carbono, em valores de 2017, com reajuste real de 5% a cada ano;
  • Transferência direta da arrecadação para os americanos. Estima que uma família de quatro pessoas receberia US$ 2 mil no primeiro ano, superando o aumento no custo da energia;
  • Simplificação regulatória, substituindo outras políticas para manter o fortalecimento da regra de taxação;
  • Aplicação aduaneira para países que implementem medidas similares – exportações intensivas em emissões pagam a taxa no destino e importações com alta pegada de carbono, nos EUA.

E há 10 anos, fracassava nas mãos do partido Democrata a tentativa de estabelecer um mercado de carbono nos EUA. Em julho de 2009, o país discutia a inclusão de um mecanismo de cap and trade para emissões no projeto de lei Waxman-Markey, o American Clean Energy and Security Act, um marco regulatório para a transição energética.

Richard Sandor (Bloomberg, em inglês), então presidente da Climate Exchange PLC, operadora das primeiras bolsas de valores americanas, baseadas no comércio voluntário de carbono, elogiou a iniciativa.

“O projeto é um ótimo começo (…) Aborda o fato que os nossos membros serão recompensados pela atuação antecipada, tanto pelas compensações [de emissões], como por meio de créditos [de carbono]”, afirma Sandor, confiante na incorporação, pela legislação ambiental, dos esforços feitos pelo mercado, antes de qualquer obrigação legal.

Um ano depois, a bolsa londrina ICE concluiu a compra dos negócios de Sandors por US$ 600 milhões, absorvendo a bem-sucedida divisão europeia e encerrando, por inanição (Reuters, em inglês), as atividades em Chicago.

American Clean Energy and Security Act quase não passou na Câmara dos Deputados e nunca chegou ao Senado dos EUA, casas legislativas sob controle dos democratas, graças aos assentos conquistados durante a campanha para eleição de Barack Obama, em 2008.

A meta estabelecida no projeto de 2009 era reduzir as emissões de GEE nos EUA em 17% até 2020, subindo para 42% em 2030 e chegando a 83% em 2050, com base nos valores de 2005. O inventário oficial de emissões (em inglês) mais recentes da agência ambiental americana EPA calcula a redução líquida em 13% em 2017, primeiro ano de governo Trump…

… Ainda sob efeito do Climate Action Plan (em inglês), lançado por Obama, em 2013, mas dessa vez, sem passar pelo Congresso. Como era iniciativa do Executivo, foi um dos programas revogados por Donald Trump, assim que o republicano assumiu a Casa Branca.

E Sandor? Aos 79 anos, está na ativa. É CEO da American Financial Exchange, de operações interbancárias e, atualmente, tenta convencer os banqueiros americanos a abandonar o uso da Libor como taxa de referência.

Curtas

Brasil e Estados Unidos devem estreitar a cooperação no setor nuclear. Em fevereiro, o secretário de Energia dos Estados Unidos, Dan Brouillette, vai ao Rio de Janeiro para a primeira reunião ministerial do Fórum de Energia Brasil-Estados Unidos (USBEF)…

…Em epbr, Brasil e EUA tentam reanimar setor nuclear com cooperação e busca ao setor privado

Davos serviu também para reforçar que a má condução brasileira de políticas ambientais, com as que levaram a intensificação do desmatamento da Amazônia, pesará nas contas do país…

… O BR Político (Estadão) destacou esta semana que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tem alertado para a questão e tenta sensibilizar o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, da importância econômica do estabelecimento de uma governança ambiental.

Acordos assinados entre Brasil e Índia visam ampliar o intercâmbio nos setores de energia e, com a aproximação dos governos Bolsonaro e Modi, quem sabe, chegar uma solução amigável para disputa envolvendo a produção de açúcar na OMC…

… Onde o Brasil questiona subsídios dados pelo governo indiano, alegando que distorcem a oferta do produto e os preços do mercado internacional. Por aqui, o que se espera é o desenvolvimento do etanol na Índia – a colaboração começa com apoio técnico brasileiro, mirando o crescimento futuro do mercado. Mais: Mercado de gás e GNL na agenda bilateral do Brasil na Índia

Em tempo, o ministro Bento Albuquerque, defendeu que “a Índia possui a maior indústria de açúcar do mundo. Proponho que unamos nossos esforços para tornar o etanol uma commodity global”, afirmou em evento para executivos e políticos em Nova Délhi

…Lembrou o Lula, em 2007: “com relação ao álcool se transformar em commodity, eu acho que é uma questão irreversível. Nós temos de ter mais responsabilidade, porque nós temos que, não só oferecer o álcool, mas garantir o suprimento do mercado brasileiro e do mercado internacional”. O Globo

E a EPE aprofundou os estudos iniciados em 2018 sobre a geração de energia eólica offshore no Brasil. O documento (.pdf) lançado semana passada, mapeia tanto o potencial de energia em cada região do país, velocidade dos ventos e profundidade, quanto aspectos logísticos, legais e regulatórios.

[sc name=”news-transicao”]