Política energética

Governo recua e carvão ganha sobrevida com Lula, do Nordeste ao Sul

Vista aérea das instalações e chaminés do Complexo Termelétrico Presidente Médici (Candiota 3), da CGTEE, em Candiota, no Rio Grande do Sul, mais antiga usina a carvão do país (Foto Eduardo Tavares/PAC)
Complexo Termelétrico Presidente Médici – Candiota 3, a mais antiga usina a carvão do país | Foto Eduardo Tavares/PAC

BRASÍLIA — Menos de um ano após vetar a recontratação de térmicas a carvão nacional, incluída pelo Congresso Nacional no marco das eólicas offshore, o governo Lula decidiu sancionar nesta terça (25/11) uma nova alternativa para manter a geração e os contratos para mineração até 2040.

Contrariando a área ambiental do governo, consumidores de energia e ambientalistas, a lei 15.269/2025 (MP 1304) garante a assinatura de um novo contrato de reserva de capacidade para a usina de Candiota 3, da Âmbar Energia — empresa dos irmãos Joesley e Wesley Batista.

Mesmo sem contrato de venda de energia, Candiota 3 de 350 MW, já vinha operando no mercado de curto prazo. A nova lei contempla apenas usinas com carvão nacional, suprimento subsidiado integralmente pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). O subsídio foi de R$ 79 milhões este ano, até outubro. Em 2024, contratada, consumiu R$ 151 milhões.

A CDE se aproxima dos R$ 50 bi por ano. A queixa de consumidores e geradores concorrentes, contudo, se dá pela decisão política de renovar contratos que, sabidamente, tinham prazo para acabar.

Os novos contratos deverão garantir uma geração inflexível suficiente para sustentar as compras de carvão. Pesou a articulação de políticos locais e bancadas da região Sul no Congresso.

No Nordeste, térmicas a carvão importado, que não são beneficiadas pela lei, poderão concorrer no leilão de reserva de capacidade previsto para o início de 2026. São 1,4 GW registrados.

A fonte foi incluída pelo Ministério de Minas e Energia (MME) sob a justificativa de que é preciso aproveitar todos os recursos disponíveis no país — há um déficit de potência no horizonte de curto prazo.

Candiota 3 está no Rio Grande Sul, estado deixado de fora de uma lei de 2022, sancionada por Jair Bolsonaro (PL) para Santa Catarina, onde está a Jorge Lacerda, à época, vendida pela Engie para a Diamante Energia. A empresa assinou o novo contrato em julho deste ano.

No Paraná, a Copel decidiu paralisar a operação da termelétrica de Figueira e pediu ao Ministério de Minas e Energia (MME) para devolver a outorga, no fim de 2023, quando foi encerrado também o contrato de suprimento de carvão. A empresa decidiu descarbonizar o portfólio e não tem interesse em retomar a operação.

Na região gaúcha, opera a Pampa Sul, vendida pela Engie para fundos com participação da Perfin e do BTG Pactual. Tem contrato desde 2019, por 25 anos e não se enquadra nas condições de renovação da nova lei.

Restou a Candiota 3, que teve seu contrato encerrado no fim de 2024 e contava com a recontratação sob os termos do marco das eólicas offshore para prolongar suas atividades até 2050. O texto foi aprovado com amplo apoio no Congresso Nacional, com 40 votos no Senado, e apoio do presidente Davi Alcolumbre (União/AP).

Mas em janeiro, Lula vetou, sob a justificativa de impactos nos “preços das tarifas de energia, a serem custeados pelos consumidores residenciais e pelo setor produtivo”.

E no clima: “as contratações de usinas de fontes fósseis não são compatíveis com os compromissos internacionais assumidos pelo país, bem como com as políticas públicas voltadas à transição energética, à mitigação das mudanças climáticas e à descarbonização da matriz energética brasileira.”

Dez meses depois, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), justificou que o Brasil já é líder em renováveis, na energia e transportes. “É importante destacar que ainda precisamos destas fontes energéticas para poder dar segurança energética ao sistema”, disse na segunda (24/11), em entrevista ao Roda Viva.

A saga de Candiota envolveu o pedido do governador Eduardo Leite (PSD) ao governo Lula para edição de uma medida provisória. A recontratação mobilizou parlamentares da base, a exemplo do ex-ministro Paulo Pimenta, do PT do Rio Grande do Sul.

Fernando Zancan, presidente da Associação Brasileira do Carbono Sustentável (ABCS), que atua há mais de cinco anos pela extensão dos contratos das usinas, afirma que a sanção dá condições para a região desenvolver um plano de redução das emissões.

“Agora temos um marco legal que permite pensar o futuro, correr atrás de tecnologias para neutralizar os gases do efeito estufa — e não é só o carbono. Como está andando muito rápido na China, talvez a gente consiga [acelerar no Brasil]”.

O executivo esteve no país asiático, este ano, para conhecer soluções que alinham a indústria carbonífera à produção de fertilizantes. Por aqui, afirma, o próximo passo vital é financiar a captura de carbono.

“Isso tem que vir à tona, no mundo e no Brasil. A regulamentação está em consulta pública, mas precisamos entrar na discussão do financiamento”, diz.

A transição justa para a região passa ainda pelo agro, defende Zancan. Ele cita o recente projeto da Associação Beneficente da Indústria Carbonífera de Santa Catarina (SATC) com a Pampa Sul para testar a combustão conjunta de carvão mineral e biomassa.

A COPPE/UFRJ participa do projeto que terá duração de 30 meses e investimento de R$ 5,4 milhões por meio do Programa de P&D da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

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