Internacional

Setor de energia precisa de um 'Plano Marshall', defende ministra dos EUA

Discurso de Jennifer Granholm cobra direcionamento de mercados para transição energética — e mais óleo no curto prazo para se livrar de Putin

Energia precisa de um Plano Marshall pela segurança dos EUA e aliados, defende ministra
"A guerra de Putin impactou o mercado de energia de combustíveis fósseis que já estava assolado pelas restrições das cadeias de abastecimento por causa da covid-19", afirma Jennifer Granholm (IEA)

RIO — A ministra de Energia dos EUA, Jennifer Granholm, abriu o discurso na reunião extraordinária realizada nesta quarta (23/3) pela Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês) conclamando seus pares internacionais a promover um “esforço de guerra” para produzir mais óleo e ao mesmo tempo acelerar a transição energética.

“É um momento para nos questionarmos: neste momento de nossa história, qual vai ser nossa versão do Plano Marshall para energia limpa e segura para 2022 e além?”

O encontro foi convocado em meio ao choque político e econômico provocado na Europa, EUA e que se espalha ao redor do mundo após a invasão da Ucrânia pelas tropas de Vladimir Putin, que completa um mês, com a crescente morte de civis e devastação em cidades ucranianas pelos russos.

A mensagem é que o mundo, na visão do governo americano, precisa de mais óleo, o mais rápido possível para vencer a crise atual. E investir pesado, direcionando mercados e políticas para evitar que se repita.

“Esta transição de energia limpa pode ser o projeto de paz de nosso tempo. Mas a paz sempre vem depois da luta. Portanto, vamos dar a este projeto de paz o foco, o compromisso e os recursos de um esforço em tempo de guerra. Nosso Plano Marshall”, disse a ministra.

Não apenas na energia, mas também na mineração, outro mercado vital para a transição energética e altamente dependente das exportações russas.

“A guerra de Putin impactou o mercado de energia de combustíveis fósseis que já estava assolado pelas restrições das cadeias de abastecimento por causa da covid-19. Os picos de preços resultantes disso tiveram impacto sobre as pessoas em todos os nossos países”.

Com a guerra, o discurso de Jennifer Granholm teve mais ênfase na defesa nacional dos EUA e seus aliados do que em políticas energéticas.

“O que isso [a guerra] nos diz sobre nosso papel na criação de um futuro energético seguro, livre de estar sob o controle de Putin ou de qualquer país que seja adversário dos nossos interesses?”, questionou.

“O futuro da segurança energética, o futuro da segurança econômica, da segurança nacional, o futuro da segurança climática… Estes [objetivos] estão intrinsecamente ligados entre si. E todos eles estão exigindo uma transição acelerada”.

Mais petróleo, o mais rápido possível

Desde a escalada da crise, os EUA e parceiros ocidentais têm cobrado grandes produtores de petróleo. Contatos foram feitos com a Venezuela, do ditador Nicolás Maduro, há décadas sob embargos americanos.

“Queremos que a indústria [dos EUA] aumente a produção onde e quando puder, agora mesmo. A produção dos EUA está projetada para atingir um nível recorde este ano. Estamos exportando cada molécula de gás natural que pode ser liquefeita em terminais que existem”, disse.

Desde o ano passado, o governo de Joe Biden cobra da Opep+ o aumento das exportações de óleo. A maior fonte de suprimento é a Arábia Saudita, monarquia sob comando do príncipe herdeiro Mohammed Bin Salman.

Reflexo do peso que governos autocráticos têm sob a oferta global de óleo.

“Entretanto, sabemos que não podemos resolver estas interrupções de fornecimento por conta própria”, completou a ministra.

Em um esforço coordenado por meio da IEA, EUA e aliados decidiram pela liberação de 60 milhões de barris de reservas estratégicas; enquanto Biden impôs embargos a compra de petróleo e derivados da Rússia.

“Estamos prontos para tomar outras medidas, se necessário”, disse.

Apesar da geração de energia renovável registrar seu maior crescimento de todos os tempos, a recuperação da demanda em 2021 foi agravada por condições climáticas adversas e do mercado de energia — notadamente os picos nos preços do gás natural — que levaram à maior queima de carvão.

Não há alternativa fora acelerar a transição

“Nenhum país pode sequestrar o sol e o vento”, parafraseou Jennifer Granholm. A frase é do ministro de Energia da Irlanda, Eamon Ryan — país que aprovou em 2021 uma lei climática para incorporar as metas de neutralidade de carbono até 2050.

A independência energética deve vir, segundo Granholm, de investimentos e políticas estatais em energia, mineração e tecnologia coordenados entre países e o mercado.

“Ambas as crises precisam ser abordadas agora. Não é um ‘um ou outro’. É um ‘ambos, e’. Devemos ambos aumentar o fornecimento confiável agora mesmo e acelerar nossos esforços por energia limpa”, afirmou.

“Portanto, vamos começar agora. Vamos fazer de 2022 um ano de implementação”.

A própria IEA divulgou um plano em boa parte focado em acelerar o corte da demanda por óleo para o transporte individual, mudanças que precisam de coordenação entre governos locais, empresas e consumidores.

São dez pontos, segundo a IEA, capazes de reduzir a demanda global em 2,7 milhões de barris por dia e aliviar o choque de oferta e os impactos dos embargos à economia da Rússia no resto do mundo.

“É muito útil e vamos levar isso mais longe”, disse Granholm.

“Vamos aumentar enormemente os investimentos públicos e privados com grandes apostas inteligentes na implementação e implantação. Vamos direcionar as forças de mercado para fortalecer as comunidades que foram deixadas de lado e beneficiar a todos”.

“E vamos trabalhar com empresas petrolíferas para ajudá-las a diversificar suas carteiras de energia, com foco em tecnologias que exigirão as mesmas habilidades que os trabalhadores fósseis já possuem”, listou a ministra.

“A energia fóssil continuará a alimentar o mundo a curto prazo”.

Mineração para energias limpas

A Rússia é, historicamente, um dos maiores exportadores de matérias-primas do mundo.

São minerais fundamentais para sustentar o crescimento da capacidade global de baterias, painéis solares, soluções de eletrificação, por exemplo. O país é um grande produtor de cobre, níquel, paládio, alumínio e outras commodities metálicas.

“Temos que obter esses materiais de forma responsável, processá-los de forma sustentável e minimizar a pegada de carbono da fabricação em escala suficiente para atender à demanda”, disse Granholm no painel de ministros.

“Mesmo com nossa impaciência, mesmo com nossa determinação, vai levar algum tempo até vermos uma bomba de calor em cada casa, veículos elétricos povoando cada rua. Chamamos isso de transição de energia por uma razão”, reconheceu.

Pandemia provoca recorde de emissões

Diretor da IEA, Fatih Birol lamenta efeitos da dupla crise sobre as ambições climáticas (IEA)
Diretor da IEA, Fatih Birol lamenta efeitos da dupla crise sobre as ambições climáticas (IEA)

O diretor da IEA, Fatih Birol lamentou no evento que a “causa climática poderá ser outra vítima da agressão russa”

O cenário é desanimador, disse Birol.

As emissões globais de dióxido de carbono (CO2) relacionadas à energia aumentaram 6% em 2021 para 36,3 bilhões de toneladas e superou os níveis históricos.

O aumento veio na esteira da recuperação da economia mundial após a crise do covid-19, com os países dependendo do carvão — a fonte mais suja de energia — para impulsionar esse crescimento.

A análise mostra que o aumento nas emissões globais de CO2 de 2,1 bilhões de toneladas foi o maior da história em termos absolutos, mais do que compensando o declínio de 1,9 bilhão de toneladas induzido pela pandemia do ano anterior.