BRASÍLIA — A ministra Marina Silva (Rede), do Meio Ambiente (MMA), está, aos poucos, sendo abandonada pelo governo Lula 3. Não à toa, o Palácio do Planalto não mobilizou a base governista para defendê-la na audiência pública realizada nesta terça-feira (27/5), na Comissão de Infraestrutura (CI) do Senado.
O debate marcado por uma tensão visivelmente misógina ocorreu sete dias após 54 senadores derrotarem a ministra no PL 2.159/2021, apelidado por ela de ‘projeto da devastação ambiental’. Tratoraço, e com direito a emenda de última hora do presidente do Senado, Davi Alcolumbre
O governo sabia que ela seria questionada com força pela oposição e por aliados da base, mas a deixou sozinha num covil cheio de lobos.
Houve embate com o senador governista Omar Aziz (PSD/AM), que a acusou de não conhecer a realidade de extrativistas da Amazônia. Ríspido, mas sem ofensas sexistas, considerando o jogo político majoritariamente masculino.
A tensão evoluiu, contudo, ao ponto de ataques misóginos serem dirigidos contra a ministra. O presidente da CI, senador Marcos Rogério (PL/RO), chegou a dizer para Marina “se pôr no seu lugar”. Ela retrucou de pronto o parlamentar, se deveria ser “submissa por ser mulher”? Emendando que, embora seja de paz, “vai para a guerra” para defender sua honra. O senador recuou com escusas.
Coube à senadora governista Eliziane Gama (PSD/MA), líder da Bancada Feminina no Senado, algum apoio contra a fala de Rogério. Mas na sequência, ela própria abandonou a sessão, deixando Marina sem nenhuma outra mulher com mandato na comissão.
Na sequência, o senador Plínio Valério (PSDB/AM) disse que respeitava Marina “como mulher, mas não como ministra”. Foi a gota d’água para a ministra abandonar a sessão.
O senador Rogério Carvalho (PT/SE) via a audiência absorto no celular. Quando pediu a palavra, se limitou a sugerir para Marina abandonar a audiência.
Deputada federal e ex-senadora, Marina subiu o tom contra Valério, alegando que foi convocada como ministra de Estado e, ante a falta de respeito, não via condições de seguir na audiência. Ela saiu esbravejando contra o senador por ele já lhe ter ofendido, em audiência anterior, ao dizer que sentia vontade de enforcá-la.
“Não poderia ter outra atitude, mas eu dei a chance dele pedir desculpas. Ele é uma pessoa que já disse — da outra vez que eu vim aqui, como convidada — que foi muito difícil para ele ficar seis horas e dez minutos comigo sem me enforcar, e hoje ele veio aqui de novo para me agredir”.
No bastidor, momentos antes, o que se viu foi Marina sendo alertada de algo por um assessor. Ela deixou a Cl, após o embate com Valério, anunciado encontro com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos/PB), com quem tinha agenda marcada para pedir mudanças no texto do PL 2.159/21.
Derrotas e isolamento
O projeto marca a quinta derrota de Marina no Congresso, puxada por embates recorrentes com expoentes do centrão dispostos a afrouxar as regras de preservação do meio ambiente. Caso do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União/AP), que articulou com a bancada ruralista pelo projeto.
A proposta de mudança no marco legal do licenciamento ambiental é de autoria do ex-deputado Luciano Zica (PT/SP), mas foi burilada pela senadora e ex-ministra de Bolsonaro, Tereza Cristina (PL/MT).
No Planalto, o isolamento de Marina é tido como irreversível. Lula (PT) ficou irritado com a resistência do Ibama em liberar a exploração de petróleo pela Petrobras na Margem Equatorial do Amapá.
Embora na ‘cozinha do governo’ a avaliação seja que a agenda de Marina é positiva para a imagem internacional do Brasil às vésperas da COP30, em Belém, do ponto de vista político as derrotas sucessivas da ministra no Congresso dão a sensação de que ela atrapalha o Executivo.
Após sucessivos avanços públicos de Lula sobre o Ibama, o órgão comandado Rodrigo Agostinho deu um passo inédito no licenciamento da Petrobras na Foz do Amazonas, este mês, ao permitir a realização do simulado operacional no Amapá.
No Senado, Agostinho confirmou que a data está sendo definida esta semana com a Petrobras. Se foi resultado da pressão?
“A discussão do licenciamento é técnica. Nenhum técnico do Ibama vai assinar uma licença sem garantias de segurança e minimização dos riscos. Isso é sempre bom continuar insistindo: o que a gente trabalha no licenciamento é a redução ao máximo dos riscos e impactos do licenciamento”.
Motta dificilmente empenhará sua palavra para excluir polêmicas do ‘PL da Devastação’. A proposta é defendida pela bancada ruralista com unhas e dentes. O presidente da Câmara sabe que, neste momento, não tem a força necessária para ir contra o bloco, do qual ele faz parte.
Governo apático
O acúmulo de derrotas de Marina e o embate árduo com o agronegócio tende a ser ignorado pelo governo enquanto os números do desmatamento ilegal seguirem caindo. Pode-se dizer que este é o único item da agenda da ministra que ainda a sustenta no governo.
O Planalto, contudo, não deve fazer esforço para socorrê-la em uma futura fritura pública. A CI prepara requerimento para a convocação de Marina, isto é, sua presença será obrigatória. Se isso ocorrer, será por vingança. E será tiro no pé. Deviam considerar a imagem de defensora da sustentabilidade ostentada por Marina como seu maior ativo.
Prova disso é a repercussão positiva nas redes sociais da forma como lidou com machistas e defensores da devastação ambiental na comissão do Senado.
Se isso será suficiente para os parlamentares pró-flexibilização do regramento ambiental diminuírem os ataques, só o tempo dirá. Por ora, pode-se dizer que Marina saiu do Senado hoje maior do que entrou — à revelia da apatia governista.