Congresso

Privatização da partilha, à vista, desconta R$ 1 trilhão em receitas da União

Análises internas do governo mostram que União pode arrecadar, em valores nominais, R$ 1,57 trilhão com venda do óleo da partilha em 30 anos

Privatização da partilha, à vista, desconta R$ 1 trilhão em receitas da União. Na imagem, Paulo Guedes e Adolfo Sachsida (Foto: MME)
Plano de privatização do óleo da União, defendido por Paulo Guedes (esquerda), avançou após chegada de Adolfo Sachsida ao Ministério de Minas e Energia (Foto: MME)

BRASÍLIA e RIO — O plano de privatização da partilha, a partir da venda antecipada do óleo da União no pré-sal, prevê um desconto de mais de R$ 1 trilhão nas expectativas de receitas de longo prazo do governo com a comercialização da parcela de petróleo ao qual tem direito nos contratos.

Análises internas do governo sobre a privatização da partilha mostram que, mesmo cercadas de incertezas, as simulações de arrecadação com a comercialização do óleo da União chegam a R$ 1,57 trilhão em 30 anos, de acordo com dos documentos obtidos pelo político epbr — serviço exclusivo de cobertura de política energética da epbr.

Isso sem considerar o potencial de receitas com a venda da parcela do gás da União nos contratos.

Ao trazer esse montante para o Valor Presente Líquido (VPL), contudo, o governo de Jair Bolsonaro (PL) estima que pode levantar R$ 398 bilhões com a venda da participação da Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA) nos consórcios que operam campos sob o regime de partilha.

O montante equivale a 25% de tudo aquilo que seria possível arrecadar, em valores nominais, até 2052.

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O governo chegou à conclusão de que os valores previstos com a liquidação à vista são suficientes para justificar o interesse público na venda antecipada do óleo e do gás da União nos contratos — a “privatização da partilha”.

As análises internas foram feitas majoritariamente por setores do Ministério da Economia, entre 16 de maio e 1º de junho.

Os estudos começaram em 2020, com diferentes estratégias, sem chegar a um conclusão. Até agora.

Toda a documentação que subsidiou a aceleração da proposta de privatização da partilha — após Adolfo Sachsida assumir o comando do Ministério de Minas e Energia (MME) — foi obtida por meio da Lei de Acesso à Informação.

“É uma tremenda privatização. E os estudos, claro, estão sendo conduzidos em paralelo”, disse o ministro Sachshida em entrevista à Jovem Pan esta semana. “Aliás, são 300 bilhões [de reais] só para vocês terem noção do tamanho dessa privatização”, arredondou.

“Algumas pessoas dão um valor mais alto ainda, tem gente que fala em 100 bilhões de dólares”,  o que daria cerca de R$ 530 bilhões no câmbio desta quarta (3/8).

Como o governo calcula o potencial de arrecadação

Para chegar ao potencial de R$ 398 bilhões, com a venda antecipada do óleo da União, o governo trouxe as projeções de arrecadação de longo prazo para o Valor Presente Líquido.

O VPL é um instrumento usado para tomadas de decisão sobre investimento. Consiste em trazer para o presente (a data zero) os fluxos de caixa futuros de um projeto.

Como o dinheiro perde seu poder de compra ao longo do tempo, devido à inflação, por exemplo, o valor nominal atual (presente) dos fluxos futuros é calculado com a aplicação descontos (deduzindo-se uma taxa de custo de capital).

No caso dos cálculos sobre a privatização da partilha, o governo assumiu que as receitas futuras deveriam ser descontados pela atual taxa Selic (de 12,75% ao ano).

Desde a edição do projeto de lei, no fim de maio, a taxa básica de juros já subiu 0,5 ponto percentual, para 13,75%.

O que é a privatização da partilha?

A venda antecipada do óleo da União não é bem uma novidade. Em dezembro de 2021, por exemplo, a PPSA realizou um leilão para comercialização de 55,7 milhões de barris.

O volume foi todo contratado pela Petrobras, em contratos que variam de três a cinco anos, a depender do lote. A retirada das cargas será feita gradualmente ao longo desse período.

A diferença dessa vez é que o governo não tem mais a intenção de comercializar o óleo em si, mas sim a participação da União nos consórcios que operam os campos contratados sob o regime de partilha.

projeto de lei nº 1.583/2022  autoriza a União a ceder de forma integral o direito à sua parcela do excedente em óleo (ou óleo lucro) proveniente de contratos de partilha e de acordos de individualização. O excedente em óleo é a parcela da produção em repartida entre a União e as empresas do consórcio de um determinado campo, no regime de partilha. É resultado da diferença entre o volume total da produção e os custos em óleo (por exemplo: os gastos com exploração, avaliação das descobertas, desenvolvimento e produção do campo).

Fonte: PPSA

O plano do governo é vender a participação da PPSA nos consórcios através de um leilão público. Uma licitação para cada contrato, mediante a anuência prévia dos consórcios em relação à minuta de termo aditivo — que fará parte dos editais. O novo titular dos direitos do óleo passará a compor os comitês operacionais dos ativos.

Relator do fim da partilha assume privatização na Câmara

O deputado federal Alexis Fonteyne (Novo/SP), relator do projeto que acaba com a partilha de produção, assumiu em também o PL 1583/2022, da liquidação antecipada do óleo e gás da União.

Outro texto com o mesmo teor — estabelecer a concessão como regime único do país — foi apresentado por Paulo Ganime (RJ), também do partido Novo e candidato ao governo fluminense nas eleições deste ano.

Fonteyne, contudo, tem enfrentado resistência na Comissão de Desenvolvimento Econômico da Câmara, onde os textos são debatidos. A oposição é liderada pelo PT do ex-presidente Lula, candidato líder nas pesquisas na corrida eleitoral até o momento.

O fim da partilha é um plano em discussão desde governo de Michel Temer (2015-2018), quando foi feita a primeira reforma que retirou a operação obrigatória da Petrobras.

Hoje, a empresa controlada pela União ainda tem o direito de preferência e pode optar, caso a caso, se reserva sua participação nos blocos leiloados.  Ser operadora significa garantir ao menos 30% dos contratos.

O texto de Fonteyne para o fim da partilha de produção propõe preservar os contratos atuais e estabelecer a concessão para as próximas concorrências.

Se aprovado, da forma como está, forçaria a interrupção do trabalho para a concorrência de dezembro, para quando o governo Bolsonaro espera licitar as primeiras áreas de partilha na oferta permanente, um modelo em que as próprias empresas indicam se há interesse prévio, antes do leilão.