Comércio internacional

PL da Reciprocidade é discriminatório e pode ser questionado na OMC, avalia advogada

PL da reciprocidade ambiental em acordos internacionais deve continuar em pauta no Congresso em 2025, mas pode levar a questionamentos na OMC

Cais do Porto do Pecém – CIPP, com algumas embarcações atracadas; o mar está verde e o céu azul (Foto Governo do Ceará)
Cais do Porto do Pecém | Foto Governo do Ceará

RIO – A tramitação de projetos de lei (PL) que tratam da reciprocidade ambiental em acordos internacionais, em resposta a mecanismos de barreira comercial aplicados pela União Europeia como a Lei Anti-Desmatamento (EUDR) e o Mecanismo de Ajuste de Carbono nas Fronteiras (CBAM), deve continuar em pauta no Congresso em 2025.

A advogada Ana Caetano, sócia da área de Comércio Exterior do Veirano Advogados, no entanto, avalia que o texto que corre no Senado, apresenta fragilidades e pode ser questionado na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Há dois PLs que tratam da reciprocidade em discussão, e que possuem abordagens distintas. No Senado, o PL 2088/2023 propõe uma “cláusula espelho”, exigindo padrões equivalentes de emissões de gases de efeito estufa e proteção ambiental. 

Na Câmara, o PL 1406/2024 proíbe o governo de assinar acordos internacionais que imponham restrições ao Brasil sem reciprocidade equivalente.

Em entrevista à agência eixos, Ana Caetano destaca que o projeto do Senado tem como premissa exigir que bens importados atendam aos mesmos padrões ambientais do Brasil.

Contudo, um dos parágrafos estabelece que a lei é aplicada somente a bens oriundos de países ou blocos econômicos que imponham restrições ambientais ao Brasil. “Isso é questionável no sentido de parecer discriminatório”, afirma a advogada. 

Representantes do governo do Itamaraty e do Ministério do Meio Ambiente, apesar de reconhecerem a importância de um instrumento jurídico como o PL da Reciprocidade, também compartilham a mesma preocupação com o teor discriminatório. 

Segundo Caetano, a proposta, como está, é contrária a compromissos internacionais firmados pelo Brasil no âmbito da OMC, que proíbem a adoção de barreiras comerciais discriminatórias entre membros. “A legislação está dando apoio a quem quiser questionar isso na OMC”, afirma.

Caetano lembra que, embora a OMC enfrente dificuldades com o esvaziamento do órgão de apelação, a União Europeia – um dos principais alvos do PL –, assim como o Brasil, adota mecanismos alternativos de arbitragem que mantêm a possibilidade de contestações comerciais.

Preocupações reais

Para a advogada, uma legislação deste tipo deveria demonstrar uma preocupação real do Brasil por exigências ambientais. 

Ela cita que o primeiro parágrafo do texto da lei vai neste sentido, ao tornar “obrigatório o cumprimento de padrões ambientais compatíveis aos do Brasil, para a disponibilização de bens no mercado brasileiro”. 

Entretanto, o que vem a seguir leva a uma interpretação de retaliação, ao restringir a aplicação lei “aos bens e produtos oriundos de blocos econômicos e países que imponham restrições ambientais, de qualquer ordem, ao comércio internacional”. 

“A retaliação não é uma proposta em cima de conceitos reais. Ela esvazia o sentido, e isso faz com que estejamos sujeitos a questionamentos pelos demais países”, comenta.

“Se parássemos no artigo primeiro, estaria ótimo, porque eu consigo defender na OMC que tenho uma justificativa ambiental maior. Mas, ao condicionar as medidas às restrições que sofremos, fica claro que a motivação é comercial”, explica Caetano.

Falta de definições claras

Outro ponto levantado por Ana Caetano é a ausência de bases concretas, como a contabilidade de carbono no Brasil, para implementar as exigências do PL. 

Uma das exigências restringe a entrada no mercado brasileiro “de bens e produtos originados de países que adotem e cumpram níveis de emissões de gases de efeito estufa iguais ou inferiores aos do Brasil”. 

“Que níveis de emissões são esses exatamente? A regulamentação de crédito de carbono e mercado de carbono no Brasil ainda está em movimento e não é consolidada”, pontua a advogada.

Segundo ela, uma saída para o Brasil seria a adoção de um mecanismo de taxação de carbono a produtos importados, similar ao adotado pela União Europeia, o CBAM – o que também só seria possível após a regulamentação do mercado de carbono. 

“Um CBAM brasileiro é interessante porque conseguimos dialogar com a União Europeia de forma diferente, mostrando uma política e preocupação com o tema”, explica.

Na avaliação da advogada, também é importante definir um objetivo mais pragmático de uma lei como esta, sob o risco de não alcançar o efeito desejado. “Esta legislação é menos técnica e muito mais uma forma de protesto”, avalia. 

“Eu preciso ser um mercado relevante de importação para esses parceiros com quem eu estou querendo atingir para chamar eles para a mesa”. 

Ela destaca, por exemplo, que o PL teria um efeito inócuo em relação às ambições brasileiras de exportar biocombustíveis a mercados como Estados Unidos e Europa, uma vez que os produtos devem passar pelo reconhecimento das metodologias utilizadas por estes países. 

“Nesses mercados em que o Brasil tem interesse de entrar com biocombustíveis, como União Europeia, Estados Unidos, Japão, a certificação é feita por esses mercados”, afirma. 

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