MP 1304

Com arrecadação no radar, refinarias se mobilizam contra veto de emenda que eleva royalties do petróleo

Conversão de MP em lei foi aprovada pelo Congresso com mudança para o preço de referência do petróleo

Evaristo Pinheiro, presidente do Refina Brasil, participa de sessão da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) no Senado (Foto Marcos Oliveira/Agência Senado)
Evaristo Pinheiro, presidente do Refina Brasil | Foto Marcos Oliveira/Agência Senado

BRASÍLIA — Com a inclusão de dispositivos na MP 1304 para elevar a arrecadação com royalties sobre o petróleo, as refinarias nacionais se mobilizam para evitar o veto do presidente Lula à medida, que busca reduzir uma vantagem na exportação de óleo. Contra elas, pesa a forte oposição da Petrobras junto ao Planalto, para assegurar o veto.

O relator da MP 1304, Eduardo Braga (MDB/AM) incluiu um dispositivo para que a cobrança de royalties ocorra sobre o valor real da produção, incorporando o espírito do PL 50/2024, que conta com apoio na Fazenda, mas empacou na Câmara dos Deputados.

Braga atendeu pedidos da Refina Brasil, com quase dois anos de atraso. A entidade é crítica da revisão da base de cálculo feita pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) este ano.

Estudos encomendados pela Refina Brasil apontam que a nova metodologia de cálculo do preço de referência resulta em uma elevação de 4,77% em participações governamentais, enquanto a revisão feita este ano assegurou um aumento 1,2%.

A PGA Consultoria, especializada em economia e política econômica, elaborou uma simulação das alterações em um horizonte de dez anos.

Com o preço do do barril de petróleo entre 70 e 80 dólares na próxima década e o câmbio se mantendo relativamente estável no nível atual, o ganho líquido de arrecadação decorrente da aplicação da proposta da Refina Brasil se situaria entre R$ 92 bilhões e R$ 111 bilhões no período de uma década.

Para este horizonte, também devem ser considerados a trajetória de preços do petróleo, estrutura de custos do setor, curva de produção, parcela da produção exportada, taxa de câmbio e a nova metodologia. Todas essas variáveis podem impactar os resultados da simulação.

O dilema chega às mãos do presidente Lula às vésperas da revisão do plano de negócios da Petrobras, sujeito a uma postergação de projetos em razão da queda nos preços do barril de petróleo.

A estatal é cobrada a manter os aportes e o ritmo de desembolso dos investimentos; mas alerta que os aumentos na carga fiscal do produção concorrem contra esses objetivos.

A Refina Brasil levanta essa bandeira há anos: com as exportações, as petroleiras conseguem vender o óleo acima dos preços de referência, além de reduzir a carga fiscal em razão da venda, primeiro, para empresas offshore do mesmo grupo.

A entidade afirma que o óleo exportado acaba dando uma uma vantagem fiscal em relação a venda para as refinarias nacionais — a Petrobras pratica um preço contábil interno para calcular a renda do E&P no transferência do óleo para as suas próprias refinarias.

O presidente da Refina Brasil, Evaristo Pinheiro, levou a Braga um estudo da Downstream Advisors International, que indicava um preço incorreto praticado pela ANP, afetando negativamente as refinarias privadas.

“Essa mudança no preço de referência igualaria a política de refino brasileira. Nenhuma petroleira no Brasil queria vender petróleo para as refinarias. E o preço de referência usado pela ANP era usado como preço de exportação, o que resultava no cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) em uma base menor do que deveria”, explicou Pinheiro.

Segundo a Refina Brasil, essas distorções no CSLL e IRPJ tornam a exportação mais vantajosa para as petroleiras do que vender no mercado interno.

Isso leva as refinarias privadas a importar petróleo, tornando-as menos competitivas e desincentivando investimentos em capacidade de refino nacional”, disse.

Pinheiro também afirmou ser uma falácia que a alteração de aproximadamente 5% nos royalties e participações especiais impediria os investimentos em novos campos de exploração.

“Não há nenhum tipo de prejuízo, porque as petroleiras já sabiam que deveriam pagar o preço de mercado, mas estavam se aproveitando de uma situação irregular”, pontuou Pinheiro.

Petroleiras querem veto de Lula

Na outra ponta dessa discussão, o Instituto Brasileiro do Petróleo e do Gás (IBP), que representa as petroleiras, divulgou nota em que afirma “ser imperativo” vetar o dispositivo que altera o preço de referência, preservando o modelo atual.

Para a entidade, a metodologia praticada pela ANP equilibra arrecadação e competitividade e assegura que o preço continue sendo definido por critérios técnicos, sob a regulação da ANP, e não por “parâmetros alheios à dinâmica da indústria”.

O IBP aponta a recente atualização feita pela agência no preço de referência, por meio da Resolução nº 986/2025, que revisou a fórmula para fins de pagamento de royalties.

“A novíssima regulamentação da ANP representou um marco importante para a previsibilidade e estabilidade regulatória do setor, dado seu processo de amplo debate e rigor técnico. O modelo, amplamente debatido com os agentes da indústria, representa fidedignamente a média mensal dos preços de mercado”, disse o IBP em nota.

Para a entidade, a proposta de calcular os royalties a partir do preço de referência, contida na MP 1304, cria insegurança e desvirtua a lógica técnico-econômica que sustenta a política de participações governamentais.

Na regra atual, o preço de referência considera características físico-químicas do petróleo produzido nos campos e inclui critérios de qualidade, como teor de enxofre, que acabam influenciando o cálculo. Segundo o IBP, a mudança altera essa lógica ao impor a finalidade de apuração do imposto de renda das empresas

“Tal substituição comprometeria a estabilidade alcançada com o uso do preço de referência, pois introduz critérios tributários em um instrumento regulatório concebido para refletir condições de mercado específicas da produção nacional de petróleo”, reforçou o instituto.

Em tempo, a MP 1304 tratava de dois assuntos: a reforma do setor elétrico e a venda de gás natural da União. O governo poderá recorrer à forma (matéria estranha ou jabuti) e escapar da discussão de mérito para justificar o veto.

O que diz a MP 1304 sobre royalties do petróleo

O dispositivo incluído por Eduardo Braga (MDB/AM prevê que a apuração de royalties, especificamente, deve considerar “o valor de mercado do petróleo, gás natural ou condensado, definido como a média das cotações divulgadas por agências de informação de preços reconhecidas internacionalmente que reportem preços finais de transações entre partes independentes”.

Inexistindo tal informação, a base de cálculo será calculada usando a metodologia de preços de transferência, criada pela lei 14.596/2023, ou as diretrizes definidas em decreto presidencial, que “observará os preços de mercado do petróleo, gás natural
ou condensado, as especificações do produto e a localização do campo”.

Os preços de transferência são um conjunto de mecanismos legais incorporado à legislação brasileira em 2023, a partir de recomendações da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) — a revisão foi um trabalho iniciado pela equipe econômica de Paulo Guedes, no governo Bolsonaro.

Permite que a Receita Federal do Brasil leve em consideração, na cobrança de impostos sobre a renda das empresas, as transações com offshore, em casos que houver redução da margem na primeira etapa da operação.

Isto é, casos em que a empresa no Brasil vende para uma offshore por um preço e parte do lucro é obtido na venda da offshore para o cliente final. Também é aplicado na direção contrária, isto é, para evitar uma dupla tributação: o mesmo valor integra a base na exportação do Brasil e nas operações no exterior.

Regras de reinjeção de gás também na mira

Também é alvo de questionamento a alteração na lei que atribui ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) a prerrogativa de estabelecer diretrizes para maximizar o aproveitamento da produção de gás natural e de definir limites de reinjeção para os blocos a serem objeto de concessão ou partilha de produção.

O IBP sustenta que a reinjeção de gás, juntamente com outros parâmetros, como produção de óleo, produção de gás, injeção de água, características das plantas de tratamento, número de poços, e outros, parte do plano de desenvolvimento do campo, que é submetido à ANP.

Como argumento contra a medida, o IBP afirma que reinjeção de gás é definida campo a campo, visando garantir o melhor aproveitamento de todos os recursos.

“Privilegiar o aproveitamento do gás contraria o objetivo de maximizar a recuperação das reservas, impactando negativamente as receitas governamentais e a atratividade dos investimentos. A limitação da reinjeção de gás poderá até resultar na inviabilidade econômica de novos projetos. Além disso, o gás natural reinjetado pode ser recuperado posteriormente”, defendeu o instituto.

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