De volta à Câmara

Mercado de carbono é aprovado após acordos com agro, térmicas e distribuidoras

Mediante acordos de “meio termo”, conforme definição de um membro do governo, finalmente foi possível votar uma proposta que, permeada por críticas e divergências, se arrastava no Senado desde o começo do ano

A senadora Leila Barros (PDT/DF) faz a leitura do relatório do PL que cria o mercado regulado de carbono.
A senadora Leila Barros (PDT/DF) faz a leitura do relatório do PL que cria o mercado regulado de carbono. | Jefferson Rudy/Agência Senado

O Senado aprovou nesta quarta-feira (13/11) o PL 182/2024, que cria o mercado regulado de carbono no Brasil e estabelece diretrizes para o mercado voluntário. Como foram feitas alterações, o texto retornará à Câmara dos Deputados.

Durante o debate em plenário, a relatora no Senado, Leila Barros (PDT/DF), e o governo fizeram algumas concessões a fim de superar a resistência de parlamentares da oposição e dos agentes setoriais que se empenharam para mexer no texto.

Mediante acordos de “meio termo”, conforme definição de um membro do governo, finalmente foi possível votar uma proposta que, permeada por críticas e divergências, se arrastava no Senado desde o começo do ano.

A construção de um consenso passou pelo acolhimento parcial de emendas de interesse dos setores de energia (usinas termelétricas), combustíveis e agronegócio.

São os mesmos pontos que, um dia antes, travaram a votação do PL 182/2024 e obrigaram Leila e o governo a negociarem com o PL e a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). O governo, com pressa para aprovar a matéria, cedeu.

Foi acatada, por exemplo, a sugestão de Esperidião Amin (PP/SC) para impor um limite às políticas de redução de emissões existentes e às que estão sendo criadas, com ajustes nas alocações (e seus custos) a partir da regulação do SBCE (Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões).

A redação final aprovada pelo Senado “veda qualquer tributação de emissão de gases do efeito estufa” de instalações reguladas no SBCE, mas sem os detalhamentos propostos por Amin, que tratava inicialmente de despesas regulatórias ou extrafiscais.

Impacto na conta de luz

A articulação foi feita por agentes reunidos no Pensar Energia, think tank setorial, junto ao autor da emenda e ao presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP/PR).

A ideia original era compensar o empilhamento tributário provocado por medidas ambientais, desde programas como o RenovaBio até a criação do imposto seletivo sobre óleo e gás, sob argumento de que a elevação de custos recairá nas tarifas de energia de geradores termoelétricos e preços de combustíveis.

O Pensar Energia levou aos parlamentares uma estimativa de custo anual de R$ 11,35 bilhões para neutralizar as emissões de 55,6 milhões de toneladas de CO₂ equivalente (tCO₂e) na cadeia de energia; e de R$ 3,87 bilhões para neutralizar as emissões de 18,97 milhões de tCO₂e.

Conduzido pelo economista José Roberto Afonso, o estudo considera crédito equivalente a uma tonelada de carbono a R$ 205,11 – US$ 38,70, com câmbio dólar a R$ 5,30.

Possível harmonização com o RenovaBio

A relatora também aceitou sugestão defendida pelo setor de combustíveis, em especial as distribuidoras, para incluir no texto um gatilho de harmonização do SBCE com o RenovaBio. A articulação foi puxada pela Frente Parlamentar de Recursos Naturais e Energia, com uma emenda do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB/PB).

O acordo foi uma redução de danos para o governo, que conseguiu transferir o impasse para a fase de regulamentação do mercado de carbono, isto é, a próxima etapa.

O texto passa a prever, como princípio do SBCE, a “harmonização e coordenação entre os instrumentos disponíveis para alcançar os objetivos e as metas do Plano Nacional sobre Mudança do Clima, inclusive mecanismos de precificação setoriais de carbono”.

O acordo só foi possível mediante ajuste de redação: a emenda original tratava de programas setoriais de “descarbonização já existentes” (a exemplo do RenovaBio), mas o setor de etanol, em oposição à alteração, conseguiu junto ao Senado e ao governo a alteração para “mecanismos de precificação setoriais de carbono”.

Também ficou de fora o inciso que tratava da “possibilidade de interoperabilidade [do novo mercado de carbono] com outros sistemas internacionais de comércio de emissões” e a “integração com sistemas setoriais de créditos de descarbonização”.

Esse trecho será incluído em outro projeto de lei que tramitará no Senado sob relatoria de Jaques Wagner (PT/BA).

Considerar o RenovaBio na regulação do mercado de carbono é uma discussão antiga e envolve, eventualmente, encerrar o programa, a partir das novas obrigações reguladas.

São, contudo, estruturas distintas: o RenovaBio remunera produtores de biocombustíveis, especialmente etanol, a partir da obrigação de compra de créditos pelas distribuidoras.

O SBCE vai estabelecer metas setoriais que poderão ser atendidas de diversas formas pelas fontes emissoras reguladas — a compra de créditos é uma delas.

O entendimento que prevaleceu no Senado sinaliza a coexistência das políticas.

Programas jurisdicionais no mercado voluntário

Leila acolheu a emenda, de autoria de Marcos Rogério (PL/RO), que blinda proprietários de terra na execução dos programas jurisdicionais – remuneração por preservação e restauração florestal, que poderão ser executados pela União, estados ou municípios.

A alteração também prevê compensação a proprietários de terras privadas exploradas pelos programas jurisdicionais dentro do mercado voluntário, “na proporção dos esforços de conservação realizados”.

Os proprietários terão direito, portanto, ao “recebimento de receitas proporcionais ao remanescente de vegetação existente na área, inclusive a título de Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal, nos termos da legislação ambiental geral”.