A mina de Greenbushes é uma das maiores e mais antigas fontes de lítio do mundo. Localizada no Sudoeste da Austrália, a extração ocorre principalmente do espodumênio, um mineral rico em lítio.
A mineração é feita a céu aberto, gerando desníveis na superfície à medida que a extração das rochas vai sendo realizada (figura 1).
A planta de processamento de Greenbushes consegue produzir concentrado de lítio com teor de 6% de óxido de lítio, que é o padrão da indústria. Este concentrado é transportado de caminhões até o Porto de Banbury, a aproximadamente 80 km de distância.
São 130 viagens de caminhão por dia necessárias para suportar a produção atual da mina de 1,5 milhão de toneladas de concentrado por ano (The West Australian, 2024).
A perspectiva é que a produção supere 2 milhões de toneladas e o número de movimentos de caminhões salte para 200 ou mais por dia, conforme a demanda por veículos elétricos aumente.
Em alguns casos, o concentrado também pode ser transportado para o Porto de Fremantle, na cidade de Perth, localizado a 250 km da mina, que possui maior capacidade de escoamento.
Da Austrália para o mundo, em especial para China
Grande parte do concentrado de espodumênio australiano vai para refinarias na China, o maior importador e refinador de lítio do mundo, onde será processado para a produção de hidróxido e carbonato de lítio, usados em baterias. Dependendo do destino, as rotas marítimas podem variar, mas os portos chineses de Shanghai, Tianjin e Guangzhou são destinos comuns.
Da Austrália para a China, o concentrado de lítio seguirá em uma viagem de navio de pouco mais de 5.000 milhas náuticas (próximo dos 10.000 km) que leva, em geral, entre 15 e 20 dias apenas para a travessia marítima, dependendo do porto de destino e da velocidade do navio.
Os navios mais utilizados para transportar o concentrado de espodumênio da Austrália possuem capacidade de transporte entre 50.000 e 80.000 toneladas de carga a granel.
Após o desembarque nos portos de Shanghai, Tianjin ou Guangzhou, o concentrado de espodumênio é transportado para refinarias especializadas localizadas em várias partes da China. O transporte é feito principalmente por caminhões ou trens, dependendo da localização da refinaria e da proximidade com o porto.
As maiores refinarias de lítio da China estão localizadas nas províncias e regiões industriais como Jiangxi, Sichuan, Hunan e Shandong. Essas províncias distam de 400 a 2.000 km dos principais portos chineses que recebem o espodumênio.
As refinarias transformam o concentrado mineral em hidróxido e carbonato de lítio, que podem ser utilizados diretamente em baterias e outras aplicações industriais.
O refino é bastante intensivo em energia, cuja intensidade de carbono pode variar significativamente de uma empresa para outra. Grande parte do carbonato e hidróxido de lítio refinado é então enviado para fábricas de baterias localizadas na China, além de abastecer outros mercados.
Enquanto isso, no Chile…
O Chile, segundo maior produtor de lítio do mundo, abriga no Salar de Atacama uma das maiores e mais ricas fontes de salmouras de lítio, que distam 250 km do Porto de Antofagasta, principal ponto de exportação chileno de lítio. Diferentemente de outros países, que extraem lítio de rochas duras como o espodumênio (exemplo da Austrália), o Chile produz lítio a partir de salmouras subterrâneas.
Essas salmouras são bombeadas para a superfície e evaporadas naturalmente, aproveitando-se do sol, concentrando o lítio e facilitando sua extração e conversão à carbonato e hidróxido de lítio.
Estudo de LAGOS et al (2024) estima que a pegada de carbono de uma tonelada de carbonato de lítio produzido a partir de espodumênio é até 5 vezes maior do que a da produção derivada da salmoura de dois grandes projetos no Chile que foram alvos do estudo.
Assim, usar lítio derivado da Austrália ou do Chile tem uma enorme diferença em relação às emissões de gases de efeito estufa (GEE), ainda que o Chile esteja ao dobro da distância náutica da China em comparação à Austrália. Mesmo na Austrália o espodumênio pode ser convertido em carbonato e hidróxido de lítio e estes terão intensidade de emissões de GEE diferentes daqueles produzidos no Chile ou em qualquer outro lugar do mundo.
O lítio veio da Austrália ou do Chile (ou de algum outro lugar)? Foi transportado como (caminhão, trem)? Foi refinado em qual local? Com qual tecnologia? Usou eletricidade da rede? Que impactos trouxe para as regiões produtoras?
Imagine essas mesmas perguntas para cobre, cobalto, manganês, alumínio, entre outros elementos. A complexa teia de tipos de processos, transportes, origens, fluxos logísticos e impactos ambientais dificulta quantificar o real impacto das baterias lítio utilizadas em veículos eletrificados.
O passaporte das baterias da União Europeia
Na tentativa de abordar os desafios sobre os impactos causados pela fabricação das baterias diante de um consumo exponencial, a União Europeia (EU) está desenvolvendo o conceito de “passaporte das baterias”, uma iniciativa que visa rastrear a sustentabilidade e a pegada de carbono de baterias durante todo seu ciclo de vida.
Esse passaporte incluirá informações sobre a origem dos materiais e o impacto ambiental da produção. O objetivo é garantir que as baterias utilizadas na Europa atendam a padrões ambientais rigorosos, promovendo a transparência e a responsabilidade na cadeia de suprimentos.
A iniciativa europeia é importante não apenas para reduzir a pegada de carbono das baterias de lítio, mas também para incentivar práticas mais sustentáveis na extração, processamento e transporte do lítio e demais componentes das baterias.
Na medida que a demanda por veículos elétricos e tecnologia sustentável aumenta, a capacidade da Europa de monitorar e certificar a sustentabilidade de suas fontes de energia se torna essencial. Isso vale para qualquer país.
No primeiro artigo dessa série, indicou-se que a pegada de carbono de uma bateria pode variar, literalmente, “do 8 ao 80”, a depender do tipo de célula, dos elementos químicos, da tecnologia aplicada, da escala de produção e, entre outros, da origem dos seus insumos.
A falta de padronização e transparência nas informações sobre a pegada de carbono das baterias tem sido um obstáculo significativo para formulação de políticas de incentivo aos veículos elétricos.
Consumidores, fabricantes e reguladores frequentemente enfrentam dificuldades para comparar e avaliar corretamente o desempenho ambiental das baterias, o que pode afetar a tomada de decisões informadas e a eficácia das políticas públicas.
Nesse contexto, o passaporte de baterias europeu surge como uma resposta promissora, apesar dos desafios. O sistema que está sendo articulado propõe uma abordagem padronizada para coletar, calcular e comunicar dados sobre a pegada de carbono e outros impactos ambientais das baterias.
Ao estabelecer diretrizes comuns e transparentes, o passaporte de baterias facilita a comparação entre diferentes produtos, promove a inovação em práticas sustentáveis e ajuda legisladores e consumidores a fazerem escolhas mais assertivas.
Além de padronizar as informações sobre a pegada de carbono, o passaporte de baterias europeu também pode desempenhar um papel crucial na promoção da sustentabilidade ao longo do ciclo de vida das baterias. Ao incentivar práticas de produção mais limpas, eficiência no uso de recursos e reciclagem adequada, ele não apenas reduzirá as emissões de carbono associadas às baterias, mas também contribuirá para uma economia circular mais robusta e resiliente.
O passaporte de baterias da União Europeia é uma iniciativa concebida para provocar uma mudança significativa na indústria das baterias.
Cada bateria que entrar no mercado europeu terá um número de série exclusivo, a data em que foi produzida, seu tipo, composição química, detalhes do fabricante e métricas de desempenho. Sua implantação está a caminho.
Em 2025, os fabricantes de baterias da UE deverão validar a sua pegada de carbono através de um terceiro independente e esses dados devem estar acessíveis on-line.
Em 2027, todos os veículos elétricos, meios de transporte leves e baterias industriais (> 2 kWh) vendidos na UE serão obrigados a ter passaportes de bateria exclusivos.
A partir de 2028, as baterias precisarão passar por uma avaliação abrangente de sustentabilidade para cumprir os limites de pegada de carbono. A avaliação deve incluir documentos técnicos que especifiquem porcentuais de cobalto, lítio e níquel provenientes de materiais reciclados.
“Prezado sr. Lítio, estou vendo aqui no seu passaporte que nascestes na costa oeste da Austrália, passastes pelo interior do território chinês e que agora deseja adentrar na UE com outros familiares (cobalto, níquel…). Precisaremos revisar a sua bagagem e o seu histórico de vida antes de liberar o visto, o que levará algum tempo”.
REFERÊNCIAS
Battery Pass Consortium. Showcasing the value of the EU battery passport. Disponível em: <http://thebatterypass.eu/resources/>. Acessado em outubro de 2024.
European Commission (2023a): Regulation (EU) 2023/1542 of the European Parliament and of the Council of 12 July 2023 concerning batteries and waste batteries, amending Directive 2008/98/EC and Regulation (EU) 2019/1020 and repealing Directive 2006/66/EC. Disponível em: <https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:32023R1542>. Acessado em outubro de 2024.
LAGOS, G.; CIFUENTES, L.; PETERS, D.; CASTRO, L.; VALDÉS, J. M. Carbon footprint and water inventory of the production of lithium in the Atacama Salt Flat, Chile, Environmental Challenges, Volume 16, 2024, 100962, ISSN 2667-0100, https://doi.org/10.1016/j.envc.2024.100962.
TALISON LITHIUM. The Greenbushes Lithium Operation. Disponível em: <https://www.talisonlithium.com>. Acessado em outubro de 2024.
The West Australian, 2024. Call on reopening disused Greenbushes-Bunbury rail link revised to second quarter of mid-2025. Disponível em: <https://thewest.com.au/business/mining/call-on-reopening-disused-greenbushes-bunbury-rail-link-revised-to-first-quarter-of-2025-c-16330667>. Acessado em outubro de 2024.