Opinião

Com energia firme e regulação moderna, Brasil pode liderar nova geopolítica dos dados

Para garantir soberania digital e atrair investimentos, país deve reconhecer data centers como infraestrutura crítica e priorizar energia firme, escreve Paulo Homem

Paulo Homem é diretor Institucional e Regulatório da Energisa Distribuição de Gás — EDG (Foto Divulgação)
Paulo Homem é diretor Institucional e Regulatório da Energisa Distribuição de Gás — EDG (Foto Divulgação)

Num mundo moldado por inteligência artificial, computação em nuvem e automação em tempo real, os data centers tornaram-se o novo coração da economia global. Por trás dessa estrutura invisível — que sustenta serviços públicos, redes bancárias, hospitais, sistemas de defesa e plataformas digitais — há uma exigência inegociável: energia firme, contínua e confiável.

O Brasil, dono de uma das matrizes elétricas mais limpas do planeta, reúne atributos extraordinários em fontes renováveis como solar, eólica e biomassa. Mas ainda não está preparado para sustentar, com estabilidade e previsibilidade, as cargas críticas que definem a soberania digital contemporânea.

Para transformar seu potencial ambiental em liderança tecnológica e inserção geopolítica, o país precisa compatibilizar suas vantagens climáticas com a confiabilidade das fontes firmes, como gás natural, hidrelétricas com reservatório e reatores nucleares modulares (SMRs).

Essa integração é a condição essencial para que o Brasil ocupe um lugar de liderança na nova geoeconomia dos dados. É fundamental falarmos sobre a criação de uma Política Nacional de Energia para Cargas Críticas, reconhecendo formalmente os data centers como infraestrutura estratégica para o país.

Centros de dados não são galpões com servidores. São UTIs de dados que sustentam a vida em rede. E nenhuma UTI opera sem energia de alta confiabilidade.

A digitalização da economia global inaugurou uma disputa silenciosa e estrutural por soberania computacional. Estados Unidos, Irlanda, Japão, Emirados Árabes e Índia já tratam os data centers como ativos geoestratégicos, oferecendo energia firme, segurança regulatória e incentivos dedicados para atrair investimentos em tecnologia de ponta.

O Brasil ainda opera com um modelo energético fragmentado, que desvaloriza não valoriza a confiabilidade e penaliza, por meio de encargos e distorções tarifárias, justamente as soluções híbridas mais adequadas às exigências da era digital.

O planejamento energético não considera as cargas críticas e a regulação ainda trata energia firme e intermitente como equivalentes?.

Sem uma reorganização institucional e regulatória, o país perderá tração em um setor decisivo para sua soberania, competitividade e inserção internacional.

Inspirado em centros internacionais de excelência como o Center for Strategic and International Studies (CSIS), dos Estados Unidos, ou o Energy Futures Lab, do Reino Unido, o Instituto Pensar Energia vem se consolidando como um dos principais articuladores de agendas estruturantes para o futuro energético do Brasil.

Nesse cenário, um estudo recente divulgado pela organização propõe um conjunto de medidas articuladas para o fortalecimento da infraestrutura digital e energética do país.

Entre os principais pontos, destaca-se o reconhecimento legal dos centros de dados como infraestrutura crítica, com prioridade regulatória, energética e institucional, a exemplo de ferrovias, refinarias e redes hospitalares.

Defende-se ainda a criação de uma política nacional, integrando digitalização, conectividade e energia firme como um eixo único de desenvolvimento.

O texto também propõe a regulamentação de um mercado de capacidade que valorize a potência firme, e não apenas a energia efetivamente consumida, garantindo a estabilidade do sistema.

Outro ponto é o estímulo à autogeração híbrida, por meio de modelos que combinem fontes renováveis, térmicas eficientes, reatores modulares pequenos (SMRs) e microgrids, com contratos que assegurem segurança jurídica e incentivo regulatório.

O documento recomenda ainda a inserção das cargas digitais nos planos oficiais de energia, como o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) e o Plano Nacional de Energia (PNE) — ambos elaborados pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), conectando a expansão da infraestrutura elétrica à segurança da informação e à soberania tecnológica.

Por fim, sugere a descentralização inteligente de clusters digitais, aproveitando o potencial de regiões como o Nordeste, onde já há convergência entre renováveis, gás, conectividade e logística internacional.

Até 2030, os data centers devem mais que dobrar seu consumo global de eletricidade, superando 900 TWh por ano — o equivalente a todo o consumo do Japão.

Mais do que quantidade, o que importa é a qualidade da energia: frequência estável, baixa latência, redundância total e disponibilidade contínua, com exigências mais próximas de um centro cirúrgico do que de uma fábrica convencional.

Nesse contexto, o Brasil reúne elementos raros no mundo: matriz limpa, território continental, excedente renovável, capacidade de expansão em gás e biometano e clima ambiente institucional democrático. Mas falta transformar atributos dispersos em capacidade coordenada de ação.

O um primeiro passo importante foi dado: a aprovação do Projeto de Lei que organiza e institui novas regras para o licenciamento ambiental.

Estamos diante de uma decisão estrutural: liderar ou reagir. O Brasil pode ser referência global em confiabilidade e sustentabilidade digital — desde que tenha coragem disposição institucional para reorganizar seu modelo energético e assumir a convergência entre energia e dados como eixo central do seu projeto nacional.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.


Paulo Homem é diretor Institucional e Regulatório da Energisa Distribuição de Gás (EDG). Advogado com pós-graduação em Compliance e Governança pela UnB, foi professor de Relações Governamentais e Diplomacia Corporativa da Universidade Católica de Brasília (UCB).

No setor de energia desde 2017, já atuou em empresas nos segmentos de biocombustíveis, petróleo, gás e biometano. Atualmente é membro do Conselho de Administração da Cegás (CE), Copergás (PE) e Potigás (RN).

Inscreva-se em nossas newsletters

Fique bem-informado sobre energia todos os dias