Reforma do setor

Veja as reações do mercado aos vetos da MP 1304

Governo vetou dispositivos que mudavam regra para pagamento de royalties de petróleo e regras de ressarcimento dos cortes de geração

Alexandre Silveira durante coletiva após a inauguração do linhão Manaus-Boa Vista, em 10 de setembro de 2025 (Foto Ricardo Botelho/MME)
Alexandre Silveira durante coletiva após a inauguração do linhão Manaus-Boa Vista, em 10 de setembro de 2025 (Foto Ricardo Botelho/MME)

BRASÍLIA — Vetos na lei 15.269/2025 (MP 1304) às regras do ressarcimento dos cortes de geração de energia e às mudanças no preço de referência do petróleo geraram reações mistas nos setores afetados. A situação opõe consumidores e geradores de energia, assim como coloca em pólos contrários as petroleiras e as refinarias privadas.

O governo resolveu vetar uma série de dispositivos do texto aprovado pelo Congresso Nacional. Entre eles, alguns pontos em que houve forte atuação de lobbies, como a prorrogação dos contratos das usinas termelétricas a carvão no Sul do país.

A inclusão e manutenção deste ponto no texto envolveu interlocução, sobretudo, com as bancadas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, de onde partiu emenda do senador Espiridião Amin (PP/SC) para ampliar esses contratos.

A retirada do licenciamento ambiental especial das usinas hidrelétricas foi alvo de reclamação de geradores.

O dispositivo havia sido incluído pelo relator da medida provisória, senador Eduardo Braga (MDB/AM), que defendeu a retomada de investimentos em grandes projetos de hidrelétricas com reservatórios, de forma a atuar como “baterias naturais” para o controle do sistema elétrico.

A fixação de limites de reinjeção para novos projetos de óleo e gás foi objeto de pressão por veto nos bastidores, mas acabou fazendo parte do texto final. Pela nova regra, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) poderá determinar limites para a reinjeção de gás natural em novos blocos exploratórios a serem ofertados.

Veja como os setores se posicionaram a respeito de cada ponto da lei sancionada:

Preço de referência do petróleo

Prevaleceu na versão final do texto o veto às alterações no preço de referência do petróleo, indicador que serve de base para o cálculo de royalties e participações especiais. O ponto que era defendido pelas petroleiras.

A versão aprovada pelos legisladores estabelecia que o valor deveria considerar o preço divulgado por agências internacionais ou metodologia baseada no preço de transferência, que precifica o produto a partir do imposto de renda.

Na prática, a mudança do preço de referência da nova lei aumentaria os royalties a serem pagos pela produção de petróleo.

Para o presidente do Instituto Brasileiro do Petróleo e do Gás, Roberto Ardenghy, os investimentos do setor sofreriam impactos caso a medida tivesse sido sancionada.

Nós discutimos durante dois anos com a ANP a mudança do preço de referência. Foi onerado, de alguma maneira, por essa decisão da ANP, mas aceitamos por que foi feito todo um processo técnico. Achamos que essa é a melhor metodologia”, disse Ardenghy em entrevista ao jornal da COP. Assista na íntegra.

A emenda que inseriu a mudança no preço de referência foi patrocinada pela Refina Brasil e acatada pelo relator da MP 1304, senador Eduardo Braga.

A entidade que reúne as refinarias privadas do Brasil levou para reunião com Braga um  estudo da Downstream Advisors International, que indicava um preço incorreto praticado pela ANP, afetando negativamente as refinarias privadas.

À agência eixos, o presidente da Refina Brasil, Evaristo Pinheiro, disse que vai manter contato com os agentes políticos em busca da derrubada do veto.

“Recebemos o apoio de entidades importantes como a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), a Organização dos Municípios Produtores de Petróleo (Ompetro), o Consórcio dos governadores do Nordeste e da Federação das Indústrias do Estado da Bahia. Elas seguirão ao nosso lado e acreditamos que o apoio vindo delas será importante para sensibilizar deputados e senadores”, disse Pinheiro.

Reinjeção de gás

O IBP manifestou preocupação com a sanção da proposta que atribui ao CNPE a competência de definir limites para a reinjeção de gás natural em novos blocos exploratórios a serem ofertados em leilões de concessão ou partilha.

A entidade argumenta que a reinjeção de gás natural é uma decisão técnica e econômica, crucial para a viabilidade de projetos, definida caso a caso no Plano de Desenvolvimento de cada campo, aprovado pela ANP.

Segundo Ardenghy, há impactos para a atratividade das rodadas que estiverem sujeitas às novas regras.

Vai depender muito do agente econômico que vai decidir disputar o leilão daquela área. Ele vai saber que existe ali uma possibilidade de que, se ele descobrir gás, será obrigado a trazer aquele gás para a costa. Claro que isso aí tem um custo embutido que certamente vai afetar ou não a decisão de disputar ou não aquela área”, frisou.

Para o IBP, a limitação pode reduzir a produção de petróleo e a recuperação de reservas, afetando a rentabilidade dos campos. A entidade não fala em derrubada de veto, mas em acompanhar junto ao CNPE como se dará a regulamentação.

 Ressarcimento do curtailment

A presidente da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage), Marisete Pereira, classificou como preocupante para o setor o veto à emenda do deputado Danilo Forte (União/CE), que definia regras para o ressarcimento e estimativa de R$ 2,8 bilhões para quitar a conta com as geradoras.

“Da maneira como o comando ainda permanece no projeto de conversão, tem espaço para buscar uma regulamentação que seja equilibrada e que aloque de forma justa os custos e os riscos. Estamos confiantes que na regulamentação essa questão seja endereçada”, pontuou Pereira.

Da forma como o texto saiu do Congresso, havia duas soluções concorrentes para conceder o direito às compensações pelos cortes. Foi vetado o dispositivo que permitia um ressarcimento mais amplo aos geradores.

Prevaleceu, assim, regra defendida por Braga, a qual estabelece uma série de condicionantes, incluído o risco para o gerador no caso de excesso de energia gerada.

Em entrevista ao Roda Viva na segunda (24/11), o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, mencionou custos de R$ 6 bilhões caso a compensação maior fosse aprovada.

A presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), Elbia Gannoum, está menos otimista em resolver a questão para os geradores via regulação.

“A indústria fica sem solução para o futuro e afeta os projetos que estão em operação hoje. Eu não vendo energia no risco, eu construo um parque porque eu vendi em leilão, assinei um contrato regulado de 20 anos e eu tenho a renda daquele contrato mensal para pagar o financiador”, pontou Gannoum.

Segundo ela, projetos contratados antes da lei da geração distribuída ficaram expostos a riscos.

“Aí aparece uma GD no mundo, que aumenta a geração das 8h às 14h, me desloca, me corta, e no final do dia o governo ainda chama a térmica porque a GD desapareceu e eu vou pagar essa conta”, enfatizou.

Geradores solares também manifestaram preocupação com o veto à regra de ressarcimento.

A avaliação da  Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) é de que o trecho vetado trazia uma solução estrutural aos prejuízos causados pelos cortes de geração renovável.

A Absolar fala em prejuízos à atratividade do Brasil em energia limpa, ameaçando inviabilizar novos investimentos em grandes usinas solares e eólicas.

A Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) afirmou que o resultado final do texto com os vetos traz ainda um conjunto de problemas que vai exigir novas intervenções sobre o setor, embora reconheça avanços.

Sem citar diretamente o veto à regra de ressarcimento defendida por geradoras de energia centralizadas para o curtailment, a Abrace pontuou que a lei “melhora o sinal de preço da energia, ajusta regras ruins que criariam reserva de mercado, reduz subsídios e modelos oportunistas praticados no mercado, e faz a contenção de mais custos desnecessários aos consumidores”.

Mercado livre de energia

Empresas que negociam no mercado livre de energia comemoraram a aprovação de um cronograma para a abertura para um rol maior de consumidores.

A Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) classificou como “marco histórico no setor elétrico brasileiro, que promove a justiça social e equidade em direitos.

Pela regra, consumidores industriais e comerciais poderão migrar em até 24 meses, enquanto a abertura total, incluindo residências, poderão migrar em até 36 meses.

Baterias e armazenamento

A sanção dos incentivos ao armazenamento de energia foi bem recebida. O texto atende pleito das associações do setor, com apenas um revés. O texto dispensava a exigência de conteúdo local para acesso a benefício, mas o dispositivo acabou vetado.

O argumento do governo é que o trecho contraria o interesse público ao vedar a possibilidade de estabelecimento de requisitos de conteúdo local em projetos de armazenamento de energia no âmbito do Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi).

A Atlas Renewable afirmou que o veto torna o ambiente menos favorável ao desenvolvimento da tecnologia.

Segundo a empresa, o armazenamento é peça-chave para a integração eficiente das fontes renováveis e para a modernização do setor elétrico, especialmente no contexto do curtailment.

“Como o custo das baterias ainda é elevado no Brasil, os incentivos fiscais previstos no Reidi seriam importantes para destravar projetos e acelerar sua adoção. Sem esse benefício, os empreendimentos enfrentam maiores barreiras econômicas, o que reduz a velocidade de implantação e limita a disponibilidade de instrumentos que poderiam contribuir diretamente para a mitigação do curtailment e para a segurança do sistema elétrico”, pontuou a empresa.

Usinas a carvão

As federações das indústrias de Minas Gerais (FIEMG) e do Rio de Janeiro (Firjan) divulgaram nota criticando a sanção da prorrogação dos contratos de usinas a carvão, alegando custo de R$ 1 bilhão por ano até 2040.

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