Gas Week

Os três anos e os rumos da Nova Lei do Gás

Governo sinaliza enforcement na regulação da ANP para destravar agenda regulatória

Rumos da Nova Lei do Gás que chega aos três anos como obra inacabada pelo atraso da agenda da ANP. Na imagem: Dutos da Unidade de processamento de gás natural (UPGN) de Guamaré/RN (Foto: Giovanni Sérgio/Agência Petrobras)
Dutos da Unidade de processamento de gás natural (UPGN) de Guamaré/RN (Foto: Giovanni Sérgio/Agência Petrobras)

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Logos da Petrobras e do Governo Federal

Editada por André Ramalho
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PIPELINE Nova Lei do Gás chega aos três anos como obra inacabada pelo atraso da agenda da ANP. Governo sinaliza enforcement na regulação e continuidade do desenho de mercado previsto na lei.

Gás natural e biometano entram no regime específico dos combustíveis na reforma tributária. Distribuidoras abrem chamada pública para viabilizar Brasil Central. Blueshift e UTE Trombudo assinam com SCGás 1º contrato no mercado livre de SC. ANP se prepara para CCUS e mais. Confira:

A CRISE DOS TRÊS

A Nova Lei do Gás (14.134/2021) completou apenas três anos este mês e já convive com sua primeira crise existencial.

O setor, inegavelmente, já não é o mesmo desde que o marco legal foi revisto em 2021, e apostou num novo desenho de mercado – mais aberto, diverso e com maior liquidez.

Era uma resposta à redução da participação da Petrobras no mercado – movimento iniciado no governo Michel Temer (MDB) e consolidado com Jair Bolsonaro (PL).

A percepção no setor, hoje, é de que a abertura estacionou, após uma primeira onda – e que, para que a diversificação da indústria se consolide e o gás no Brasil de fato ganhe a competitividade desejada, é preciso mais.

É nessas horas que surge o risco de que todo o modelo desenhado pela Nova Lei do Gás seja desacreditado – e descontinuado.

A Petrobras, sob a gestão de Jean Paul Prates, sinaliza desde 2023 para o desejo de aumentar seu protagonismo: reviu condições comerciais e fala em retomar market share; interrompeu a venda de ativos; e após críticas públicas ao modelo de desverticalização presente na lei, a estatal renegocia, inclusive, os compromissos assumidos em 2019 com o Cade para abertura do mercado.

Mas nesse debate sobre a nova política do gás, nos fóruns do Gás para Empregar, surge também a oportunidade de redobrar a aposta na abertura.

Do governo federal, surgiram nas últimas semanas algumas sinalizações a favor de se acelerar as pendências da regulamentação do marco legal – uma agenda regulatória extensa nas mãos da ANP.

Vida longa (ou sobrevida?) à Nova Lei do Gás?

ENFORCEMENT NA ANP

Relator da Lei do Gás na Câmara dos Deputados, em 2021, o atual senador Laércio Oliveira (PP/SE) é um defensor do marco legal e tem feito críticas recorrentes à posição da Petrobras no mercado de gás – em especial a flexibilização do TCC com o Cade.

“Isso parece um contrassenso, já que a ação do Cade foi justamente para reduzir a participação da Petrobras nos mercados em que atua, retirar o seu poder de controle de preços, estimular a livre concorrência e evitar o abuso de posição dominante”, discursou, em audiência pública no Senado no dia 16.

➡️ Assista também ao discurso de Laércio Oliveira na gas week, na íntegra.

A Petrobras rebate. O gerente-executivo de Gás e Energia da companhia, Álvaro Tupiassu, destacou, na mesma audiência, que já houve uma evolução da abertura do mercado: a participação da empresa no volume contratado pelas distribuidoras caiu de praticamente 100% para 73%.

E que o TCC com o Cade não se resume apenas aos desinvestimentos no transporte, mas também “compromissos comportamentais” que vem sendo respeitados: a empresa abriu para terceiros os sistemas de escoamento e processamento; e já deixou de comprar de terceiros, na boca do poço, mais de 10 milhões de m3/dia.

No governo, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, já travou queda de braço pública com Prates sobre a questão da reinjeção de gás no pré-sal e preços da molécula, em 2023. Dentro das diferentes pastas envolvidas na discussão do Gás para Empregar, nos bastidores do governo, há um entendimento de que é preciso preservar o modelo desenhado na Lei do Gás.

Ao participar da gas week 2024, o diretor do Departamento de Gás Natural do Ministério de Minas e Energia, Marcello Weydt, destacou que a lei 14.134 traz o “caminho certeiro” para o mercado de gás no Brasil e que não vê necessidade de mudança legal.

Dado o protagonismo conferido à ANP pela lei, segundo ele, as discussões no Gás para Empregar se debruçaram, portanto, sobre como destravar a agenda regulatória da agência, por meio, inclusive, de regras de transição – recurso previsto na Resolução 3/2022, do CNPE.

“Então o grupo se juntou no sentido de somar esforços para cada vez mais acelerar esse processo de abertura com muita responsabilidade, com muita previsibilidade”, comentou.

➡️ Assista ao painel ‘Os desafios para o mercado de gás no país’, na gas week

CHECKLIST

A diretora da ANP, Symone Araújo, acredita que o dinamismo da abertura do mercado no Nordeste mostra que os fundamentos da reforma do setor funcionam. E destaca que a “agência é consciente” sobre sua responsabilidade na execução da agenda regulatória.

De concreto, até agora, houve avanços na simplificação da contratação de capacidade de transporte; e na definição das novas regras para distribuição de GNL e GNC a granel (em vias de serem publicadas).

A também diretora da ANP, Patrícia Baran, ao elencar as prioridades para 2024, citou a regulamentação do acesso não discriminatório e negociado de terceiros às infraestruturas essenciais; a revisão dos critérios para cálculo das tarifas e receitas dos transportadores; e a definição dos critérios para classificação dos gasodutos de transporte.

Mas a agenda ainda tem muitos pontos derivados da Lei do Gás em aberto:

  • Revisão das regras para nominação de áreas para licitação, dada a lacuna regulatória associada à estocagem subterrânea de gás;
  • Regulamentação da interconexão e interoperabilidade de gasodutos de transporte;
  • Revisão da resolução sobre ampliação de gasodutos de transporte;
  • Regulamentação da autonomia e independência dos transportadores:
  • Revisão das resoluções sobre comercialização e carregamento;
  • Definição das diretrizes dos códigos comuns de acesso ao sistema de transporte;
  • Revisão da resolução sobre o serviço de transporte;
  • Revisão da regulamentação da autorização de instalações de movimentação;
  • Análise de Impacto Regulatório para eventual programa de gas release;
  • e regulamentação para autorização da importação e exportação de gás.

OS NÚMEROS DA ABERTURA

Em que pese as críticas ao ritmo da regulamentação da lei, é preciso reconhecer que a abertura do mercado, de fato, andou.

Muito como resposta não à legislação em si, mas ao termo de cessação de conduta (TCC) assinado pela Petrobras com o Cade em 2019, antes mesmo da revisão do marco legal.

Alguns números da ANP ajudam a ilustrar:

  • o número de carregadores ativos no sistema de transporte subiu de 5 em 2021 para 28 no ano passado;
  • os contratos de comercialização subiram de 166 para 458, sendo ⅔ desse número sem a presença da Petrobras;
  • no Nordeste, a economia para consumidores, com a entrada de novos fornecedores, com preços mais competitivos que os da Petrobras, foi de cerca de R$ 2 bilhões entre 2022-2023.

A Nova Lei do Gás, embora elogiada pelas transportadoras, por trazer mais segurança jurídica para investimentos no setor, ainda não foi o suficiente para ampliar a malha de gasodutos do país.

Nos últimos três anos, a malha ganhou alguns projetos pontuais: o Gasig, de 11 km no RJ (NTS) e o Gasfor II, de 83 km no CE (TAG), além do reforço da capacidade do trecho Sul do Gasbol (TBG) e conexões dos terminais de GNL de Sergipe (TAG) e Santa Catarina (TBG).

ATGás, contudo, destaca que há muito investimento por vir. Este mês, as transportadoras apresentaram à ANP um plano coordenado de desenvolvimento do sistema que prevê mais de R$ 30 bilhões até 2033.

VEM GAS RELEASE?

Dentro do enforcement na ANP, ainda resta saber como o governo espera tratar o gas release.

O diretor do Departamento de Infraestrutura e Melhoria do Ambiente de Negócios do MDIC, Alexandre Messa, afirmou, na gas week 2024, que o programa de desconcentração regulada do mercado de gás vem sendo tratado como proposta complementar no Gás para Empregar.

“A gente espera que esse tema avance rapidamente, porque a gente vê que é uma condição necessária para o avanço da concorrência nesse mercado, para um mercado competitivo”, disse.

Na atual agenda regulatória da ANP, a avaliação de proposta de programa gas release está prevista para ser concluída no fim de 2026.

Symone Araújo comentou, também na gas week 2024, que a competência atribuída pela Nova Lei do Gás para medidas de desconcentração de oferta poderá contribuir para disseminar a diversificação da oferta para o mercado brasileiro como um todo.

“No momento em que a gente endereça a atenção ao gas release, a gente vai poder, de maneira efetiva, cuidar para que a gente possa trazer essa experiência [de abertura] que hoje está nucleada no Nordeste para o resto do Brasil, de forma que a gente possa efetivamente contribuir com os incentivos regulatórios adequados com a efetiva diversidade e oferecer, ao final, um preço que seja suficientemente competitivo”, disse.

O gas release é uma das bandeiras dos clientes industriais. O presidente da Abrace, Paulo Pedrosa, propõe também a criação de leilões de gás, tendo como inspiração o setor elétrico.

“Talvez esse seja um grande papel de política pública, que não vai se chocar com o princípio da competição, mas de organizar o mercado… Leilões de gás que ajudem a revelar o preço e revelar a demanda”, completou.

➡️ Assista na íntegra ao painel ‘Os três anos da Nova Lei do Gás’ | gas week 2024

GÁS NA SEMANA

Gás na reforma tributária. Principal texto de regulamentação da reforma, enviado ao Congresso esta semana, insere o gás natural e o biometano no regime específico de tributação dos combustíveis: monofásico e com alíquotas uniformes em todo o Brasil. Proposta também zera a alíquota do imposto seletivo sobre o gás, se ele for usado como insumo industrial. Leia na epbr

– Mercado, contudo, ainda conviverá com um ambiente de insegurança jurídica até que a regulamentação da reforma seja concluída, disse o gerente Tributário da Eneva, Bernardo Valois na gas week. Relembre

Argentina pede gás. Petrobras assinou com a Enarsa um acordo não vinculante de 3 anos, para estudos de parcerias. Também prevê a coordenação entre as partes para garantir fornecimento à Argentina durante o inverno, em meio ao atraso no projeto de reversão do Gasoduto Norte. Petrobras diz que não haverá impacto no abastecimento nacional, nem custo adicional para ela.

Mercado livre em SC. Blueshift e a SPE Beta Produtora de Energia – responsável pela construção da termelétrica Trombudo (28 MW) – assinaram com a SCGás o primeiro contrato no mercado livre no estado. Leia na epbr

Pente fino. Geraldo Alckmin (PSB) afirmou na segunda (22/4) que não existe uma “bala de prata” para baratear o gás no Brasil. E defendeu que é preciso “passar um pente fino” no preço da molécula, para ver onde é possível reduzir os custos e, assim, torná-la mais competitiva. Na epbr

– A equipe econômica da Fazenda, comandada por Fernando Haddad, sinaliza que tem como uma das prioridades a correção de assimetrias no acesso de novos entrantes ao mercado de gás. Na gas week 2024

Brasil Central. Distribuidoras de MG (Gasmig), GO (Goiasgás) e DF (Cebgas) lançaram chamada pública conjunta para aquisição de gás natural. O objetivo é viabilizar a construção do gasoduto Brasil Central. Na epbr.

ANP aprova tarifa da NTS. Diretoria da agência deu aval para a proposta tarifária apresentada pela transportadora para 2024-2028, na oferta de capacidade existente firme. Foi adotado um desconto de 90% nas tarifas aplicáveis às interconexões entre transportadoras.

Desconto para estocagem. Em paralelo às negociações para formatação da JV com a Origem em estocagem, a TAG trabalha numa tarifa de transporte diferenciada para clientes do serviço de armazenamento. Leia na epbr

O gás da PPSA. Estatal espera aval do CNPE para começar a acessar escoamento e processamento e, assim, vender o gás da União para comercializadores. O acesso à malha de transporte, para venda da molécula a consumidores finais, no entanto, depende de mudança na lei. Entenda.

CCUS. ANP aprovou o relatório do marco regulatório da captura, armazenamento e utilização de carbono. Recomenda a adoção de regulação experimental por projeto-piloto nas primeiras iniciativas; sugere a capacitação do corpo técnico e avaliação sobre revisão de sua estrutura organizacional.

– EPE estima que Brasil tem potencial para receber investimentos anuais da ordem de R$ 2 bilhões até 2050, em projetos de CCUS. Leia na epbr

Equinor, Eneva, Vale e FS Bionergia aguardam a regulamentação da CCS, bem como a precificação de emissões para viabilizar projetos no Brasil.