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RIO – Na avaliação da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio), a implementação de projetos de produção de combustíveis sustentáveis de aviação (SAF) e diesel verde no país vai depender da exportação e da aceitação das matérias-primas, especialmente o óleo de soja, nas especificações internacionais.
Para Julio Cesar Minelli, diretor da Aprobio, será fundamental vencer o “protecionismo” imposto por regulamentos como o Corsia, da Organização da Aviação Civil Internacional (Icao, em inglês), que restringe os combustíveis elegíveis para descarbonização da aviação.
A tabela da Icao determina valores-padrão para as emissões de SAF produzidos mundo afora, mas é alvo de questionamentos quanto à adequação das metodologias à produção de biomassa fora da Europa.
“O desafio do SAF não é ter disponibilidade de matéria-prima. É ter disponibilidade de matéria-prima certificada, aceita pelo Corsia, para a gente poder ter acesso à demanda internacional, que acaba justificando os investimentos no Brasil”, afirma Minelli em entrevista à agência eixos.
Embora existam diferentes rotas de produção de SAF, no Brasil, uma das vias com maior potencial é a que utiliza óleos vegetais, em especial da soja, para produção do biocombustível.
Contudo, há um debate internacional sobre a efetividade dos biocombustíveis no combate às mudanças climáticas, uma vez que eles têm origem na agricultura e esta atividade pode ter impactos nas emissões de gases de efeito estufa.
No caso do Corsia, o cálculo do ciclo de vida do biocombustível de óleo de soja inclui as emissões derivadas do uso indireto da terra (ILUC, na sigla em inglês), o que, segundo alguns críticos, penaliza o produto brasileiro ao não considerar especificidades regionais, como o código florestal brasileiro que exige até 80% de reserva florestal em propriedades rurais na Região Amazônica, por exemplo.
“Não interessa que demonstrem que eles [Europa] já desmataram 97% e que nós não precisamos desmatar para ter matéria-prima suficiente para fazer SAF e diesel verde”, critica o diretor da Aprobio.
Do Brasil para o mundo
Para que os projetos de produção dos novos biocombustíveis avancem, será necessário vencer as barreiras para ganhar o mercado internacional.
De acordo com Minelli, mesmo com as metas de descarbonização da aviação doméstica a partir de 2027, estipuladas na lei do Combustível do Futuro (CF), o mercado interno brasileiro ainda é insuficiente para justificar os investimentos necessários na produção de SAF.
“Temos aí desafios, principalmente para o SAF […] porque o SAF no consumo nacional, para atender ao Combustível do Futuro, a demanda é muito pequena para justificar investimentos. Então, nós teríamos que depender de exportar”, explica.
“E o diesel verde vai ser consequência, porque está atrelado ao SAF. A maioria das plantas e as tecnologias são bastante reversíveis, então você pode ir para diesel verde ou para o SAF”, completa.
Estudo da Leggio Consultoria, especializada em renováveis e agronegócio, estima que a demanda nacional por diesel verde em 2037 – dez anos após o início dos mandatos do Combustível do Futuro – pode chegar a 2,1 milhões de metros cúbicos, enquanto a de SAF deve alcançar 900 mil m3.
O que diz o Combustível do Futuro?
O CF estimula a produção de diesel verde a partir de biomassa renovável, estabelecendo uma participação mínima obrigatória de até 3% do diesel comercializado no Brasil. Já na aviação, a meta é um corte de 1% nas emissões das companhias aéreas nacionais por meio do uso de SAF a partir de 2027, chegando a 10% em 2037.
De olho no combustível marítimo
Minelli chama a atenção para atuação mais forte do governo brasileiro em discussões internacionais sobre biocombustíveis, como nas definições da Organização Marítima Internacional (IMO, em inglês), em que o país defende a inclusão do etanol e biodiesel na substituição de combustíveis fósseis utilizados na navegação.
“Estamos um pouco mais ativos. Chegamos à conclusão que realmente precisamos agir antes que eles definam as regras. Na definição do Corsia, não houve a participação brasileira. Já na IMO, temos participado com representantes do governo e de empresas nacionais”, comenta.
Ele cita o exemplo da Petrobras que já anunciou a intenção de comercialização de bunker de navio com 24% de biodiesel para a Vale.
“Nada mais poluente do que o bunker. Sabemos que a utilização do biodiesel é realmente uma solução imediata para isso. A Europa está falando muito na questão de amônia, mas você tem que mudar os motores dos navios para sair do ciclo diesel e ir para o ciclo Otto”, explica o diretor da Aprobio.
“Podemos abastecer os navios internacionais, mas para isso a Europa, ou seja, o mundo tem que aceitar que o biodiesel brasileiro também é fruto de matéria-prima sustentável, que não tem problema de ILUC”.
Aumento da mistura de biodiesel no diesel
Além da criação de programas para o diesel verde e SAF, o Combustível do Futuro também estipulou a adição obrigatória de biodiesel ao diesel, começando em 15% em 2025 (o B15) e subindo progressivamente até 20% em 2030, podendo chegar a até 25% posteriormente, de acordo com resoluções do CNPE.
Minelli conta que o setor vai continuar trabalhando para ter definições mais claras com relação à mistura, capazes de trazer maior previsibilidade aos produtores.
“O setor quase foi à bancarrota, não é exagero. Sofreu muito com a redução de B13 para B10 durante praticamente dois anos. Isso foi muito ruim para o setor, mas felizmente conseguimos superar e ter agora esses avanços”.
Fiscalização dos combustíveis
No final de dezembro de 2024, o presidente Lula (PT) sancionou a lei 15.082/2024, que trata do rateio dos Créditos de Descarbonização (CBIOs) do RenovaBio entre produtores de biocombustíveis e fornecedores de matéria-prima (sobretudo a cana, na produção de etanol).
A legislação, oriunda do PL 3149/2020, de autoria do então deputado federal e atual senador Efraim Filho (União/PB), também endurece as penalidades por descumprimento das metas de descarbonização do programa.
A lei também define que a distribuidora deverá comprovar por meio de balanço mensal o estoque próprio e em terceiros, as aquisições e as retiradas compatíveis com o volume de diesel fóssil comercializado.
Minelli avalia como positivo o endurecimento das penalidade e também defende o fortalecimento da fiscalização, para corrigir fraudes no mercado de combustíveis.
A Aprobio tem participado das discussões do projeto de lei que cria o Operador Nacional do Sistema de Combustíveis (PL 1923/2024), deputado federal Júlio Lopes (PP/RJ).
“Temos tido bastante reuniões com a ANP nesse sentido. No Congresso, há um projeto de lei do deputado Júlio Lopes com relação ao ONS dos combustíveis, que a gente vai tentar fazer do limão à limonada […] no início da retomada do legislativo, no início de fevereiro, a gente já ter alguma coisa preparada para apresentar”.