Análise

Litígios tributários e aduaneiros entram no 'Desenrola das agências'

Ao decidir pelo veto parcial a um dos artigos da Lei da Reoneração Gradual (14.973/2024), o Palácio do Planalto preservou, dentro do escopo do programa “Desenrola das agências reguladoras”, o mecanismo de transação no contencioso tributário “de relevante e disseminada controvérsia jurídica”.

O instrumento de conciliação para recuperação de débitos inscritos em dívida ativa é previsto pela Lei 13.988/2020 (texto convertido da MP do Contribuinte Legal, editada no governo Jair Bolsonaro em 2020) e foi atualizado pela Lei da Reoneração Gradual a fim de incluir as agências reguladoras e fundações públicas federais.

As negociações alcançam, por adesão, pessoas jurídicas inscritas no Cadin em virtude de litígios aduaneiros ou dívidas tributárias — desde que a inscrição, a cobrança e a representação da dívida ativa estejam sob incumbência da Advocacia-Geral da União (AGU) ou da Procuradoria-Geral do Banco Central.

Para que isso ocorra, Receita Federal e Procuradoria-Geral da Fazenda (PGFN) precisam emitir manifestações prévias favoráveis à mediação — ou seja, antes da publicação do edital pelo Fisco.

O objetivo é comprovar que a causa é de relevância e disseminada controvérsia jurídica.

São temas, considerando a natureza jurídica, permeados por divergência de entendimentos nas instâncias administrativa ou judicial, o que produz efeitos significativos para os contribuintes em geral de um determinado setor econômico ou produtivo.

“A proposta de transação deverá, preferencialmente, versar sobre controvérsia restrita a segmento econômico ou produtivo, a grupo ou universo de contribuintes ou a responsáveis delimitados, vedada, em qualquer hipótese, a alteração de regime jurídico tributário”, diz trecho da Lei 13.988/2020.

Quase meio trilhão de reais regularizados desde 2020

A política de transação tributária é uma ferramenta importante, não só por mirar débitos considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação, mas também por auxiliar na composição da arrecadação federal de maneira rápida e objetiva.

Segundo estudos do Núcleo de Tributação do Insper, R$ 466,6 bilhões foram regularizados nos últimos anos (valor total de créditos que foram objeto de transação tributária), basicamente desde que a MP do Contribuinte Legal foi editada no governo anterior.

Para o ano de 2024, a expectativa é de que aproximadamente R$ 46 bilhões sejam recuperados.

Com a inclusão das agências e fundações públicas federais na Lei 13.988/2020, o governo espera que mais acordos possam ser celebrados, também no contencioso administrativo.

Um dos setores econômicos mais suscetíveis é o de óleo e gás. Grande parte da dívida ativa abrangida pelo novo modelo transacional está concentrada, por exemplo, na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

Somente a Petrobras, maior petrolífera nacional, tem 209 processos de cobrança, de diversos tipos, em tramitação na entidade regulatória, segundo pesquisa realizada em dados públicos, fornecidos pela ANP. Os registros com parcelamento em andamento não fazem parte da lista.

Tipificação

Diz o artigo 22 da Lei 13.988/2020, com redação atualizada pela Lei da Reoneração Gradual a fim de estender às agências e fundações públicas a ferramenta da “transação por adesão no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica”.

“(…) O disposto neste capítulo também se aplica, no que couber, à dívida ativa das autarquias e das fundações públicas federais cujas inscrição, cobrança e representação incumbam à Procuradoria-Geral Federal e à Procuradoria-Geral do Banco Central e aos créditos cuja cobrança seja competência da Procuradoria-Geral da União.”

A tipificação dada pelo texto legal é atribuída à demanda que, via de regra, ultrapassa os “interesses subjetivos da causa”, de acordo com o direito tributário.

Portanto, são litígios de extrema relevância, do ponto de vista do ordenamento jurídico, social e econômico, que estão acima dos interesses dos litigantes.

A interpretação do que é juridicamente controverso caberá à Receita, no âmbito do contencioso administrativo, e à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), nas demais hipóteses legais. São os entes públicos responsáveis pelas negociações e pela celebração dos acordos. Por sua vez, ato disciplinador da transação fica a cargo da AGU, conforme estabelecido pela Lei 14.973/2024.

Em maio deste ano, por exemplo, a Receita lançou edital sobre transação por adesão no contencioso tributário. Na ocasião, as negociações envolviam os débitos decorrentes de exclusões de incentivos e benefícios fiscais ou financeiros referentes ao ICMS da base de cálculo do IRPJ/CSLL — feitas em desacordo com a Lei nº 12.973/2014.

Projeto cria central de cobranças

As multas vencidas e outros débitos no âmbito das entidades regulatórias têm enquadramento alternativo dentro do “Desenrola das agências”.

Esses acordos também podem ser celebrados pela “Central de Cobrança e Regularização de Dívidas Federais Não Tributárias”, por meio de proposta da Procuradoria-Geral da União.

O novo órgão de conciliação, criado pela Lei 14.973/2024, tem previsão normativa para “praticar atos destinados à tentativa de recebimento ou negociação de débitos”.

AGU recomendou veto

O trecho sobre transação tributária foi o único que sobreviveu ao veto do presidente Lula no capítulo que criava, dentro do “Desenrola das agências”, as chamadas “Centrais de Cobrança e Negociação” (responsáveis pela transação de créditos não tributários).

A justificativa do Planalto para o veto, publicado na terça-feira (17/9), é a de que o texto aprovado já apresentava artigo semelhante, com a mesma finalidade e sem interferência direta na organização da administração pública federal. Foi uma recomendação da própria AGU.

Essa e outras medidas fazem parte de um esforço negociado entre Senado e governo para cobrir o rombo provocado pela desoneração da folha de pagamento de 17 setores e municípios (R$ 18 bilhões apenas em 2024).

Um pacote de soluções, do qual o “Desenrola das agências” faz parte, foi costurado depois da ordem do Supremo Tribunal Federal para que o Congresso definisse a compensação da renúncia.