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Indicados para o Cade demonstram preocupações com abusos da Petrobras

O que afirmaram os futuros conselheiros sobre os TCCs do gás natural e refino durante sabatina no Senado Federal

Indicados ao Cade Diogo Thomson, José Levi Amaral, Camila Cabral e Carlos Jacques Gomes respondem a sabatina na CAE para conselho do órgão antitruste, em 12/12/2023 (Foto: Pedro França/Agência Senado)
Diogo Thomson, José Levi, Camila Cabral e Carlos Jacques são sabatinados na CAE para conselho do Cade (Foto: Pedro França/Agência Senado)

RIO – A análise do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sobre o pedido da Petrobras para revisão dos termos de cessação de conduta (TCC), para abertura dos mercados de refino e gás natural, não pode se tornar numa “autorização para mero descumprimento dos acordos”, afirmou nesta terça (12/12) o atual superintendente-geral adjunto do órgão antitruste, Diogo Thomson.

Os TCCs do refino e do gás foram um dos principais temas levantados pelos parlamentares, durante a sabatina, no Senado, dos quatro indicados para o Tribunal do Cade.

Além de Diogo Thomson de Andrade, foram aprovados pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), nesta terça (12/12), as indicações de José Levi Amaral, Camila Cabral Pires Alves e Carlos Jacques Gomes. Os nomes vão, agora, a Plenário.

Todos foram indicados por Lula há menos de um mês. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD/MG) – aliado do Planalto – se comprometeu a concluir as votações de autoridades antes do recesso parlamentar.

Os acordos entre Petrobras e Cade foram firmados durante a gestão de Roberto Castello Branco na presidência da Petrobras, em 2019, no primeiro ano do governo Jair Bolsonaro. Previam a venda de oito refinarias e saída da distribuição e transporte de gás.

Em troca, o órgão antitruste arquivou diversas investigações que envolviam eventuais abusos de poder dominante.

O atual comando da Petrobras, presidida por Jean Paul Prates, afirma que o novo plano de negócios da petroleira mudou a perspectiva de investimentos e a atuação da empresa.

Com a mudança de governo, a companhia já havia deixado claro que não iria vender os ativos, entre eles o controle da Transportadora Bolívia-Brasil (TBG), além das refinarias.

Recentemente, foi encerrada a liquidação da Lubnor, no Ceará. É uma unidade majoritariamente de asfaltos, vendida com pendência envolvendo a propriedade da área onde está instalada.

Veja a seguir como cada indicado ao Cade se posicionou sobre o assunto:

Thomson diz que objetivos do TCC precisam ser preservados

O atual superintende adjunto do Cade reconhece que revisões de acordos no órgão antitruste são possíveis, mas fez ressalvas quanto a eventuais flexibilizações nos compromissos:

“A própria dinâmica da economia pode gerar esse tipo de revisão de acordo, mas é claro que a revisão do acordo não pode ser autorização para mero descumprimento”, diz.

Pronunciamento de Diogo Thomson de Andrade durante sabatina na CAE para conselheiro do Cade, em 12/12/2023 (Foto: Pedro França/Agência Senado)
Diogo Thomson responde a sabatina na CAE para conselho do Cade (Foto: Pedro França/Agência Senado)

“Caso aprovado pelo Senado, me comprometo a tomar todos os esforços para que os objetivos iniciais do acordo, que eram mitigar abuso de poder dominante da Petrobras, sejam mantidos”, disse, em resposta à preocupação levantada na sabatina pelo senador Sérgio Moro (União/PR) sobre uma possível reestatização do refino.

Thomson disse que a interrupção da venda da TBG é uma preocupação que cabe ao Cade acompanhar. Assim como cabe ao órgão antitruste estar “sempre atento” a eventuais novas condutas anticompetitivas da estatal no mercado de gás.

“Independemente do acordo firmado lá atrás ou não, a Petrobras tem posição dominante e isso é motivo de constante preocupação”, afirmou Thomson, em referência às preocupações levantadas pelo senador Laércio Oliveira (PP/SE) relacionadas ao adiamento do projeto do gasoduto Sergipe Águas Profundas, pela estatal.

O parlamentar defende que o Cade investigue se há eventual interesse da Petrobras em adiar os projetos, em busca de preços mais caros para o gás natural.

Em artigo publicado na agência epbr, Laércio Oliveira afirma que fica “evidente o propósito da nova diretoria de promover maior concentração de poder e fortalecer ainda mais a sua posição de agente dominante nos mercados que atua”.

“O que a gente percebe é que esse TCC vem sendo descumprido e isso prejudica a concorrência. A Petrobras se comprometeu a vender as transportadoras: vendeu a TAG [Transportadora Associada de Gás] e NTS [Nova Transportadora do Sudeste], mas já disse que não vai vender a TBG. É uma afronta”, discursou Laércio, nesta terça.

Levi defende isonomia nos preços do petróleo para refinarias

Advogado-geral da União durante o governo Bolsonaro, entre 2020 e 2021, José Levi defendeu a venda das refinarias da Petrobras no Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento de ação contra o desinvestimento da companhia no setor.

Pronunciamento de José Levi Amaral durante sabatina na CAE para conselheiro do Cade, em 12/12/2023 (Foto: Pedro França/Agência Senado)
José Levi durante sabatina na CAE (Foto: Pedro França/Agência Senado)

Na sabatina, reafirmou que a venda de ativos é algo “desejável”, mas pregou a necessidade de diálogo sobre a renegociação dos termos de compromisso.

“Seja no que se refere aos termos de cessação de conduta, seja no que se refere aos acordos de concentração, o que se tem ali é o incentivo, o convite para permanente diálogo, para que o mercado se entenda e viva de maneira hígida, competitiva, aberta e plural e tendo no Tribunal do Cade fator de catalização dessa lógica construtiva de coisas”

“O desinvestir é algo desejável dentro daquilo que chamei como diálogo ao qual é chamado o Cade cotidianamente para preservar, promover a concorrência e a higidez do mercado, não apenas com decisões de cima para baixo, mas de maneira dialogada, conversada…”

Levi pautou em seu discurso, também, a preocupação com a formação de monopólios regionais no refino; e se posicionou a favor da isonomia dos preços no mercado – sejam os preços dos derivados cobrados pelas refinarias junto às distribuidoras, como os preços do petróleo comprado pelas refinarias no Brasil.

“Não se trata apenas de impedir a formação de monopólios nacionais, mas também regionais. Por outro lado, essa contingência nos inspira outra situação: por mais que uma refinaria seja geograficamente dominante, ela tem que fornecer em bases iguais para aqueles que dela compram. Isso o Cade também tem que olhar, acompanhar e promover”, disse.

“Não adianta ela ter dominância local e nessa dominância local ela privilegiar alguns consumidores. E aí vem um antecedente: ela [refinaria privada] compra óleo, tem que comprar em igualdade de concorrência com outras refinarias. É um aspecto que merece a preocupação do Cade e tem sido colocado no Cade”, complementou.

A Acelen, empresa do grupo Mubadala que opera a Refinaria de Mataripe (BA), levou o assunto ao conselho antitruste este ano e pede para ter as mesmas condições de compra de petróleo bruto que as demais refinarias da estatal.

Camila Cabral defende interlocução para novo desenho do gás

Primeira mulher a ocupar o cargo de economista-chefe do Cade, entre 2011 e 2013, Camila Cabral, também pregou a necessidade de interlocução sobre as diferentes instituições sobre a revisão dos TCCs.

Pronunciamento de Camila Cabral durante sabatina na CAE para conselheira do Cade, em 12/12/2023 (Foto: Pedro França/Agência Senado)
Camila Cabral é sabatinada na CAE (Foto: Pedro França/Agência Senado)

“No caso do acordo para abertura do mercado de gás, a gente tem um ponto muito importante nesse setor, pela sua relevância, impacto nos custos de outros setores”, diz.

“Entendo que o Cade tem papel importante na análise de processos administrativos e atos de concentração, mas tem um importante fator que não podemos renegar: que é a interlocução com outros agentes”.

“Entendo que investimento em indústrias como essa são complexos e exigem interlocução. Isso envolve todos os poderes, o Legislativo, a ANP, para discutir de forma conjunta como chegamos ao desenho concorrencial e de infraestrutura de oferta que é importante ao país neste momento”, comentou.

Ela citou, ainda, que os termos precisam ser avaliados caso a caso. “Os TCCs serão avaliados considerando a dinâmica específica, o contexto específico, argumentos específicos que serão apresentados, assim como é em todos os processos em que cabe análise do Cade”.

Carlos Jacques defende caminho da renegociação

O consultor legislativo do Senado mencionou, por sua vez, que a revisão dos TCCs é “um tema que exige muito cuidado e observação”. Ele vê com naturalidade uma possível renegociação dos termos.

“O fato de ter um tempo longo de implementação dos compromissos faz com que cenários possam ser modificados muitas vezes, que a empresa reflita sobre sua política comercial e queira pedir reexame do termo de compromisso, que é a situação atual com o qual o Cade se depara”, afirmou.

Pronunciamento de Carlos Jacques Gomes durante sabatina na CAE para conselheiro do Cade, em 12/12/2023 (Foto: Pedro França/Agência Senado)
Carlos Jacques é sabatinado na CAE (Foto: Pedro França/Agência Senado)

Jacques defendeu que a renegociação é um caminho mais vantajoso que decisões unilaterais por parte do órgão antitruste.

“Tanto agências [reguladoras] quanto o Cade não buscam fazer intervenções imprevisíveis. Por isso a necessidade de conversar com as empresas”

“Existe uma assimetria de informações. Quando o Cade, inadvertidamente toma uma decisão unilateral e surpreende demais, toma uma decisão sem a informação necessária”, disse.