Congresso

Planejamento e regulação em xeque

Cortes orçamentários na Aneel e EPE ameaçam funções técnicas e deixam setor elétrico brasileiro mais vulnerável à captura política, escreve Carlos Faria

Cortes orçamentários na Aneel e na EPE deixam planejamento e regulação em xeque no setor elétrico. Na imagem: Carlos Faria, diretor presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia – Anace (Foto: Divulgação)
Carlos Faria é diretor-presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia – Anace (Foto: Divulgação)

Os cortes nos orçamentos da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) são ameaças extremamente preocupantes para as condições de sustentabilidade do setor elétrico brasileiro. Não só dificultam o trabalho dessas instituições em bases técnicas, como aumentam a sua vulnerabilidade, aumentando o risco de captura política de suas funções.

No caso da Aneel, o corte foi determinado por meio de portaria do Ministério do Planejamento e Orçamento publicada no início de março que retirou R$213 milhões dos valores alocados aos órgãos reguladores federais.

Quanto à EPE, a informação do seu presidente, Thiago Prado, é de que houve um corte de 65% no valor destinado à empresa neste ano. Com isso, dificilmente essas instituições poderão dispor dos instrumentos mínimos necessários para o cumprimento de suas atribuições, conforme suas competências.

Essas iniciativas são ainda mais preocupantes num contexto em que o Congresso Nacional procura ocupar, de maneira totalmente inadequada, o papel do planejador, bem como enfraquecer o trabalho regulatório.

No caso do planejamento, um dos casos mais emblemáticos foi a inclusão, na lei da privatização da Eletrobras, da determinação de contratação de 8 GW de térmicas com alta inflexibilidade em locais que não dispõem de gás natural.

Como já se discutiu amplamente nos últimos anos, esses projetos não fazem sentido seja do ponto de vista econômico como técnico. Afinal, além do custo muito superior ao de outras alternativas disponíveis para a expansão do parque gerador brasileiro, o setor elétrico precisa justamente do aumento da flexibilidade, não do contrário.

Quanto ao regulador, vale lembrar a tentativa, no início do ano passado, de emenda parlamentar do deputado Danilo Forte (União/CE)  à medida provisória 1.154/23, que alterava a lei das agências, transferindo o poder normativo dos diretores para secretarias e conselhos ligados aos ministérios.

E essa não foi uma ameaça isolada: o aumento da fragilidade dos reguladores e da ingerência política nos setores regulados estão na pauta de diversos parlamentares.

O fato é que ambas as iniciativas vão na contramão da tendência mundial em favor órgãos de planejamento e reguladores com perfil técnico, que garantam uma evolução adequada do setor elétrico, a atração de investimentos e, no limite, condições adequadas para que o consumidor disponha da energia em condições minimamente competitivas.

Se há questionamentos quanto à qualidade do trabalho desses órgãos, certamente isso pode ser discutido, desde que nos fóruns adequados. Enfraquecê-los, por outro lado, só aumentará a sua vulnerabilidade, ameaçando, no final das contas, a própria sustentabilidade do setor elétrico brasileiro.

Carlos Faria é diretor-presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace).