Gás Natural

Fertilizantes e química lideram agenda do gás no novo governo

É a hora de rever o Novo Mercado de Gás? Grupo industrial prepara agenda política para o uso do gás natural como matéria-prima 

Fertilizantes e química lideram agenda do gás no novo governo Lula. Na imagem: Ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin (PSB) e presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – propostas de reindustrialização do país passam pelo gás natural (Foto: Ricardo Stuckert/PR)
Ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin (PSB) e presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – propostas de reindustrialização do país passam pelo gás natural (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

RIO – Completado um mês do novo governo, o grupo empresarial que colocou novamente de pé a articulação por um mercado de gás natural ancorado no desenvolvimento das indústrias de fertilizante e química lidera as articulações com a equipe econômica de Lula (PT).

A começar pelo acesso: batizada de Coalizão pela Competitividade do Gás Natural Matéria-Prima, o grupo de agentes teve prioridade na entrega de suas propostas para os ministros de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD); da indústria e Comércio, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB).

Integrante do grupo, a Abiquim (indústria química) também encontrou com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), com o gás natural na pauta.

  • Há duas semanas, o político epbr detalhou a agenda do gás matéria-prima apresentada ao governo Lula. O político epbr é um serviço de cobertura exclusiva para empresas do setor de energia: conheça em politico.eixos.com.br.

O giro nos ministérios, no intervalo de três semanas após o 8 de Janeiro, entregou uma agenda preliminar com foco nos três gargalos do setor: o preço para viabilizar projetos industriais; a disponibilidade do energético; e, portanto, a expansão da malha de gasodutos.

“A coalizão está na fase final de contratação de um amplo estudo, vamos analisar tudo isso, e propor políticas públicas, focando no gás natural [como] matéria-prima para indústria”, afirma David Roquetti Filho, assessor da presidência da Abemi (Associação Brasileira de Engenharia Industrial), que coordena os trabalhos.

Roquetti Filho atuou no setor de fertilizantes e participou das discussões, ainda no governo de Jair Bolsonaro (PL), do Plano Nacional de Fertilizantes (PNF), uma resposta à demanda do mercado – e incluiu o agronegócio – pela substituição de importações, na esteira da invasão da Ucrânia pela Rússia.

A coalizão reúne a indústria química, representada pela Abiquim. E em razão de interesses em comum, atraiu a Abegás (distribuidoras de gás canalizado), a TGBC (transportadora do gasoduto Brasil Central, a CNT (transportes) e o governo de Sergipe, além da ONIP (Organização Nacional da Indústria de Petróleo) e ABDIB (Associação Brasileira das Indústrias de Base).

O grupo é heterogêneo e alguns agentes ouvidos pela epbr citam que o primeiro passo é garantir a conclusão da planta de Três Lagoas (MS), da Petrobras e que a companhia tentou duas vezes vender, sem sucesso.

Outra prioridade de parte dos agentes é a fábrica de amônia de Uberaba, em Minas Gerais, um antigo projeto da Petrobras, que a companhia abandonou e há interesse privado em retomar. Precisa do gasoduto, que está no traçado do Brasil Central.

Em nota, a coalização reforçou que, como posicionamento do grupo de trabalho, “em nenhum momento definiu prioridades de locais de implantação de unidades industriais, mas apenas informou o local atual das plantas em operação, paralisadas ou no papel”.

“Vale também destacar que a CCGNMP é um grupo de trabalho técnico-institucional e apartidário e, assim, não se manifesta sobre temas partidários e tomadas de decisões sobre investimentos individuais, públicos ou privados”.

O Brasil Central é um projeto da Termogás, do empresário Carlos Suarez, para construir um gasoduto interligando o Gasbol (Bolívia-Brasil), desde São Carlos (SP) até Brasília.

É da década passada, mas voltou à ordem do dia com a privatização da Eletrobras, em que a contrapartida do Congresso Nacional, aprovada com apoio do governo Bolsonaro, foi o programa de contratação de térmicas na base em regiões ainda sem acesso a gás natural.

“Interiorização, aumento da infraestrutura, diminuição da reinjeção [de gás natural] e o estabelecimento de uma prioridade para o mercado de fertilizantes nitrogenados e químicos. E o estímulo à competição de preços com [oferta] de gás nacional”, enumera o presidente-executivo da Abegás, Augusto Salomon, que tem participado das reuniões.

Em Sergipe, está a grande fonte de gás novo que chegará ao mercado brasileiro. Ao contrário do pré-sal, são reservas majoritariamente de gás e condensado, a parcela “úmida” de grande valor para a indústria.

Desde a aprovação da Lei do Gás, sob relatoria do então deputado federal Laércio Oliveira (PP), que tomou posse ontem (1/2) como senador por Sergipe, o estado participa ativamente das discussões.

É representado por Marcelo Menezes, superintendente da secretaria de Desenvolvimento do estado, que trabalhou na elaboração do PL do Profert (fertilizantes) e do Proescoar (escoamento de gás offshore), dois projetos protocolados por Laércio Oliveira na Câmara dos Deputados.

Para a CNT, o interesse é reduzir a exposição do setor de transportes ao diesel. Estamos entrando no terceiro governo que discute internamente o gás natural e o biometano como alternativas para deslocar o diesel, em uma agenda econômica (redução de custos) e ambiental (menores emissões).

Um plano estruturado para os corredores verdes (biometano) ou azuis (com gás ou GNL) ainda não saiu do papel.

São peças do quebra-cabeça que tem sido apresentado aos ministros de um governo em que o tema esteve no discurso de posse. “Não faz sentido importar combustíveis, fertilizantes, plataformas de petróleo”, discursou Lula no plenário do Congresso Nacional em 1º de janeiro.

E na prática, representa trazer de volta para prancheta as diretrizes do Novo Mercado de Gás, o guarda-chuva da tentativa do ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, de dar um “choque de energia barata”, mas sem investimentos estruturantes guiados por iniciativas estatais e com redução da participação da Petrobras na cadeia do gás.

O descontrole do câmbio, agravado pela pandemia e pela guerra na Europa, com a crise inflacionária global que se sucedeu, enterrou a expectativa criada por Guedes de derrubar pela metade os preços do gás natural no Brasil.

Essa política, do choque liberal, teve amplo apoio de entidades como o IBP (produtoras de gás) e Abrace, dos grandes consumidores de energia, que criaram o Fórum do Gás, para reunir outras entidades e fortalecer a interlocução com governo e Congresso Nacional.

Sobre mudanças no marco legal, a coalização afirma que “é fundamental destacar que não há qualquer discussão acerca de revisões ou adendos a Lei do Gás”.

E reitera que “o foco da CCGNMP é a diminuição da reinjeção do gás natural associado para aumentar sua oferta para a indústria em quantidade suficiente e a preço competitivo, visando viabilizar novos projetos vitais para o país e retomar os paralisados e os já fechados”.

Nesse início de governo, a coalizão saiu na frente e tem visto suas ideias repetidas pelos ministros de Lula.

“Temos um déficit muito grande na questão energética no Brasil. Há realmente uma discussão sobre a política de interiorização do gás e estamos muito dedicados a esse projeto no ministério”, afirmou Alexandre Silveira na sexta (27) após participar da reunião promovida pelo Planalto com os 27 governadores.

Em discurso na Fiesp, na segunda (30/1), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou categoricamente que o Brasil desperdiça gás natural, ao reinjetar “mais do que o dobro do que o necessário para extração do óleo”.

“[Há] muito interesse no gás do pré-sal, muito interesse em viabilizar o aproveitamento do gás, que como vocês sabem está sendo reinjetado [em um volume] mais do que o dobro do que o necessário para extração do óleo”, disse. “Então nós estamos perdendo esse gás”.

A reinjeção é um capítulo à parte. Agentes públicos e privados disputam há anos a legitimidade (ou não) de as operadoras de campos no pré-sal, de gás associado ao petróleo, reinjetarem volumes expressivos para recuperar mais óleo.

A diferença agora é que a principal produtora (e reinjetora, por assim dizer, de gás natural) do Brasil é a Petrobras, sob o comando de Jean Paul Prates, ex-senador petista, que terá um papel relevante na mediação dessas disputas.

Prates já deixou claro sua oposição – e trabalhou para derrubar no Senado – políticas como a da MP da Eletrobras, com as emendas que obrigam o país a contratar térmicas para construir gasodutos.

Mas ao mesmo tempo é um defensor da Petrobras como indutora do desenvolvimento nacional e fala abertamente que o gás natural tem um papel a cumprir tanto na transição da matriz energética brasileira, como na indústria.

A dependência externa de fertilizantes

Os fertilizantes são uma peça central. “O gás natural representa 80% do custo da amônia”, resume David Roquetti Filho.

Na cadeia dos fertilizantes, o gás é matéria-prima dos nitrogenados, o “N” do composto NPK, com fósforo (P) e potássio (K) – produtos da mineração e, portanto, políticas das Minas e Energia, de Silveira. A dependência externa dos nitrogenados ultrapassa os 90%.

São cifras que ajudam a abrir as portas para discutir com o governo federal a priorização de uma agenda de substituição de importações. 

O grupo estima que o déficit comercial da indústria química, incluindo fertilizantes, bateu atingiu US$ 65 bilhões em 2022.

Foram US$ 24,7 bilhões pagos em 2022 para importar adubos e fertilizantes químicos, um crescimento de 63,5% da despesa, enquanto o volume importado recuou 8%, para 38 milhões de toneladas, que saíram 50% mais caras.

Não foi a guerra. Em 2021, os preços dos fertilizantes dobraram; outros US$ 15 bilhões gastos com importações. Nem a pandemia, a conta cresce consistentemente desde 2017.

Com a decisão de Bolsonaro de manter neutralidade em relação à Rússia, o país preservou em 2022 sua participação nos embarques para o Brasil, atendendo a cerca de 20% das importações.

O que explodiu foi a receita: US$ 5,6 bilhões pagos a fornecedores russos, 60% a mais na comparação com 2021.

A guerra de Vladimir Putin acelerou a inflação global que vinha recrudescendo com os estímulos econômicos da pandemia. A invasão da Ucrânia completa um ano agora em fevereiro.

Roquetti Filho reforça que é uma “fragilidade muito grande” para uma economia com o peso do agronegócio como a do Brasil ser tão dependente de insumos. “Somos um gigante com pés de barro”.

Para um setor que se orgulha do peso no PIB nacional, as políticas para o gás natural demonstram como a política energética está na espinha dorsal do agronegócio, passando pelo custo do diesel e pelos subsídios à eletricidade.

O interesse da indústria química

A coalizão começou a ganhar corpo em 2022 e atraiu a indústria química, representada pela Abiquim.

Nas reuniões, têm sido apresentadas estimativas de investimento bilionários que poderiam ser destravados com a chegada de gás natural do pré-sal ao mercado, cuja composição favorece a separação para insumos industriais (o gás rico).

Em ordens de grandeza, a conta é que a cada 6 milhões de m³/dia de gás rico, é possível produzir 1 milhão de toneladas por ano de insumos petroquímicos em uma planta de escala industrial, que representa investimentos de US$ 1,4 bilhão.

Principal agente do setor, a Braskem produz cerca de 3 milhões de toneladas de eteno no país, subproduto que pode ser obtido do processamento de gás natural e é cerca de 75% transformado em polietilenos.

O assunto volta à Petrobras. Nos encontros, a lista de projetos prioritários que poderiam destravar essa oferta do gás matéria-prima são todos da companhia. Alguns exemplos citados são concluir a UPGN do Gaslub (RJ), que receberá o gás do pré-sal pelo Rota 3.

Ou investir na UPGN de Caraguatatuba (SP), que recebe o Rota 1, para elevar o processamento de gás úmido do pré-sal.

Texto atualizado para corrigir o percentual de dependência externa dos nitrogenados, esclarecer que a reunião com o ministro Fernando Haddad foi apenas com a Abiquim e associados, além de incluir comentários adicionais da CCGNMP, em nota, enviados nesta quinta (2/2).