LRCAP 2026

Regras do novo leilão de potência inviabilizam participação de Candiota, diz Âmbar

Associação Brasileira do Carbono Sustentável (ABCS) vai propor ajustes nos critérios de flexibilidade exigidos pelo MME para participação de usinas a carvão no LRCAP 2026

Térmicas a carvão perdem apoio em meio a crise climática no Sul do Brasil que afetou todo o Rio Grande do Sul. Na imagem: Vista das instalações da termelétrica a carvão mineral Candiota (RS), com capacidade instalada de 350 MW, com chaminés emitindo fumaça poluente na atmosfera (Foto: Eduardo Tavares/PAC)
Termelétrica a carvão mineral Candiota (RS), com capacidade instalada de 350 MW (Foto: Eduardo Tavares/PAC)

BRASÍLIA e RIO — A participação de Candiota III no Leilão de Reserva de Capacidade (LRCAP) de 2026 é “economicamente inviável”, pelos parâmetros de flexibilidade exigidos pelo Ministério de Minas e Energia (MME), informou a Âmbar Energia. A empresa do grupo J&F opera a usina desde 2024, após comprá-la da Eletrobras.

A companhia respondeu às críticas de entidades ligadas aos consumidores de energia, que questionaram a inclusão das usinas a carvão no LRCAP e a adoção de critérios técnicos de flexibilidade menos restritivos para a fonte.

Candiota foi, na esteira dessas críticas, apontada como beneficiada direta pelas novas diretrizes do leilão.

Uma das principais usinas a carvão do país, Candiota está descontratada desde o fim de 2024 e não passa nos requisitos de flexibilidade exigidos no leilão. 

A Associação Brasileira do Carbono Sustentável (ABCS) pretende pedir, na consulta pública sobre as diretrizes do LRCAP 2026, ajustes nas regras propostas.

“Foi positivo pensar no carvão como solução, mas os parâmetros precisam ser ajustados”, afirmou o presidente da ABCS, Fernando Luiz Zancan, à agência eixos.

Além de Candiota, outras usinas a carvão devem ficar descontratadas nos próximos anos, como Energia Pecém, recém-adquirida pela Diamante Energia; e Itaqui e Pecém II, ambas da Eneva.

Indústria do carvão pede ajuste nas regras

Na sexta-feira (22/8), o MME colocou em consulta pública, por 20 dias, as duas portarias para os leilões de potência previstos para março de 2026, após cancelar a concorrência deste ano, em meio à judicialização do certame.

A flexibilidade – os tempos para entrada e saída – das térmicas foi incluída pela pasta tanto como critério de habilitação das usinas, como um bônus nos lances que serão feitos pelos geradores na concorrência. Isto é, além do preço, as ofertas terão um prêmio pela flexibilidade.

Segundo Zancan, a ABCS vai propor mudanças nos critérios de flexibilidade. Além disso, a associação entende que o prazo dos contratos é insuficiente.

Usinas existentes, como as de carvão, vão disputar contratos de dez anos, enquanto as térmicas novas (apenas de gás natural) terão direito a contratos de quinze anos.

“Estamos avaliando [as propostas] e não temos uma posição final ainda. A ideia de colocar o carvão faz todo o sentido, temos máquinas prontas, dando resultado para o sistema, contribuindo com potência e elétrons [energia] – o carvão faz tudo”, defende.

O problema está nos critérios de flexibilidade. Pelos termos da minuta de portaria com diretrizes do leilão, colocada em consulta pública pelo MME, não serão habilitados tecnicamente pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) aquelas usinas a carvão com parâmetros de flexibilidade operativa fora dos seguintes requisitos:

  • tempo mínimo de permanência na condição ligado (“T-on”) menor ou igual a 18 horas (o que inclui o tempo necessário para as rampas de acionamento e desligamento);
  • tempo mínimo de permanência na condição desligado (“T-of ”) menor ou igual a quatro horas;
  • tempo total considerando a rampa de acionamento e a rampa de tomada de carga menor ou igual a oito horas;
  • tempo total considerando a rampa de desligamento e a rampa de alívio de carga menor ou igual a uma hora;
  • e razão entre a geração mínima e a geração máxima de cada unidade geradora menor ou igual a 80%.

Os requisitos de flexibilidade para as usinas a carvão são menos restritivos que os exigidos para as térmicas existentes a gás natural.

Mas são bem menores do que aqueles entregues, por exemplo, pela Energia Pecém, a única térmica a carvão cadastrada no modelo de operação diferenciada criado em 2024 para contratação flexível de potência de usinas existentes: a usina se cadastrou com um T-on de 66 horas; e um T-of de 48 horas.

Consumidores questionam requisitos

Entidades ligadas aos consumidores de energia questionaram, esta semana, os requisitos de flexibilidade estabelecidos para as usinas a carvão.

Em entrevista ao energy talks de terça-feira (26/8), o diretor de Energia Elétrica da Associação dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace), Victor Iocca, disse que o desenho dos leilões de 2026 “não parece que vai entregar a flexibilidade necessária que o operador tanto necessita”. Assista na íntegra

E citou o T-on (tempo de permanência) exigido para as térmicas existentes.

“Parece mais um leilão que tem como objetivo atender interesses específicos da cadeia de geração, principalmente da termoelétrica, do que realmente entregar flexibilidade para o sistema”, comentou.

“A gente está falando que provavelmente vão existir térmicas que terão que ser ligadas por volta do meio-dia, quando tem uma sobreoferta enorme de energia, para entregar realmente a sua potência máxima no final da tarde e no começo da noite. Isso é um dos pontos que não nos parece adequado”. 

A Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace) classificou o modelo proposto para o LRCAP como um “band-aid caro” e manifestou preocupação, em especial, com a contratação das fontes fósseis.

A Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE) também criticou a proposta.

MME justifica inclusão de térmicas a carvão

A pasta decidiu incluir o carvão mineral na concorrência com térmicas a gás sob a justificativa de que é preciso recorrer a todos os recursos energéticos disponíveis para atender ao déficit crescente por energia despachável e flexível no Sistema Interligado Nacional (SIN).    

A inclusão das termelétricas existentes a carvão mineral no LRCAP de 2026 foi pensada como uma forma de ampliar o número de ofertantes e, com isso, aumentar a competição do certame, defendeu nesta quinta-feira (28/8) o secretário nacional de Transição Energética e Planejamento do MME, Gustavo Ataide.

“A gente não necessariamente vai contratar [as usinas a carvão]. A gente vai contratar aqueles empreendimentos que forem mais competitivos, sejam eles a gás natural ou carvão. O que a gente quer proporcionar aqui é uma maior competição, maximizar a oferta e trazer benefício para o consumidor”, justificou Ataide, ao participar do programa online Dominium Talks.

Foi uma resposta a críticas de ambientalistas e entidades ligadas aos consumidores de energia, que questionaram a inclusão da fonte no LRCAP e a adoção de critérios técnicos de flexibilidade menos restritivos para as usinas a carvão.

“Embora esses empreendimentos a carvão possam ter parâmetros de flexibilidade menos atraentes, eles podem compensar essa vulnerabilidade ali com custos mais baixos, seja na receita fixa, seja nos custos de combustível [o CVU]”, complementou.

Na nota técnica sobre as diretrizes do LRCAP 2026, o MME justificou a inclusão das usinas a carvão existentes, justamente, pela competitividade da fonte.

O documento cita que o parque existente de térmicas a carvão, diesel e óleo combustível inclui ativos já amortizados e, portanto, “com capacidade de fornecer energia ao longo dos próximos anos a um custo competitivo para o consumidor de energia elétrica”. 

“A manutenção desse parque gerador para atendimento de potência se mostra uma

estratégia interessante, desde que os preços apresentados por essas usinas sejam competitivos frente a novas usinas com tecnologias mais modernas”, cita a nota técnica.

Embora o MME tenha deixado usinas novas a carvão de fora do leilão, a pasta destaca que as diretrizes do LRCAP 2026 não devem ser interpretadas como uma “exclusão definitiva” das fontes fósseis do planejamento. 

“A segurança energética continua sendo uma prioridade para o planejamento nacional, e, em situações excepcionais, pode ser necessário reavaliar a inclusão de novas usinas movidas por fontes fósseis, caso seja imprescindível para garantir a confiabilidade do SIN e a estabilidade do fornecimento de energia elétrica”.

Candiota sofre mais um revés, dessa vez na Justiça

A discussão sobre o LRCAP é mais um capítulo sobre uma polêmica que se arrasta desde os vetos presidenciais no PL das eólicas offshore – sancionada em janeiro sem os dispositivos que previam a recontratação de termelétricas a gás e a carvão.

Instalada em Candiota, no Rio Grande do Sul, com 350 MW de capacidade, a termelétrica Candiota III está descontratada, atualmente. 

O governo chegou a cogitar uma medida provisória para permitir a prorrogação dos contratos da usina. A expectativa era que o comando fosse incluído na MP 1304, mas a recontratação acabou não sendo incluída na versão final do texto.

A usina vinha despachando no mercado spot, mas, na semana passada, sofreu um revés na Justiça.

Na sexta-feira (22/8), o Instituto Arayara conseguiu na Justiça a derrubada da licença de operação de Candiota. (veja a sentença, na íntegra, em .pdf).

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