BRASÍLIA – Criada em 2017, a cleantech brasileira Pontoon encontrou na parceria com fabricantes e empresas de engenharia chinesas uma rota para acelerar os negócios de geração de energia renovável no Brasil.
“Da geração até a ponta final”, diz Marcos Severine, CEO da Pontoon em entrevista à agência epbr. “Quando eu chego em um prédio residencial do grupo A, eu consigo oferecer para ele não apenas a migração para o mercado livre, como também a instalação de um hub de recarga”.
Na geração, o foco está em usinas solares de grande escala, com três complexos fotovoltaicos atualmente na carteira.
O primeiro é um parque de 500 MWp (megawatts-pico), no Ceará, cuja venda foi concluída para a Power China. A construção começou em maio deste ano e a operação está prevista para 2025.
A Power China é uma das maiores empresas de construção do país asiático e o complexo Intrepid, no Ceará, é o seu maior projeto de energia solar nas Américas.
“Quando eles olham a energia solar é uma forma de fazer a venda direta de painéis e inversores, movimentando esse setor lá na China. Ao mesmo tempo que as construtoras chinesas entram e passam a ganhar participação de mercado também”.
O parque conta com um contrato de venda de energia (PPA) de 15 anos com a BRF e cobrirá aproximadamente 35% da demanda de eletricidade de uma das maiores consumidoras do Brasil.
“Procuramos vender entre 70% a 80% da energia através de contratos de longo prazo, entre 12 a 20 anos, e fazemos o restante da contratação ao longo dos próximos anos”.
O segundo investimento está em andamento, com 610 MWp no Rio Grande do Norte, aproximadamente 62% contratado no longo prazo. A empresa também planeja um terceiro complexo, de 520 MWp no Piauí, cuja contratação deve iniciar ainda este ano.
A meta é estruturar de 500 a 600 MWp de projetos solares por ano e alcançar mais 1,5 GW de projetos solares até 2030.
Parcerias com fornecedores levam à redução de custos
No complexo do Ceará, 100% do capex será aportado pela Power China.
“Para esse momento em que o mercado financeiro está com uma volatilidade muito grande, custo da dívida de longo prazo bastante elevado, isso nos permite fazer essa alavancagem do projeto no momento mais favorável”, explica Marcos Severine.
Ele conta que o negócio foi fechado em uma modalidade pouco usada no Brasil, mas muito comum na Ásia, em que a empresa de construção atua também em todo o financiamento, permitindo alavancar o projeto com a usina operando. “Também captar dívidas com o projeto operando, não em fase de construção”, diz.
É um caminho para sair da estrutura de project finance tradicional, que tende a resultar em um custo de dívida mais baixo.
Além disso, a negociação de equipamentos rende custos mais competitivos na aquisição, que vão repercutir no preço final da energia comercializada.
Severine esteve na China recentemente, visitando desde empresas que produzem os kits fotovoltaicos até fabricantes de veículos elétricos e equipamentos de recarga interessados no Brasil.
“É muito interessante porque conseguimos atrair um montante de financiamento e de investimento bastante expressivo, gerando empregos em regiões mais carentes do Brasil, no nosso caso, no Nordeste”.
“O veículo elétrico veio para ficar”
Na mobilidade elétrica, a ideia é alugar veículos com a energia embutida, como se fosse um pré-pago de eletricidade, explica Severine. Ao fazer a contratação, o cliente recebe um desconto e recarrega na rede da Pontoon.
Em maio do ano passado, a unidade de eletromobilidade do grupo firmou uma parceria com o governo de Pernambuco para oferecer o serviço de locação de carros elétricos para empresas privadas de todo o Brasil.
“Isso nos leva ao quarto segmento de negócio, que é a empresa de carregamento Carrega Fácil. Nós instalamos uma rede de recarga rápida com carregadores DC [corrente contínua] de 30 kW e 60 kW, que já nasce dentro do mercado livre, usando energia renovável”, destaca.
Um complemento ao etanol, Severine vê os elétricos e híbridos competindo com a gasolina e o diesel, não com os biocombustíveis.
“Na China, temos visto que todo ano tem apresentação de novos veículos, com baterias mais potentes, que permitem até mil quilômetros de autonomia. E apresentando soluções de flash charger – você carrega 80% de uma bateria dessa em cinco minutos – o que resolve o problema da longa distância”, conta o CEO.
“As barreiras de entrada para novos fabricantes de veículos elétricos são muito menores do que para o carro a combustão. Então podemos ter várias indústrias automobilísticas se estabelecendo no Brasil com os elétricos”.
Ele defende que o Brasil se posicione para atrair investimentos, ao invés de “remar contra a maré”. Um dos desafios é desenvolver infraestrutura de carregamento.
“É uma nova indústria e o Brasil pode atrair esses fabricantes para gerar empregos. Acho que se você se posicionar contra novas tecnologias, pode até obter uma vitória tática de curto e médio prazo, mas no longo prazo você vai estar fora do mercado”.
Para o executivo, o Brasil tem um “potencial gigantesco” na produção de energia renovável, inclusive para substituir termelétricas fósseis e reduzir a dependência de hidrelétricas. E, com isso, desenvolver mais a economia e melhorar a infraestrutura.
“Seja via veículos elétricos, carros, ônibus e caminhões, seja nas próprias instalações industriais, comerciais e residenciais. O primeiro passo para isso seriam incentivos do governo. Realmente criar uma agenda que mostre um caminho para que a gente siga na transição energética”, completa.
Expansão do mercado livre de energia
De olho no mercado livre, a Pontoon passou a se especializar em 2020 na autoprodução para dar suporte aos parceiros chineses.
O papel da cleantech fica por conta da seleção, análise dos projetos, melhoria da engenharia e estudos de solo, estruturação do financiamento e da comercialização de energia, além de interlocução com fornecedores de painéis, inversores e trackers para definição do capex.
“O [investidor] chinês entra conhecendo muito pouco do Brasil [e] aprende conosco. Resolvemos todas as etapas para o desenvolvimento de um grande projeto solar, vendemos e recompramos 30% da usina lá na frente”, exemplifica.
O negócio de geração é o que gera recursos para investir nas outras frentes. A venda da primeira usina no Ceará rendeu R$ 65 milhões. No segundo projeto, a expectativa é levantar até R$ 120 milhões. E mais R$ 60 milhões a R$ 80 milhões com a usina do Piauí.
No início do ano, a Pontoon adquiriu uma comercializadora de energia, com patrimônio de R$ 25 milhões. Com a venda dos projetos de geração no RN e PI, o grupo planeja reforçar o capital para R$ 90 milhões.
Ainda em fase de contratação da equipe comercial, a estratégia da comercializadora é fazer aquisições e fusões de comercializadoras menores.
“Com isso, a gente dá acesso a essas comercializadoras a um outro nível de mercado, aos nossos produtos de autoprodução, ao mesmo tempo em que a gente traz um time experiente e já qualificado para tocar essa nova comercializadora que surge dessa fusão”, diz o executivo.