Front ambiental

Análise: Governo abandona Marina em audiência marcada por misoginia

Deixada sozinha por aliados da base, ministra ganha apoio nas redes, mas perde espaço no Planalto após cinco derrotas no Congresso

Ministra do MMA, Marina Silva, durante reunião da CI no Senado, em 27 de maio de 2025, sobre a possível criação de uma unidade de conservação marinha na Região Norte (Foto Geraldo Magela/Agência Senado)
Tensão durante reunião da CI evoluiu ao ponto de ataques misóginos serem dirigidos contra a ministra do Meio Ambiente (Foto Geraldo Magela/Agência Senado)

BRASÍLIA — A ministra Marina Silva (Rede), do Meio Ambiente (MMA), está, aos poucos, sendo abandonada pelo governo Lula 3. Não à toa, o Palácio do Planalto não mobilizou a base governista para defendê-la na audiência pública realizada nesta terça-feira (27/5), na Comissão de Infraestrutura (CI) do Senado.

O debate marcado por uma tensão visivelmente misógina ocorreu sete dias após 54 senadores derrotarem a ministra no PL 2.159/2021, apelidado por ela de ‘projeto da devastação ambiental’. Tratoraço, e com direito a emenda de última hora do presidente do Senado, Davi Alcolumbre

O governo sabia que ela seria questionada com força pela oposição e por aliados da base, mas a deixou sozinha num covil cheio de lobos.

Houve embate com o senador governista Omar Aziz (PSD/AM), que a acusou de não conhecer a realidade de extrativistas da Amazônia. Ríspido, mas sem ofensas sexistas, considerando o jogo político majoritariamente masculino.

A tensão evoluiu, contudo, ao ponto de ataques misóginos serem dirigidos contra a ministra. O presidente da CI, senador Marcos Rogério (PL/RO), chegou a dizer para Marina “se pôr no seu lugar”. Ela retrucou de pronto o parlamentar, se deveria ser “submissa por ser mulher”? Emendando que, embora seja de paz, “vai para a guerra” para defender sua honra. O senador recuou com escusas.

Coube à senadora governista Eliziane Gama (PSD/MA), líder da Bancada Feminina no Senado, algum apoio contra a fala de Rogério. Mas na sequência, ela própria abandonou a sessão, deixando Marina sem nenhuma outra mulher com mandato na comissão.

Na sequência, o senador Plínio Valério (PSDB/AM) disse que respeitava Marina “como mulher, mas não como ministra”. Foi a gota d’água para a ministra abandonar a sessão.

O senador Rogério Carvalho (PT/SE) via a audiência absorto no celular. Quando pediu a palavra, se limitou a sugerir para Marina abandonar a audiência.

Deputada federal e ex-senadora, Marina subiu o tom contra Valério, alegando que foi convocada como ministra de Estado e, ante a falta de respeito, não via condições de seguir na audiência. Ela saiu esbravejando contra o senador por ele já lhe ter ofendido, em audiência anterior, ao dizer que sentia vontade de enforcá-la.

“Não poderia ter outra atitude, mas eu dei a chance dele pedir desculpas. Ele é uma pessoa que já disse — da outra vez que eu vim aqui, como convidada — que foi muito difícil para ele ficar seis horas e dez minutos comigo sem me enforcar, e hoje ele veio aqui de novo para me agredir”.

No bastidor, momentos antes, o que se viu foi Marina sendo alertada de algo por um assessor. Ela deixou a Cl, após o embate com Valério, anunciado encontro com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos/PB), com quem tinha agenda marcada para pedir mudanças no texto do PL 2.159/21.

Derrotas e isolamento

O projeto marca a quinta derrota de Marina no Congresso, puxada por embates recorrentes com expoentes do centrão dispostos a afrouxar as regras de preservação do meio ambiente. Caso do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União/AP), que articulou com a bancada ruralista pelo projeto.

A proposta de mudança no marco legal do licenciamento ambiental é de autoria do ex-deputado Luciano Zica (PT/SP), mas foi burilada pela senadora e ex-ministra de Bolsonaro, Tereza Cristina (PL/MT).

No Planalto, o isolamento de Marina é tido como irreversível. Lula (PT) ficou irritado com a resistência do Ibama em liberar a exploração de petróleo pela Petrobras na Margem Equatorial do Amapá.

Embora na ‘cozinha do governo’ a avaliação seja que a agenda de Marina é positiva para a imagem internacional do Brasil às vésperas da COP30, em Belém, do ponto de vista político as derrotas sucessivas da ministra no Congresso dão a sensação de que ela atrapalha o Executivo.

Após sucessivos avanços públicos de Lula sobre o Ibama, o órgão comandado Rodrigo Agostinho deu um passo inédito no licenciamento da Petrobras na Foz do Amazonas, este mês, ao permitir a realização do simulado operacional no Amapá.  

No Senado, Agostinho confirmou que a data está sendo definida esta semana com a Petrobras. Se foi resultado da pressão? 

“A discussão do licenciamento é técnica. Nenhum técnico do Ibama vai assinar uma licença sem garantias de segurança e minimização dos riscos. Isso é sempre bom continuar insistindo: o que a gente trabalha no licenciamento é a redução ao máximo dos riscos e impactos do licenciamento”.

Motta dificilmente empenhará sua palavra para excluir polêmicas do ‘PL da Devastação’. A proposta é defendida pela bancada ruralista com unhas e dentes. O presidente da Câmara sabe que, neste momento, não tem a força necessária para ir contra o bloco, do qual ele faz parte.

Governo apático

O acúmulo de derrotas de Marina e o embate árduo com o agronegócio tende a ser ignorado pelo governo enquanto os números do desmatamento ilegal seguirem caindo. Pode-se dizer que este é o único item da agenda da ministra que ainda a sustenta no governo.

O Planalto, contudo, não deve fazer esforço para socorrê-la em uma futura fritura pública. A CI prepara requerimento para a convocação de Marina, isto é, sua presença será obrigatória. Se isso ocorrer, será por vingança. E será tiro no pé. Deviam considerar a imagem de defensora da sustentabilidade ostentada por Marina como seu maior ativo.

Prova disso é a repercussão positiva nas redes sociais da forma como lidou com machistas e defensores da devastação ambiental na comissão do Senado.

Se isso será suficiente para os parlamentares pró-flexibilização do regramento ambiental diminuírem os ataques, só o tempo dirá. Por ora, pode-se dizer que Marina saiu do Senado hoje maior do que entrou — à revelia da apatia governista.

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