Gás Natural

Preço do gás para Petrobras foi fechado por “governo golpista”, diz ministro boliviano

Franklin Molina Ortiz diz que “é um dever renegociar as condições deste aditivo”; conversas com Brasil não avançaram

Governo de Luís Arce, presidente da Bolívia, questiona legitimidade de
Governo de Luís Arce, presidente da Bolívia, questiona legitimidade de

RIO – O ministro de Hidrocarbonetos e Energia da Bolívia, Franklin Molina Ortiz, afirmou nesta quarta-feira (25/5) que o país tem o “dever de renegociar” as condições do contrato de fornecimento de gás da YPFB com a Petrobras para suprimento do mercado brasileiro.

Referindo-se ao governo de Jeanine Añez, que assumiu o país em 2020, após a derrubada de Evo Morales, Molina disse que a última revisão contratual entre a Bolívia e o Brasil — o chamado oitavo aditivo — foi negociada em um “governo golpista” e “prejudica a Bolívia”. O ministro alega que foram acordados preços muito baixos para o gás boliviano, na ocasião.

Com a volta ao poder do partido de Evo, após a vitória de Luis Arce, Añez foi presa e acusada de terrorismo e conspiração. A renúncia do ex-presidente boliviano foi marcada por intensos conflitos entre críticos e apoiadores de Morales.

Cobrimos por aqui:

Segundo comunicado oficial do ministério boliviano, o presidente da YPF, Armin Dorgathen, tenta negociar com a Petrobras melhores condições para o suprimento de gás natural.

“A resposta [no Brasil] não foi a esperada, e dada esta situação, nos concentramos no contrato, onde uma de suas cláusulas declara que se uma das partes não estiver satisfeita com o preço, essa parte pode buscar a renegociação”, disse o ministro Ortiz.

O governo da Bolívia estima que manter a destinação do gás ao Brasil nos preços fechados com a Petrobras, implica em perdas de US$ 70 milhões, porque hoje o mercado está disposto a pagar mais caro pelo energético.

Ministro de Hidrocarbonetos e Energia da Bolívia, Franklin Molina, diz que país busca melhores preços para o gás (Foto: Ministério de Hidrocarbonetos e Energia)
Ministro de Hidrocarbonetos e Energia da Bolívia, Franklin Molina, diz que país busca melhores preços para o gás (Ministério de Hidrocarbonetos e Energia)

“Nos termos atuais do oitavo aditivo, assinado em março de 2020 pelo governo golpista [de Jeanine Añez], mesmo com o aumento do custo do gás, o Brasil paga entre US$ 6 e US$ 7 por milhão de BTU”, diz o ministério.

“Existem empresas privadas no Brasil interessadas em comprar este recurso nacional a preços que variam entre US$ 15 e US$ 18 por milhão de BTU”, completa.

Além disso, a YPFB assumiu custos com o transporte do gás até a entrega ao mercado brasileiro, medida que “beneficia a empresa brasileira e prejudica a petrolífera boliviana”.

“Agora que a YPFB cobre o custo de transporte até o ponto de entrega, nossa empresa perde cerca de US$ 70 milhões por ano, e se adicionarmos o baixo custo do gás, o resultado não é favorável para o país e é por isso que vamos procurar melhores condições para vender nosso gás. A Bolívia tem que buscar um preço melhor para seu gás natural, melhores condições e um mercado melhor”, disse o ministro.

Relembre: a Bolívia se comprometeu a exportar 14 milhões de m³/dia para a Argentina — ante o patamar anterior, de 8 milhões a 10 milhões de m³/dia. O acordo foi celebrado em abril e é válido pelo período entre maio e setembro.

Para os argentinos, recorrer ao gás boliviano foi uma alternativa aos elevados preços do gás natural liquefeito (GNL) no mercado internacional. Para a Bolívia, significa uma receita extra, já que os argentinos pagarão mais pela cota adicional.

O governo de Luis Arce estima que o contrato significará um ingresso de US$ 100 milhões a mais nos cofres do país, entre maio e setembro.

A Bolívia informou que o preço pago pela Argentina pela cota extra de gás atingiu, este mês, um patamar de US$ 20 o milhão de BTU — ante os cerca de US$ 7 o milhão de BTU pagos pelo Brasil.

Relação difícil com o Brasil

Como de praxe, Jair Bolsonaro (PL) demorou a reconhecer a vitória de Luis Arce no pleito que restabeleceu o poder do grupo político de Evo Morales no fim de 2020.

Essa semana, Bolsonaro afirmou que o corte no fornecimento da Bolívia foi ‘orquestrado’ com participação da Petrobras, para prejudicá-lo nas eleições deste ano.

O presidente brasileiro foi o último à frente de um país vizinho a Bolívia a cumprimentar Arce pela vitória, em uma prática comum de Bolsonaro, de internalizar para seu eleitorado disputas políticas internacionais. Chegou a dizer que as eleições americanas foram fraudadas.

Atrás do ex-presidente Lula nas pesquisas eleitorais desde fevereiro, Bolsonaro chegou a se comparar com Jeanine Añez.

“Jamais serei uma Jeanine. Jamais. Porque, primeiro, eu acredito em Deus e, depois, eu acredito em cada um de vocês que estão aqui. A nossa liberdade não tem preço. Digo mais, como sempre tenho dito: ela é mais importante que a nossa própria vida”, disse em um discurso, em abril.

Em 2019, após tentar uma manobra para concorrer à reeleição, Evo Morales foi alvo de protestos coordenados pela oposição de direita na Bolívia, com participação de forças policiais e militares, que levaram a sua renúncia.

Evo se refugiou justamente na Argentina, de Alberto Fernández, seu aliado e do ex-presidente Lula.

“Até que a sua turma voltou para comandar a Bolívia”, disse Bolsonaro, em abril. “Ela perdeu as eleições. Alguém sabe onde está a senhora Jeanine Añez nos dias de hoje? Está presa”.

“Sabe do que ela foi acusada? Atos antidemocráticos. Entenderam? É o que nós vivemos no Brasil atualmente”, disse o presidente brasileiro, se comparando com a política boliviana.

Na verdade, Añez foi acusada de terrorismo, traição e conspiração pela participação na derrubada do governo de Evo Morales, em 2019. Posteriormente, um relatório da Organização de Estados Americanos (OEA) listou casos de tortura, estupros e assassinatos cometidos no país durante as revoltas.

O que diz a Petrobras

A estatal boliviana YPFB comunicou, em abril, que reduziria, de forma unilateral, o volume enviado ao Brasil em 4 milhões de m³/dia, a partir de maio.

A petroleira brasileira esclareceu que, após tomar conhecimento da situação, “deu ciência às instâncias governamentais cabíveis, bem como informou as medidas adotadas para assegurar o fornecimento aos seus clientes”.

Desde 1º de agosto, a Petrobras recebeu, em média, cerca de 14 milhões de m³/dia da YPFB. A estatal brasileira informou, ainda, que está “tomando as providências cabíveis visando ao cumprimento do contrato”.

O contrato entre a Petrobras e a YPFB estabelece penalidades para ambas as partes, se desrespeitados os compromissos de retirada e entrega:

  • Do lado da Petrobras, existe a cláusula de take-or-pay: a regra estabelece um volume mínimo de gás que deve ser retirado, para não pagamento de penalidades — no caso, de 14 milhões de m³/dia;
  • Do lado da YPFB, existe a cláusula de deliver-or-pay: caso o fornecedor não entregue o volume previamente solicitado pelo comprador, paga uma multa proporcional aos volumes não fornecidos.

Acordo Bolívia-Argentina afeta mercado de gás natural no Brasil

Diante das dificuldades de importar da Bolívia, a Petrobras decidiu, na semana passada, retirar da mesa a proposta apresentada às distribuidoras dos estados que travam com ela uma disputa na Justiça em torno dos preços do gás.

Em reunião realizada na semana passada com a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás) e as concessionárias do Rio de Janeiro, Santa Catarina, Alagoas, Minas Gerais, Ceará, Sergipe e Espírito Santo, a Petrobras informou que terá de aumentar a indexação do preço do gás ao petróleo para 2022, devido aos problemas com a importação da Bolívia.

A notícia pegou de surpresa os dirigentes das distribuidoras. A maioria estava em negociações adiantadas com a petroleira e esperava fechar o acordo em junho.