newsletter
Diálogos da Transição
eixos.com.br | 13/01/22
Apresentada por
Editada por Gustavo Gaudarde
[email protected]
O Ministério de Minas e Energia (MME) anunciou nesta quinta (13) a assinatura de um convênio com o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel) para estudar potenciais localizações das novas usinas nucleares brasileiras.
E completa: “como fonte de energia limpa e firme para a base das matrizes energéticas, a geração termonuclear vem ganhando cada vez mais espaço no mundo por conter o avanço do aquecimento global e seus impactos no meio ambiente”. É verdade.
Está claro desde o início do governo que o ministro Bento Albuquerque é um entusiasta da fonte.
Mas o avanço do planejamento para construção de novas usinas — no que pode ser o último ano do governo Bolsonaro — acontece no mesmo momento em que a nuclear volta a ser fortemente apresentada como uma solução para transição energética sem choques de oferta de energia.
Isto é, a promessa de uma energia gerada sem emissões, despachável, capaz de sustentar o aumento de potência intermitente das renováveis. Até aqui, sem novidades nos atributos.
O que mudou foi a política: “vamos, pela primeira vez em décadas, relançar a construção de reactores nucleares no nosso país e continuar a desenvolver energias renováveis”, disse o presidente francês, Emmanuel Macron, em novembro de 2021…
… Declarações feitas a esteira da COP26 sediada em uma Europa em crise energética, com lideranças globais como o próprio Macron e o presidente Joe Biden, dos EUA, cobrando dos fornecedores internacionais o aumento da oferta de petróleo e gás para conter a inflação.
Nuclear também permaneceu na política energética americana: tanto no governo de Donald Trump como de Biden (eleito sob uma “agenda verde”), é apresentada como solução para a expansão de renováveis. Conta inclusive com dinheiro público no desenvolvimento de novas tecnologias, como os reatores modulares de pequena escala (em inglês).
E recentemente, fez parte do controverso lançamento na Europa de uma consulta para enquadrar o gás natural e a nuclear na categoria de investimentos verdes para transição energética.
Aliás, podemos apostar com alguma segurança que, na conversa pública, o dilema da garantia de acesso à energia vs transição para fontes de baixa e zero emissão, começará cada vez mais a ser enquadrado sob o termo greenflation, a inflação verde – se ela veio para ficar ou não, contudo, depende do interlocutor.
E o que já temos, até aqui? Além da escolha da próxima locação, temos a indicação que o próximo Plano Decenal de Energia (PDE) vai trazer mais detalhes sobre a expansão da nuclear, rumo aos próximos leilões da fonte. No PNE 2050 são de 8 GW a 10 GW.
“É possível que haja leilões para nuclear a partir de 2023, 2024, 2025… Mas já entra no plano de geração e transmissão”, disse Bento Albuquerque à epbr, ano passado, em Glasgow.
Temos também a indicação do ministro que o Rio de Janeiro, sede das usinas Angras 1, 2 e 3, é um “forte candidato”. Avaliações passadas haviam demonstrado que Itacuruba, em Pernambuco, era o local “preferencial” para a instalação de uma nova usina.
O Rio será também a sede da ENBpar, nova estatal criada para assumir o controle do setor pós-privatização da Eletrobras. A empresa foi ativada recentemente e está em estruturação pelo MME.
E é preciso, claro, terminar Angra 3, que será um gancho aqui para falar mal da nuclear, pelo mero exercício do debate. E vamos além do problema do rejeito e do desastre que é um acidente radioativo.
PUBLICIDADE
Custa uma fortuna A Empresa de Pesquisa Energética, no PNE 2050, considera para a nuclear um capex (capital para construir) de US$ 5 mil por kW; e opex (o custo da operação e manutenção) de R$ 325 por kW, com combustível a R$ 25/MWh.
Partindo do mesmo ponto, é mais caro que a solar com bateria. No PNE, estima-se que a solução tem um capex decrescente — US$ 5,8 mil/kW até 2029, chegando a US$ 3,2 mil/kW em 2050. O&M fixo de R$ 39/kW, com parcela variável de R$ 11,7/MWh.
Concorre com o gás natural, no atendimento aos requisitos do sistema com um custo muito inferior (capex de US$ 1 mil/kW, no ciclo combinado) e é uma fonte que pode se beneficiar no futuro de soluções viáveis de captura de carbono, por exemplo.
Todas as premissas podem ser vistas aqui (.pdf).
Não é trivial Angra 3 entrou no planejamento brasileiro nos anos de 1980. Já custou R$ 8 bilhões; em 2021 estimava-se que custaria outros R$ 15 bilhões para terminar as obras e tem entrada em operação prevista para 2026.
E os benefícios não são consenso A crise energética de 2021, que mais uma vez colocou o suprimento em risco e fez os custos (inclusive em emissões) dispararem pela dependência do clima, deu força ao debate sobre a mudança na operação do sistema elétrico.
Está na agenda do MME para a nuclear: “o aumento da participação da fonte termonuclear na matriz energética brasileira é importante para reduzir os impactos das crises hídricas na geração de energia elétrica”, disse a pasta, hoje, ao anunciar os estudos para as novas usinas.
Impacto esse que significa queimar óleo, mais caro e poluente, e pegar empréstimo para rolar a dívida da crise paga pelos consumidores de energia elétrica.
Mas, obviamente, os técnicos do governo também dialogam internamente com as alternativas que podem ser trazidas com uma reforma do despacho de energia elétrica.
***
Aqui, tenho apenas as perguntas.
Qual seria o custo — e o desafio político e regulatório — de tornar as hidrelétricas a bateria do sistema, uma base renovável para compensar a intermitência das renováveis? E se a gente colocar o backup com hidrogênio nessa conta? E a maior disponibilidade das eólicas offshore?
Quantos bilhões precisam ser investidos para ampliar a capacidade e a confiabilidade da rede de transmissão necessária para escoar mais energia renovável do Nordeste? E para descentralizar de forma massiva a geração, mantendo o equilíbrio da rede (e dos contratos)?
Os primeiros estudos apresentados pelo MME para ampliar o sistema de transmissão na área Sul do Nordeste, estimam R$ 18 bilhões para construir 6.600 km de linhas de transmissão de alta tensão e subestações.
E aqui vale recuperar o estudo de 2020 — Sistemas Energéticos do Futuro: Integrando Fontes Variáveis de Energia Renovável na Matriz (.pdf) –, feito com participação da EPE e do ONS.
“Este estudo mostra que a aplicação de metodologias e ferramentas de planejamento da expansão de última geração permite preparar o sistema elétrico brasileiro para acomodar grandes quantidades de fontes renováveis variáveis, respeitando os critérios de confiabilidade, segurança e estabilidade do sistema”, conclui.
E a bioenergia? A biomassa, grande aposta da política brasileira – muito além do governo Bolsonaro – para a descarbonização do transporte, que pode dar escala a mais geração de energia e soluções de captura de carbono (o bioCCS)?
E, por fim, o que eu negligenciei? Por que a nuclear é a melhor solução para o Brasil? Se quiser, basta responder esta newsletter, que voltamos a tratar disso nas próximas edições.
[sc name=”news-transicao” ]