BRASÍLIA – Os setores de petróleo, energia e mineração estão longe do centro da polêmica em torno do projeto que cria a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, mas há uma preocupação quanto a vácuos que poderão ser deixados na simplificação dos processos – incluindo questionamentos judiciais.
A epbr ouviu fontes envolvidas com o tema, favoráveis e contrárias ao que está previsto no substitutivo que o relator Neri Geller (PP/MT) pretende votar esta semana.
Geller é vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e assumiu o texto este ano, após mais de dois anos de discussão na comissão que foi presidida por Kim Kataguiri (DEM/SP).
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL) chegou a afirmar que o projeto poderia ser votado nesta terça (11). Ele selecionou temas polêmicos para esta semana e ainda pretende aprovar a MP da privatização da Eletrobras na próxima semana.
Sem direção para óleo e gás
Tema permanente na agenda das operadoras de blocos e campos, o novo marco não trata diretamente de projetos ligados à exploração e produção de petróleo e gás natural.
Prevê regras mais genéricas para empreendimentos considerados de maior risco ambiental, que exigem o Estudo de Impacto Ambiental (EIA).
Mas, atualmente, as licenças para pesquisa sísmica e de perfuração de poços são específicas, com rito próprio, instituídos pelo Ministério de Meio Ambiente em 2011.
A lei geral, portanto, carece de regulamentação posterior sobre qual regra será aplicada nesses casos. E o risco para o setor é que, sem previsão específica na nova legislação, os procedimentos terminem engessados.
Segundo o relator, a legislação será mais abrangente e essas regras específicas ficarão a cargo dos entes federativos, desde que não extrapolam a nova lei geral.
“Prevalecerá o regramento atual até a previsão anterior, nos termos do artigo 4º [do substitutivo]”, disse Geller à epbr.
É o entendimento do relator anterior.
“Eu entendo que esse procedimento especial entra na liberdade do órgão licenciador”, avaliou Kim Kataguiri (DEM/SP)
“As modalidades de licenciamento a serem exigidas para cada área ou empreendimento ainda serão regulamentadas por decreto pelas próprias autoridades e entes federativos após a promulgação da legislação”, diz.
Essa abertura para que passem a valer regras de autoridades ambientais dos estados, por exemplo, é criticada por ambientalistas. Para a ex-presidente do Ibama, Suely Vaz, o texto permite uma falta de padrão de normas, deixando o setor com regras e interações diferentes com os órgãos em cada estado.
“É um tiro no pé porque fica muito na mão dos licenciadores. Não tem lista mínima nacional de EIA, não tem lista mínima do que tem licença, mandam para os licenciadores resolverem. Isso só vai gerar instabilidade jurídica. Há uma espécie de cheque em branco para o licenciador decidir o que quiser”, explicou.
Ela também avalia que o texto tem grande quantidade de uso de autolicenciamento e de isenção de licenças, o que enfraquece o combate ao desmatamento e as regras atuais do setor ambiental.
“Tudo que não tiver EIA, pode ser por LAC [Licenciamento de Adesão e Compromisso], que é praticamente automática, na internet. Dos textos que eu conheço, e estou acompanhando isso há 30 anos, é o pior”, categorizou.
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Empreendimentos em linha
O substitutivo de Neri Geller simplifica o licenciamento para construção de rodovias e dispensa a expansão de rotas que se restrinjam a faixas de servidão existentes.
São os chamados projetos “em linha”, que podem incluir linhas de transmissão de energia, minerodutos, gasodutos e oleodutos, a critério da autoridade licenciadora.
Como forma de acelerar obras de infraestrutura de transporte e transmissão de energia, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes, é um dos defensores, que participou da articulação pela medida.
A “simplificação” é o Licenciamento de Adesão e Compromisso (LAC) para instalação e ampliação de linhas de transmissão nas faixas de domínio de rodovias, por exemplo.
Na prática, o LAC permite uma autorização automática da instalação e operação da atividade ou empreendimento, caso tenha pequeno potencial de impacto ambiental – a critério da autoridade licenciadora.
O projeto de lei também exclui da necessidade de licenciamento as obras de distribuição de energia de média e baixa tensão, tanto em área urbana ou rural, geralmente usadas para distribuição de energia para consumidores residenciais e pequenos comércios.
O caso mais notório é a extensão do último trecho do Linhão de Tucuruí, para interligar Roraima ao Sistema Interligado Nacional (SIN). A linha de transmissão precisa cruzar uma reserva indígena, às margens de uma rodovia federal, para conectar Boa Vista a Manaus (AM).
“Deixando de queimar cerca de R$ 120 milhões por mês, ou um milhão de litros de óleo diesel por dia, o que, inquestionavelmente, é pior para o meio ambiente do que a instalação de uma linha de transmissão, em grande parte, às margens de uma já existente rodovia”, justifica o relator no próprio parecer do PL.
Ambientalistas veem com preocupação o uso da faixa de domínio como forma de facilitar obras de infraestrutura de forma automática.
Eles apontam a possibilidade de impactos ambientais indiretos relevantes, como a relação da melhoria de infraestrutura e o aumento do desmatamento.
Não há garantias de que apenas o mecanismo irá destravar as obras do Linhão.
O próprio relatório assegura a manifestação da Funai, por exemplo, no caso da atividade ou empreendimento existirem terras indígenas com demarcação homologada.
E há uma questão puramente econômica.
Licitado em 2011, o linhão é um projeto da Eletronorte e da Alupar (consórcio Transnorte). Com 721 quilômetros de linhas, deveria ter entrado em operação em 2015.
As empresas perderam os recursos na Aneel para elevar a receita da concessão e discutem a caducidade da concessão na Justiça.
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Licenças para óleo e gás
- A princípio, o projeto não muda o licenciamento ou a política ambiental aplicada aos investimentos em petróleo e gás no mar (offshore) – o texto utiliza a necessidade ou não de EIA como marcador de empreendimentos que podem ser simplificados.
- No caso da licença única para perfuração, a rito normal é a exigência do EIA para projetos offshore licenciados pelo Ibama. Em alguns casos, como a Petrobras que detém múltiplos projetos, as campanhas são licenciadas em bloco e não para um campo ou bloco específico.
- O licenciamento trifásico – licenças prévia, de instalação e de operação – é utilizado na instalação de novas plataformas;
- Em terra, o licenciamento é nos estados. Neste ponto, ao dar mais autonomia para as autoridades estaduais, o risco para todos os setores é a multiplicação de procedimentos e exigências diferentes no país; apesar disso, o mercado de infraestrutura vem apoiando a medida.
Agentes do mercado discutem, por exemplo, a realização de estudos ambientais prévios para definir, a nível de governo, quais serão as áreas oferecidas em leilões de petróleo.
O setor acumula regiões oferecidas em leilões da ANP onde não foi possível obter licenças para as campanhas de perfuração. A margem equatorial, especialmente a Foz do Amazonas, é o caso mais claro.
Falta de financiamento é gargalo histórico
Os obstáculos, contudo, vão além da integridade ambiental. Desde a retomada dos leilões, em 2013, o setor passou por crises e mudanças que fizeram empresas reavaliar o interesse em projeto – Lava Jato e Petrobras; recessão no mercado de óleo; covid-19; e a transição energética.
Integrantes do governo ouvidos pela epbr alertam que a criação de novas leis não serão suficientes sem a adequação do quadro de servidores dos órgãos de licenciamento.
No caso do setor de óleo e gás, por exemplo, 119 blocos offshore e 218 onshore foram contratados desde 2013.
O Ibama, responsável pelo licenciamento, carece de investimentos e da contratação de analistas e no governo Bolsonaro a área ambiental tem sido especialmente deixada de lado em troca do apoio em regiões marcadas por crimes ambientais, como a Amazônia.
Risco é parar no STF
A maior polêmica tem sido em relação ao agronegócio, que defende a simplificação do licenciamento e, entre as demandas, quer garantir o Licenciamento por Adesão e Compromisso (LAC).
Uma carta assinada por nove ex-ministros de Meio Ambiente alerta sobre os danos que podem ser causados com a aprovação do relatório atual da nova lei.
“Ao contrário do interesse maior do Brasil de promover o desenvolvimento sustentável em convergência com nossas metas de proteção da biodiversidade e de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, o projeto de lei em referência praticamente fulmina de morte um dos principais instrumentos que deveria nos guiar para alcançá-las”, disseram.
Para os ex-ministros, a proposta gera insegurança jurídica e ameaça agravar a crise econômica brasileira ao anular e flexibilizar etapas de licenciamento para uma série de empreendimentos, especialmente ligados ao agronegócio e infraestrutura.
Eles avaliam que há espaço para atualização da legislação, mas que o texto atual cria um “regime geral de exceção ao licenciamento”, com forte presença do autolicenciamento.
Assinam o documento Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krause, Izabella Teixeira, José Carlos Carvalho, José Goldemberg, José Sarney Filho, Marina Silva e Rubens Ricupero.
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