Energia

Subida da Serra é gasoduto de distribuição vital para a competitividade do gás natural no Brasil

Seria um tiro no pé tratar de forma discriminatória um gasoduto de distribuição, sobretudo em um país que precisa de gás mais competitivo para a industrialização, escreve Augusto Salomon

Foto: Abegas/Divulgação
Foto: Abegas/Divulgação

A abertura do mercado brasileiro de gás tem feito bem ao país. Em maio, durante evento acompanhado pela agência epbr, o próprio diretor de Transição Energética e Sustentabilidade da Petrobras, Maurício Tolmasquim, afirmou que a nova política de preços do gás natural da companhia é uma resposta ao aumento da competição no mercado nacional, sobretudo com terminais privados de importação de gás natural liquefeito (GNL).

A entrada de novos ofertantes no mercado, portanto, já vem produzindo efeitos que poderão ser positivos para o Brasil, como temos visto no Nordeste e mais recentemente em São Paulo, inclusive com a assinatura histórica de contratos de empresas ceramistas que passam a migrar para o mercado livre de gás – e que naturalmente seguem atendidas pelas redes de distribuição.

Faz parte desse contexto, de um mercado de gás mais competitivo, o Reforço Metropolitano ou Subida da Serra.

O gasoduto de distribuição é um ativo do estado de São Paulo vinculado aos termos do Contrato de Concessão firmado com a concessionária local de serviços de gás canalizado, a Comgás.

A infraestrutura visa reforçar um gasoduto construído em 1993 entre os municípios de Cubatão e São Bernardo do Campo e ampliar a capacidade de distribuição da companhia, projetando a expectativa de crescimento do consumo de gás natural na área de concessão.

Um possível conflito regulatório, no entanto, ameaça esses objetivos.

O projeto representa um investimento de R$ 473 milhões (valores nominais), que, aliás, já vem sendo pago pelos usuários da concessionária há aproximadamente cinco anos.

Sua motivação, desde sempre, foi a garantia da ampliação da segurança no fornecimento a consumidores de todos os segmentos atendidos pela concessionária – industriais, residenciais, comerciais, automotivos, de cogeração e termelétricos.

Em todo o país e, particularmente, em São Paulo, a segurança de abastecimento energético é sempre um tema muito sensível.

E o Subida da Serra endereça essa preocupação: na Baixada Santista, por exemplo, o gasoduto aumenta a capacidade de manter a continuidade de abastecimento de 8 minutos para mais de três horas, ou seja, na hipótese de falha na entrega do gás ao sistema de distribuição, a concessionária passará a ter muito mais tempo para interagir com os clientes e supridores e mitigar riscos de suprimento em um dos grandes polos industriais do país.

Controvérsia regulatória e suas implicações no setor de distribuição

O ponto de partida para a controvérsia surgiu a partir de questionamentos feitos a posteriori por alguns segmentos – já fora do rito regulatório e do processo de debate público e muito tempo depois da aprovação do gasoduto pelas autoridades competentes – sobre qual seria a classificação do gasoduto:

Se de distribuição (nesse caso, sob a regulação estadual – da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo, a Arsesp) ou se de transporte (nesse caso, sob regulação federal – da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, a ANP).

Tudo teve início com uma narrativa equivocada promovida pela Associação de Empresas de Transporte de Gás Natural por Gasoduto (ATGás), segundo a qual o referido gasoduto estaria a montante do city-gate e que, por isso, seria um “gasoduto de transporte”.

Em uma análise inicial, certamente ainda sem ter todas as informações, a ANP acabou acolhendo essa tese, e, mais tarde, reconsiderou sua decisão, decidindo iniciar um processo de entendimento com a Arsesp que culminou com a consulta pública 10/2023.

Então, é bom esclarecer.

Primeiramente, é importante situar o projeto: o gasoduto é uma rede integrada ao sistema de distribuição de gás que movimentará gás desde os pontos de recebimento de gás (city-gate) até os usuários da própria concessionária.

Tampouco se conectará diretamente aos polos de processamento, tendo seu início somente após o ponto de entrega em questão (Cubatão II), o que demonstra que o ativo está completamente dentro da jurisdição estadual, e não da União.

Logo, analisando-se a questão a partir de uma perspectiva jurídica, não haveria qualquer propósito em classificar o Subida da Serra como gasoduto de transporte, uma vez que a Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu artigo 25, inciso II, que os estados são os poderes concedentes para o serviço de distribuição de gás canalizado e, portanto, possuem autoridade expressa pela Constituição para criar arcabouço regulatório e normas para a prestação do serviço.

Esse entendimento reforça as políticas federais que incentivam as concessionárias de gás canalizado a buscar a distribuição de gás de diferentes fontes, fomentando um ambiente competitivo de molécula em benefício dos usuários.

“Pedágio de transporte” compromete gás competitivo em SP

Além disso, no estado de São Paulo, o usuário industrial de gás pode adquirir gás de qualquer supridor que melhor lhe atenda através do mercado livre. E, ao contrário do que alegam alguns opositores do projeto, não existe a possibilidade de haver um aumento de custos aos demais consumidores conectados à malha de transporte de gás nacional.

As transportadoras de gás têm direito a uma receita máxima permitida, não a uma receita máxima garantida em ativos que já foram amortizados ou em estágio avançado de depreciação.

Vale apontar ainda que Nova Lei do Gás (Lei nº 14.134/2021) ressalva no inciso I de seu art. 7º [o que estabelece alguns critérios para classificação de gasoduto de transporte] a segurança dos investimentos realizados até 8 de abril de 2021, data da sanção da lei.

Adicionalmente, a ausência de identidade do projeto com qualquer uma das hipóteses de classificação de um gasoduto como de transporte ressalta a finalidade de distribuição do Subida da Serra, que apresenta semelhanças com outros 2.000 quilômetros de gasodutos de alta pressão já existentes em São Paulo.

Por fim, para projetos futuros, é mais do que salutar que a ANP possa regulamentar o artigo 7 da Lei nº 14.134/2021 com as definições de pressão, diâmetro e comprimento, uma vez que o workshop realizado ano passado para tal assunto ainda não teve desdobramentos como a abertura de consulta pública, por exemplo.

De mais a mais, não há nenhuma regra que respalde a cobrança desse verdadeiro pedágio de transporte à população ao estado de São Paulo.

Brasil afora, existem diversos casos de projetos de terminais de GNL e de produção de gás onshore e offshore (dois no Rio de Janeiro e outros nos estados de Sergipe, Maranhão, Amazonas e, mais recentemente, no Pará) que não passam pela malha das transportadoras e que, por isso mesmo, não pagam tarifa de transporte.

São justamente as usinas termoelétricas – responsáveis, aliás, pela maior parte do consumo de mais de 40 milhões de metros cúbicos/dia, o que equivale à metade de todo o consumo nacional de gás natural – que não pagam tarifa de transporte.

A tese de players vinculados ao setor elétrico sobre o alegado benefício da malha integrada, portanto, perde força, quando deixam esse tema do consumo de gás pelas térmicas sem pagar tarifa de transporte fora do holofote.

Ou seja, atribuir ao gasoduto de distribuição Subida da Serra uma suposta responsabilidade para o aumento das já exageradas tarifas de transporte no Brasil é, no mínimo, uma extravagância, sem qualquer sentido lógico.

Por que impor ao consumidor paulista esse ônus adicional em clara afronta ao princípio da isonomia?

É até estranho que institutos criados com a missão de produzir conhecimento para trazer luz ao debate – e até algumas parcelas de outros elos da cadeia – queiram barrar um projeto que definitivamente é bom para os consumidores do estado de São Paulo, uma vez que amplia a segurança de abastecimento e a possibilidade de aquisição de gás de diferentes fontes, e igualmente bom para o Brasil, porque dá um sinal positivo para investimentos em infraestrutura.

Seria muito mais desejável se produtores e transportadores de gás estimulassem o setor com o anúncio de novos investimentos – uma promessa não cumprida, até aqui, depois de três anos de sanção da Nova Lei do Gás. Isso, sim, seria decisivo para promover a integração da malha de transporte.

Também seria oportuno abrir um debate saudável sobre contratos legados que cobram elevadas tarifas de transporte do consumidor do Sudeste, criando travas inaceitáveis para a competitividade do gás natural e o processo de industrialização tão desejado por todos os agentes.

Isso posto, é fundamental que o resultado de todo o processo do gasoduto de distribuição Subida da Serra seja uma boa deliberação, culminando com o esforço de harmonização que envolve União e estados – e, nesse caso específico, entre as já citadas Arsesp e ANP.

Isso será importante para garantir a segurança jurídica e facilitar o desenvolvimento do mercado de gás no Brasil. Já a falta de alinhamento entre os entes federativos e as agências reguladoras poderia gerar incertezas e conflitos que impeçam a execução de projetos, além de elevar o indesejado índice de judicialização do setor.

Assim sendo, cobrar uma tarifa de transporte sobre um gás que não é movimentado por duto de transporte seria um contrassenso, que só serviria para endossar a máxima de Millôr Fernandes (“No Brasil, até o passado é incerto”) e pior: deixaria o gás mais caro.

Isso seria um tiro no pé da competitividade do país, justamente em um momento em que o Ministério de Minas e Energia (MME) e Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) buscam medidas para deixar o gás mais competitivo no Brasil.

Augusto Salomon é presidente executivo da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás).