Foz do Amazonas

Ambientalistas pedem suspensão de leilão da ANP e preparam ação judicial 

Ambientalistas alegam riscos para áreas ambientalmente sensíveis, como Foz do Amazonas e Potiguar. Governo afirma cumprir regras ambientais e minimiza ação, enquanto organizações prometem ação judicial

Marina Silva e Rodrigo Agostinho participam da 144ª Reunião Ordinária do Conama, em 27 de novembro de 2024 (Foto Vinícius C. Vieira/MMA)
Marina Silva (Rede) e Rodrigo Agostinho participam da 144ª Reunião Ordinária do Conama, em 27 de novembro de 2024 (Foto Vinícius C. Vieira/MMA)

BRASÍLIA – Ambientalistas e organizações da sociedade civil, integrantes do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), encaminharam um manifesto a vários órgãos federais esta semana, no qual pedem a suspensão imediata do próximo leilão de petróleo, marcado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para 17 de junho

Elas pedem a exclusão definitiva de blocos marítimos em áreas de maior sensibilidade ambiental, com base em manifestações internas da área ambiental do governo Lula. Além da Foz do Amazonas, a disputa ocorre em outras frentes exploratórias na Margem Equatorial.

O documento é endereçado ao presidente Lula (PT), à ministra do Meio Ambiente e presidente do Conama, Marina Silva (Rede), ao ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), à diretora-geral da ANP, Patrícia Baran, e à diretora executiva da COP30, Ana Toni.

Foi apresentado na semana passada em reunião do Conama, ao secretário-executivo de Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, e ao presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho.

A área de energia do governo rebate as alegações: os blocos em oferta passaram pelos ritos ambientais necessários, inclusive nas bacias de maior sensibilidade ambiental.

Litigância ambiental 

O diretor Técnico da Arayara, Juliano Bueno, afirmou que a entidade vai entrar na Justiça contra o leilão. 

A ANP alega que não foram listados no manifesto as áreas prioritárias para a biodiversidade marinha e costeira, o que deve ocorrer quando a Arayara der início ao litígio. 

Há anos, os leilões de petróleo são alvo de ações judiciais, não apenas por razões ambientais. Mesmo com vitórias pontuais, as concorrências acabam ocorrendo.

Desta vez, a Arayara conta com um parecer interno da ambiental do governo pedindo a exclusão de todos os blocos marítimos da Bacia Potiguar, no Rio Grande do Norte. As áreas foram mantidas pela ANP, com apoio do MME.

Dois pareceres de janeiro e março pediram a exclusão dos 31 blocos, inicialmente disponíveis na oferta permanente de áreas de exploração. Após a etapa de manifestações de interesse, 16 deles estarão disponíveis na concorrência.

O grupo é formado por quadros do Ministério do Meio Ambiente, Ibama e ICMBio. O grupo concluiu que as áreas ameaçam ecossistemas sensíveis, como a Cadeia de Fernando de Noronha, montes submarinos que se estendem do litoral do Ceará até até o arquipélago de mesmo nome em Pernambuco.

Pela legislação dos leilões, as áreas podem entrar nos leilões de petróleo, desde que possuam aval do MME e MMA, o que foi feito em 2020 e tem validade de cinco anos, portanto a tempo da concorrência de junho.

“Os blocos foram objeto recente de consulta e audiência pública e tiveram seus instrumentos aprovados pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Portanto, não se trata de uma iniciativa nova ou inesperada”, diz o MME sobre todas as áreas em oferta.

“É importante destacar que manifestações semelhantes à divulgada hoje [semana passada] por parte de organizações da sociedade civil costumam ocorrer às vésperas de leilões e já foram enfrentadas anteriormente, sem que tenham prosperado”, diz a pasta.

A oferta de blocos é uma etapa inicial, e questões socioambientais serão analisadas detalhadamente no licenciamento, para garantia da legalidade e equilíbrio entre desenvolvimento e proteção ambiental.

Foz da Amazonas está pendurada em licença para a Petrobras

Bueno também destaca a pressão que vem sendo exercida pelo governo sobre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para a liberação da licença para a perfuração de poço exploratório, pela Petrobras, no bloco FZA-M-59.

“Eu acho que ele [Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama] vai licenciar. Eu tenho dúvidas se ele vai suportar essa pressão e, caso ele negue, a chance de ser substituído por outro, é bem grande”, acredita.

Para o diretor da Arayara, a estrutura que a Petrobras montou em Oiapoque não garantiria o atendimento de urgência ambiental severa. Uma simulação está sendo preparada pela organização e será apresentada em ação civil pública. 

O documento cita análise técnica feita pelo instituto Arayara, por meio do Monitor Amazônia Livre de Petróleo e Monitor de Energia ao apontar que a oferta de vários blocos conflitam com a proteção ambiental e impactam sobre povos tradicionais.

O que está em oferta?

  • O próximo leilão de concessão por meio da oferta permanente vai ofertar 151 blocos em terra, sendo 47 em águas profundas da Foz do Amazonas. Petrobras aguarda há dois anos a licença para o projeto mais recente de perfuração na região;
  • Pelotas, na costa do Rio Grande do Sul e destaque do leilão anterior, de 2023, terá 34 blocos. A região nunca teve um processo de licenciamento de perfuração concluído;
  • Potiguar, no Rio Grande do Norte, tem 16 blocos. Mesma região já foi ofertada, sem sucesso. Em outra região, próxima, Ibama emite licenças, mas resultados dos poços da Petrobras não são promissores;
  • Santos, no Rio de Janeiro e São Paulo, tem 54 blocos. É a principal província offshore, junto com a Bacia de Campos.
  • Em terra, o interesse inicial ocorreu apenas em setores da Bacia do Parecis, entre os estados de Mato Grosso e Rondônia; são 21 blocos. Estudos da ANP identificaram o potencial, mas também se trata de uma nova fronteira.

Vaivém ambiental e potencial geológico ditam ritmo de leilões

A quantidade de blocos em águas profundas na Bacia Potiguar foi reduzida de 31 para 16 por falta de interesse das petroleiras. A região foi incluída no leilão de 2023, sem receber nenhuma oferta. 

A oferta permanente funciona como um funil. Em etapas da seleção de áreas para o leilão, ANP recebe informações dos agentes sobre o interesse nos setores, não blocos específicos, por questões comerciais. Para junho, os 16 blocos estão concentrados no SPOT-AP1 (setor da Potiguar, em águas profundas, 1).

De 2023 para cá, a Petrobras voltou a perfurar no offshore da Bacia Potiguar, após quase uma década desde a primeira investida na região. O projeto ficou engavetado, mesmo com a demonstração da viabilidade ambiental da Bacia na Margem Equatorial. 

O Ibama licenciou a perfuração em 2013 e voltou a emitir licenças no fim de 2023 e 2024. A companhia chegou a encontrar indícios de petróleo, mas a região não se demonstrou promissora. “Tais descobertas ainda merecem avaliações complementares”, disse o último comunicado sobre os poços. 

Ainda há grande interesse geológico, contudo, pela bacia da Foz do Amazonas, onde estão em 47 dos 151 blocos em oferta. A licença para perfuração pela Petrobras no FZA-M-59 tende a disparar o interesse de outras petroleiras na região. A primeira onda de contratações ocorreu há uma década, mas nenhum poço foi viabilizado, sem o aval do Ibama.

“Este bloco [FZA-M-59], em particular, tem sido alvo de reiterados pareceres contrários do Ibama, que, em virtude da sensibilidade ambiental da área, considera a região como de extrema vulnerabilidade ecológica”, diz o manifesto apresentado no Conama.

O manifesto também cita a ausência da análise de impacto ambiental e social (AAAS) e aponta “alto risco jurídico” para empresas investidoras, considerando que a continuidade do processo de licenciamento, nas condições previstas, representa uma ameaça ao cumprimento das exigências legais e ambientais.

O Supremo Tribunal Federal (STF) e a Advocacia-Geral da União (AGU), além da própria consultoria jurídica do Ibama, já pacificaram o entendimento sobre o tema: a AAAS não é obrigatória para a inclusão dos blocos na licitação. 

Basta a manifestação conjunta do MMA e MME, que no caso da Foz do Amazonas, vence logo após a data do leilão, em junho.

“Depois do leilão, todos os estudos em vigência estarão vencidos. Tem um monte de bloco que está sendo oferecido que não tem estudo nenhum”, critica Bueno.

A ANP informou que para as áreas em que os “estudos multidisciplinares de avaliações ambientais de bacias sedimentares”.

FUP é à favor da exploração, contra leilão

Favorável à abertura da fronteira exploratória, a Federação Única dos Petroleiros (FUP) se posicionou contra o leilão. Para a entidade, que representa os trabalhadores do setor, a medida traz preocupações sobre a entrega de recursos estratégicos a empresas estrangeiras.

“O Ibama nega licença para a Petrobras e, na sequência, a ANP libera a margem equatorial para a atuação de petroleiras estrangeiras. Este é um absurdo que ameaça a soberania energética nacional”, diz o coordenador-geral da FUP, Deyvid Bacelar.

Bacelar também destaca que a perfuração do poço pioneiro é apenas o primeiro passo de um processo que leva de cinco a seis anos até o início da produção, e que a exploração pela Petrobras é estratégica.

A entidade sindical também destacou o declínio da produção do pré-sal a partir de 2032 e a necessidade de reposição de reservas.

“O Ibama não tem a prerrogativa de decidir se o Brasil deve ou não explorar petróleo – essa é uma atribuição do CNPE. O papel do Ibama é determinar a melhor forma de exploração, garantindo que os impactos ambientais sejam minimizados e que a atividade ocorra com segurança para o meio ambiente e para as pessoas”, pontua Bacelar.

Inscreva-se em nossas newsletters

Fique bem-informado sobre energia todos os dias