Congresso

Senador defende reforma em concessão de gás do Nordeste em meio a disputa por ações

Laércio Oliveira prega revisão do acordo de acionistas das concessionárias e reforça pressão contra nova investida da Mitsui no setor

Senador sergipano defende reforma em concessão de gás natural do Nordeste em meio a disputa da Mitsui por ações das distribuidoras. Na imagem: Senador Laércio Oliveira preside sessão da CAE, no Senado, para debater possíveis violações às determinações do Cade, em 28/11/2023 (Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado)
Laércio Oliveira preside sessão da CAE para debater possíveis violações às determinações do Cade (Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado)

RIO – O senador Laércio Oliveira (PP/SE) afirmou nesta terça (28/11) que o interesse da Mitsui de aumentar a sua participação em cinco distribuidoras de gás canalizado do Nordeste tende a reforçar a concentração do mercado de gás.

E saiu em defesa da revisão dos acordos de acionistas e dos contratos de concessão das concessionárias estaduais, em meio às mudanças societárias no setor.

O parlamentar sergipano convocou audiência pública, na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), do Senado Federal, para tratar do interesse da Mitsui nas distribuidoras nordestinas e sobre possíveis violações às determinações do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em relação à abertura do mercado de gás.

A pressão pública sobre a companhia japonesa se sucede ao movimento do governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT), de sancionar, na semana passada, uma lei que impõe limites à participação de capital estrangeiro em empresas públicas – e que, na prática, impede a Mitsui de comprar mais ações da Cegás.

Além disso, a nova legislação cearense abre espaço para a revisão do acordo de acionistas da Cegás, ao anular cláusulas que contrariem o “pleno exercício do poder de gestão pelo Estado nas instâncias deliberativas da empresa”.

Relembrando: a Compass tem acordo para venda de sua participação indireta (via Commit) na Algás (AL), Cegás (CE), Copergás (PE), Potigás (RN) e Sergás (SE), para a Infra Gás e Energia.

Acionista dessas distribuidoras, a Mitsui – assim como os estados – têm direito de preferência na aquisição desses ativos e pretende exercê-lo.

O grupo Infra SA, do Rio de Janeiro, com histórico em obras públicas, assinou o contrato para compra de fatias em cinco distribuidoras – mas pode não levar nada, de fato, se a Mitsui e os estados exercerem seus respectivos direitos de preferência nos ativos.

“Os acordos de acionistas, em si, não são um problema, mas foram construídos presumindo a existência de três sócios”, disse o sócio na Braga Lincoln Seixas Advogados, Roberto Lincoln Gomes Jr., representante da Infra Gás na audiência.

“Caso a Mitsui [exerça o direito de preferência e] fique com dois votos e os estados com somente [um], é uma privatização dessas CDLs [distribuidoras] sem pagamento de prêmio de controle”, criticou.

Contratos de concessão em xeque

Laércio Oliveira defendeu a necessidade de revisão de alguns pontos dos contratos de concessão das distribuidoras do Nordeste – que, em geral, seguem o modelo de regulação do tipo cost plus, dos anos 1990.

Nesse modelo, a remuneração incide sobre os custos operacionais gerenciáveis, sem que haja, necessariamente, controle do regulador para inibir ganhos excessivos da condição de monopolista da concessionária.

“Outro ponto que merece ser aqui tratado aqui são os contratos de concessão, que trazem condições totalmente desarrazoadas, sendo seguramente inibidoras da ampliação das redes de distribuição e fator de oneração das tarifas de distribuição – hoje já bastante elevadas”, comentou.

Também presente na audiência, o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Vidro (Abividro), Lucien Belmonte, reforçou o discurso pela revisão das taxas de retorno de 20% das concessões de gás do Nordeste.

“Essa é a nossa maior demanda daqui para frente: um regulação firme e transparente perante acionistas que aí restam [independente se o sócio for a Mitsui e/ou Infra Gás]”, disse.

Atual modelo de gestão é conflituoso

Oliveira criticou o atual modelo de gestão das distribuidoras da região e os acordos de acionistas que, na visão do senador, limitam o controle, de fato, dos estados sobre as empresas.

Ele citou ainda que, em alguns estados, a relação entre os governos estaduais e os sócios privados é “conflituosa” e já foi judicializada, como em Sergipe.

“Essa renúncia [do controle pelos estados] foi feita em uma circunstância que já não mais existe, sendo absolutamente questionável a transferência das prerrogativas dos estados para terceiros”, disse Oliveira, no discurso de abertura na audiência.

A fala foi uma referência ao fato de que, até o ano passado, o acordo de acionistas envolvia os estados, a Mitsui e a Gaspetro, controlada pela Petrobras, mas que foi privatizada após a venda do controle da companhia para a Compass.

“O modelo atual tem levado a diversos impasses na gestão das distribuidoras. O quorum nem sempre é alcançado, gerando frequentes embaraços para as administrações”, acrescentou.

Entenda

O atual modelo de governança das distribuidoras estaduais do Nordeste possui travas que impedem decisões sem que haja um consenso entre os sócios.

Hoje, a diretoria executiva dessas concessionárias é composta por três cadeiras: o Estado indica tradicionalmente o diretor-presidente; a Commit (antigamente era a Petrobras, via Gaspetro) indica o diretor técnico e comercial; e a Mitsui o diretor financeiro e administrativo.

Pelo estatuto social dessas companhias, em geral, as decisões devem ser aprovadas por unanimidade. E no rearranjo societário em curso, a Mitsui pode ter forças para conseguir emplacar duas cadeiras.

O aumento da participação da Mitsui nessas distribuidoras também tende a mexer na correlação de forças dos acionistas no conselho de administração das concessionárias.

Na Cegás e Copergás, por exemplo, o colegiado é formado por sete membros, quatro deles indicados pelo Estado; um pela Commit, um pela Mitsui e um representante dos empregados. Se Pernambuco não frear a investida da japonesa, como o governo cearense fez, a Mitsui pode ficar com dois assentos no CA – o que daria, na prática, à multinacional, um poder de veto nas discussões do conselho.