RIO – A versão final do projeto de lei do Combustível do Futuro, aprovado na Câmara dos Deputados na noite desta quarta (11/9), confirmou a opção por uma base de cálculo mais estável para o mandato de biometano – a ser cumprido pelos produtores e importadores de gás natural a partir de 2026.
O texto do PL 528/2020, que vai agora à sanção presidencial, manteve a regra introduzida no Senado, na semana passada, que considerará uma média decenal de oferta de gás natural, para efeitos do cálculo das metas de descarbonização a serem cumpridas a partir da aquisição do gás renovável.
A seguir, a agência eixos explica, em cinco pontos, como vai funcionar o mandato para o biometano, cuja criação foi comemorada por produtores do biocombustível, mas que contou com a oposição de consumidores industriais e produtores de gás – que veem na política um risco de pressão adicional sobre os custos do gás.
Da compra compulsória às metas de descarbonização
O capítulo do biometano estava fora do escopo do PL do Combustível do Futuro originalmente enviado pelo governo ao Congresso.
Ao chegar na Câmara, o PL incorporou, num primeiro momento, um programa de compra compulsória de biometano pelos produtores e importadores de gás – o relatório final, do deputado Arnaldo Jardim (Cidadania/SP), contudo, foi na direção de um programa de descarbonização para o mercado de gás via biometano.
A política foi batizada, no Congresso, então, como Programa Nacional de Descarbonização do Produtor e Importador de Gás Natural e de Incentivo ao Biometano.
Pequenos produtores estão fora das obrigações
Pela proposta, produtores e importadores de gás (seja para autoconsumo, seja para comercialização) terão de comprovar, anualmente, o cumprimento de metas de redução de emissões – a serem atingidas por meio da participação do biometano no consumo do gás.
Caberá à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) estabelecer a metodologia de cálculo de verificação da redução de emissões associadas à utilização do biometano; fiscalizar a política; e também definir os agentes obrigados.
O PL diz que deverão ser excluídos da obrigação os pequenos produtores e pequenos importadores de gás natural, nos termos da regulamentação da ANP
CNPE poderá flexibilizar mandatos
Caberá ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) definir a rampa de crescimento das metas de descarbonização, que começam em 1% em 2026 – e que não poderão exceder a 10%.
A versão final do PL também faculta ao CNPE a possibilidade de, excepcionalmente, alterar o percentual anual de redução de emissões de GEE, inclusive para abaixo de 1%, “por motivo justificado de interesse público ou quando o volume de produção de biometano impossibilitar ou onerar excessivamente o cumprimento da meta”.
Desde que o mandato seja reestabelecido após a normalização das condições que motivaram a sua alteração.
O CNPE deverá, ainda, realizar análise de impacto regulatório para definição das metas anuais.
O órgão levará em consideração aspectos como: a oferta de biometano e infraestrutura disponíveis; os benefícios da descarbonização a partir do uso do gás renovável; os compromissos internacionais de descarbonização; e também a preservação da competitividade do biometano e do gás natural frente aos combustíveis concorrentes.
O desrespeito às metas poderá resultar em multas aos agentes, no valor de R$ 100 mil a R$ 50 milhões.
Opção por um mandato mais estável
O relator do Combustível do Futuro no Senado, Veneziano Vital do Rêgo, que também é presidente da Frente Parlamentar de Recursos Naturais e Energia, introduziu, na proposta, uma regra que atrela a base de cálculo das metas de descarbonização – e, portanto, de aquisição de biometano – a uma média decenal de oferta de gás natural oriunda de produção nacional e de importação.
Foi uma tentativa de dar mais previsibilidade ao mandato, tendo em vista o caráter volátil do despacho termelétrico no Brasil.
Inicialmente, o senador havia proposto excluir da base de cálculo o volume de gás natural destinado ao “consumo flexível de usinas termelétricas” conectadas ao Sistema Interligado Nacional (SIN), mas depois recuou.
A dificuldade de compatibilizar o mandato com o comportamento volátil do mercado termelétrico foi uma preocupação levantada pela Petrobras (e demais produtores de gás) e por consumidores, nas discussões do PL no Congresso.
Para ajudar a ilustrar a questão: o consumo médio de gás natural no país no decênio 2014-2023 foi de 81 milhões de m3/dia – período em que houve episódios de variação de 20 milhões de m3/dia de um ano para outro.
A novidade dos certificados de origem
O PL diz que os agentes poderão comprovar as metas de descarbonização seja por meio da compra e consumo de biometano, seja por meio da aquisição do Certificado de Garantia de Origem de Biometano (CGOB)
Não se trata, portanto, de um mandato como o existente nos mercados de etanol e biodiesel – biocombustíveis que são obrigatoriamente misturados ao litro da gasolina e do diesel, respectivamente.
No caso do biometano, não há obrigação de injeção do gás renovável na malha de gasodutos e mistura ao gás natural, porque os compromissos poderão ser atendidos também com a compra dos certificados.
O CGOB é um certificado de rastreabilidade lastreado em volume de biometano produzido e comercializado pelo produtor do gás renovável. Será emitido por agente certificador credenciado pela ANP.
O volume de biometano utilizado para queima em flares ou ventilação não fará jus ao CGOB.
Com o certificado em mãos, o agente do mercado de gás poderá aposentar (tirar definitivamente de circulação) o papel, dentro de suas iniciativas próprias de descarbonização.
Ou também poderá negociar esse certificado no mercado, para que seja aposentado por um consumidor interessado no atributo ambiental do biometano, por exemplo.
O grande mérito desse mecanismo consiste em separar a molécula e o atributo ambiental do combustível. Assim, os produtores de biometano – os emissores primários – podem vender a molécula e assegurar uma fonte de receita adicional com a comercialização do atributo ambiental do gás renovável.
O certificado também permite ao produtor do biometano romper fronteiras geográficas e remunerar o seu gás renovável em outras praças – eventualmente sem acesso à rede de gás, por meio da comercialização do certificado de origem.
A comercialização de certificados do tipo já acontece no Brasil, mas agentes do mercado acreditam que o mecanismo tende a ganhar tração a partir de 2026, quando começam a valer as metas do Combustível do Futuro e o CBAM – o mecanismo de ajuste de carbono da União Europeia, um imposto para precificar as emissões dos produtos que são importados pelos países membros da UE.
Entre os críticos da proposta, como o Fórum do Gás, existem hoje incertezas sobre a liquidez dos certificados de origem, já que ainda não está claro como o GHG Protocol, protocolo voluntário para controle de emissões, reconhecerá o biometano no futuro