Ameaça de cancelamento de projetos da Petrobras em Sergipe leva a troca de acusações no Senado

Medidas no Paten para desconcentração de oferta de gás mira a Petrobras e gera polêmica entre senadores de Sergipe

Ameaça de cancelamento de projetos da Petrobras em Sergipe leva a troca de acusações no Senado
Jefferson Rudy/Agência Senado

BRASÍLIA – Os senadores Rogério Carvalho (PT) e Laércio Oliveira (PP) trocaram acusações no plenário após o petista afirmar que um projeto de Oliveira colocaria em risco os investimentos da Petrobras em Sergipe, estado de ambos os parlamentares. 

Laércio Oliveira propôs medidas de desconcentração da oferta de gás natural, que mira a Petrobras; prevê, entre outras medidas, o fim de contratos em que a companhia compra de outros produtores e o gas release, um programa que levaria a Petrobras a vender, de forma regulada, parcelas da sua produção.

O gas release está previsto na Lei do Gás, sancionada em 2021 e da qual Oliveira foi relator na Câmara dos Deputados. O programa não foi regulamentado, nem teve novas diretrizes incluídas na regulamentação alterada pelo governo Lula, em agosto. 

“[Com a proposta] a Petrobras não volta para Sergipe, e nós teremos a responsabilidade consignada de quem foi o pai do não-retorno da Petrobras ao estado”, disse Carvalho, também da tribuna do Senado, na terça-feira (29/10).

Também na tribuna, Laércio Oliveira acusou o colega de agir em favor de uma “chantagem da Petrobras”.

“O recado trazido, na realidade, é uma afronta ao Poder Legislativo, soando como uma ameaça ao país e uma chantagem ao estado de Sergipe. Não podemos aceitar esse tipo de tentativa de intimidação”, rebateu ontem (30/10).

As propostas foram incluídas no relatório do projeto de lei que cria o Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten), apresentado há duas semanas. Dividiu governo e agentes da cadeia de gás natural, com alguns produtores em defesa e outros contra e apoio de consumidores industriais.   

O Ministério de Minas e Energia (MME) manifestou apoio, mas a liderança do governo no Senado Federal manifestou apoio à derrubada de todo o capítulo, que inclui outras medidas (veja os detalhes).

O relatório ainda será discutido na Comissão de Infraestrutura (CI) nas próximas semanas e ainda está aberto para envio de emendas. 

Carvalho declarou que, caso o Paten seja aprovado com o capítulo do gás, a estatal poderá abandonar investimentos em Sergipe na ordem de R$ 80 bilhões. Os números são estimados pela própria companhia, mas ela não fez nenhuma manifestação pública sobre o projeto. Tem articulado contra nos bastidores.   

“É deprimente ver o senador Rogério Carvalho, aqui presente neste plenário, na busca por notoriedade, se prestar a porta-voz e mensageiro da Petrobras”, retrucou Laércio. As palavras de Carvalho, adversário político de Laércio no estado, foram encaradas como um recado direto da petrolífera.

De acordo com a argumentação do petista, a fixação de um um teto de mercado de 50% nos planos de descentralizar o mercado de gás foi uma proposta apresentada sem estudo prévio ou referência técnica. “(…) Isso limita a gestão e a comercialização de gás pela Petrobras e afeta a lógica econômica dos projetos em andamento”.

Laércio, por sua vez, sustenta a ideia de que é impossível “aceitar que a Petrobras, visando exercer domínio total do mercado, compre gás natural de muitos produtores nacionais e também seja o grande agente importador do gás da Bolívia”.

A Petrobras adia há dois anos a entrada em operação da primeira plataforma em águas profundas em Sergipe. No plano mais recente, a produção começaria em 2028, com a entrada em operação de um gasoduto de 18 milhões de m³/dia no ano seguinte. Após tentativas frustradas de contratação das unidades, o prazo para o primeiro óleo foi perdido. 

“Ainda mais estarrecedor é o fato de a estatal, deliberadamente e de forma desnecessária, reinjetar grandes volumes de gás que poderiam ser escoados e ofertados ao mercado”, criticou Laércio Oliveira. 

“Bem como postergar indefinidamente a implantação de novos projetos, como o projeto Sergipe Águas Profundas, que poderia trazer a autossuficiência nacional de gás natural, promovendo um choque de oferta e aumento de competitividade para a indústria brasileira”, completou.

Em resposta, Rogério Carvalho acrescentou que o projeto colocaria em risco os investimentos em outros projetos, citando o campo de Raia, operadora pela Equinor na Bacia de Campos e que tem a Petrobras como sócia. 

Petrobras tem contratos de gás com 12 produtores

As medidas para desconcentração do mercado de gás natural, propostas pelo senador Laércio de Oliveira, podem liberar volumes de ao menos 12 produtores que hoje vendem gás para a Petrobras na boca do poço, mas cujos contratos de comercialização poderão ser interrompidos antes do prazo por força de lei.

Originalmente, o texto aprovado na Câmara dos Deputados cria um fundo de aval para financiamento de projetos nos setores de energia, incluindo o gás natural, e biocombustíveis, além de novas cadeias, como hidrogênio. 

Não há transparência sobre os volumes envolvidos nesses contratos. Além disso, parte desse volume é consumido nas unidades de processamento.

Os contratos de longo prazo, com vencimento de 2027 até o fim de 2038, foram firmados com:

  • Brava Energia (3R/Enauta)
  • CNOOC
  • Equinor
  • Gas Bridge
  • Geopark
  • ONGC
  • Petrogal
  • PetroReconcavo
  • Qatar Petroleum
  • Repsol Sinopec
  • Shell
  • Sonangol

A proposta de Laércio Oliveira incorpora e amplia um dispositivo já previsto no Termo de Cessação de Conduta (TCC) assinado pela Petrobras em 2019, pelo qual a petroleira se comprometeu junto ao Cade a não contratar novos volumes de gás de terceiros na boca do poço.

O compromisso não impede que a Petrobras celebre novos contratos para compra de gás de parceiros ou terceiros, desde que:

  • Para viabilizar a produção, em si, por razões técnicas, regulatórias ou operacionais, desde que limitado a 1 milhão de m³/dia;
  • Viabilizar a venda de ativos que envolvam a comercialização de até 1 milhão de m³/dia, na média anual, por campo produtor;
  • Ou quando houver interesse das partes envolvidas, para monetização de projetos novos em que a Petrobras seja sócia, desde que limitado a 20% do volume total de gás produzido.

Há contratos, aliás, que foram assinados após o TCC. A Petrobras seguiu liberada para importar, o que faz por meio dos contratos com a Bolívia e terminais de gás natural liquefeito (GNL) no Rio e na Bahia.

Recentemente, a YPFB ancorou na Petrobras o envio dos volumes de gás natural que a Argentina deixou de comprar da Bolívia a partir de setembro.

A estatal boliviana informou que, a partir de outubro, aumentou as exportações de gás para o Brasil — e que a Petrobras se comprometeu a importar mais volumes.