BRASÍLIA — Estreante na Câmara, o deputado Alexandre Lindenmeyer (PT/RS) encaminhou à Presidência da Casa requerimento para criar a Frente Parlamentar em Defesa da Indústria Naval Brasileira. A proposta ainda será avaliada pela Mesa.
Lindenmeyer está recolhendo assinaturas para criação da Frente. Uma das sugestões do parlamentar é usar o “poder de compra estatal” para aumentar o fluxo de encomendas, principalmente da Petrobras, por meio de exigências de conteúdo local.
A ideia consta em documento elaborado pelo Sindicato Nacional da Indústria da Construção Naval e Offshore (Sinaval), de meados do ano passado.
Ex-prefeito de Rio Grande (RS), que abriga o estaleiro ERG, da Ecovix, Lindenmeyer tem carreira política ligada à defesa do setor naval. Ele vem atuando mais ativamente como um interlocutor, desde o período do gabinete de transição de governo, em 2022.
Em dezembro do ano passado, o deputado eleito já havia entregue ao grupo de transição responsável pela infraestrutura, sob coordenação da ex-ministra Miriam Belchior, um documento com propostas para a retomada do setor. No escopo, o uso da máquina pública a fim de estimular negócios e desenvolvimento.
Além da Sinaval, o pleito liderado por Lindenmeyer na Câmara tem o apoio da Confederação Nacional dos Metalúrgicos/CUT e da Federação Única dos Petroleiros (FUP), entre outras.
Propostas para a retomada
Dados do Sinaval mostram que, desde o ápice de postos de empregos, de 82.472 em dezembro de 2014, o país perdeu mais de 60 mil postos em razão da crise setorial. Em maio de 2022, eram 21.447 pessoas com emprego direto na indústria naval.
“Assim sendo, urge a ampliação dos investimentos públicos e privados nesse importante e estratégico setor econômico, que possui o potencial de gerar centenas de milhares de novos empregos indiretos, principalmente em outras atividades industriais”, argumenta
“Acreditamos firmemente que o fortalecimento da indústria naval brasileira deve estar no centro de uma política de (re)industrialização do país – fundamental para o reposicionamento da nação brasileira na nova ordem econômica mundial”, complementa.
Lindenmeyer também sugere a retomada de obras paradas e a internalização da construção de encomendas já existentes, entre outras diretrizes – como a revogação da lei BR do Mar e a aprovação no Congresso de um novo marco legal para que a indústria naval nacional seja privilegiada na navegação de cabotagem.
Presidente da Petrobras defende política pública
O novo CEO da petroleira, Jean Paul Prates, disse, no início do mês, que a companhia buscará aumentar, em seus projetos, os índices de conteúdo local — política privilegiada nos governos anteriores do PT. Ele ponderou, contudo, que a retomada do setor, promessa de campanha de Lula, depende de um esforço coletivo.
“Não basta a Petrobras querer fazer isso [aumentar o conteúdo local]. Tem que haver condições para isso”, disse, a jornalistas, no dia 2 de março.
Prates destacou que falta competitividade aos estaleiros nacionais, depois da crise enfrentada pela indústria naval a partir de meados da década passada. Segundo ele, a Petrobras, hoje, “praticamente não tem opção” no mercado nacional.
“Quando há uma discrepância desse nível [de competitividade], precisamos de política pública, outro tipo de abordagem a esse problema. Mas vamos participar ativamente dessa abordagem”, comentou.
Novas oportunidades
Outra possibilidade para a retomada do setor naval, segundo Prates, pode vir de oportunidades geradas pela transição energética. Ele citou, como exemplo, a demanda potencial por montagem de equipamentos para eólicas offshore.
“O presidente Lula deseja muito ver esse setor reerguido, se não fazendo exatamente o que fazia antes pelo menos participando muito mais do que participa hoje e até descobrindo novos horizontes”, disse.
Já o secretário estadual de Energia e Economia do Mar do Rio de Janeiro, Hugo Leal, destaca que, além da transição energética, o descomissionamento de plataformas de óleo e gás também abre oportunidades para a indústria naval fluminense.
O governo do estado tem dialogado com empresas do setor, para entender as demandas. O objetivo é evitar que os estaleiros do Rio percam encomendas para outros estados. Um dos debates necessários é a questão fiscal e tributária.
Assista na íntegra a entrevista do secretário Hugo Leal à epbr
O desmonte da indústria naval
A desconstrução da indústria naval, nos últimos dez anos, pode ser bem simbolizada no projeto dos FPSOs replicantes – pacote de plataformas padronizadas, encomendado pela Petrobras com alto percentual de conteúdo local em estaleiros brasileiros durante os governos do PT.
Em dezembro, a petroleira colocou em operação a P-71, a última das replicantes, sem que nenhuma delas, de fato, tenha sido construída majoritariamente no Brasil, como era o plano original.
O pacote dos replicantes contemplava, inicialmente, oito FPSOs padronizados. As unidades foram projetadas, todas elas, com 150 mil barris/dia de capacidade de produção de petróleo e 6 milhões de m³/dia, de compressão de gás natural, para operar em campos do pré-sal.
Após uma série de problemas, sobretudo a partir da crise dos estaleiros desencadeada com a Operação Lava Jato, parte das obras foi para o exterior e duas unidades (P-72 e P-73) tiveram seus contratos cancelados.
ANP flexibilizou conteúdo local em 2018
Outro importante revés para a indústria local se deu em 2018, quando a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) flexibilizou os índices de conteúdo local. Era um pleito das petroleiras, que alegavam dificuldades para encomendar bens e serviços no Brasil a preços competitivos – sobretudo com os estaleiros asiáticos.
Ao regulamentar o “waiver” (pedido de isenção do cumprimento dos índices de nacionalização), a ANP abriu uma possibilidade de redução dos percentuais de conteúdo local de contratos vigentes.
As empresas puderam celebrar um aditivo contratual, sujeitando-se aos novos percentuais de conteúdo local – mais baixos que os dos contratos originais – desde que abrissem mão do direito de solicitar o “waiver”.
Para as companhias que tiverem seus pedidos acatados, os contratos passam a vigorar com percentuais de conteúdo local de 40% para construção, integração e montagem de plataformas.
Para efeitos de comparação, na 13ª Rodada de concessões, de 2015, a última antes de o governo flexibilizar as regras de conteúdo local para contratos futuros, os percentuais mínimos chegavam a 65% na etapa de desenvolvimento de produção.
No último antessala epbr, discutimos quais os caminhos para desenvolver a indústria naval nacional e os desafios nessa empreitada. VEJA E REVEJA!