Com o avanço de propostas de um marco legal para o hidrogênio no Congresso Nacional, o debate cresce em torno da necessidade de incentivos e subsídios estabelecidos em uma política pública capaz de desenvolver a indústria do hidrogênio de baixo carbono no Brasil.
Além da discussão mais difícil, de onde sairão os recursos para subsidiar a nova indústria, a alocação dos incentivos também é um ponto de divergência entre os agentes do mercado e formuladores de políticas.
Duas propostas se destacam no Congresso, uma da Câmara e outra do Senado, e que serão discutidas nas próximas semanas.
Elas focam na definição conceitual do hidrogênio de baixo carbono e nos incentivos fiscais e regulatórios para produção, incluindo rotas com fontes renováveis e fontes fósseis com captura de carbono.
Os incentivos estariam dentro do Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixo Carbono (PHBC), que incluem, entre outros, incentivos a partir de recursos da União da exploração de petróleo e da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
No caso da CDE, a Aneel já sinalizou com preocupação a criação de mais encargos, pagos por consumidores sem acesso ao mercado livre de energia, que servem para subsidiar setores econômicos.
Quando se fala em hidrogênio verde, feito a partir de eletrólise, a energia equivale a 60% a 70% do custo de produção. O Brasil produz energia barata, mas consome uma energia cara, o que retira a competitividade do hidrogênio verde brasileiro, apontado por diversos levantamentos como possivelmente o mais barato do mundo.
É preciso que a energia chegue barata ao eletrolisador. Mas incluir na CDE mais um encargo para subsidiar empreendimentos bilionários de hidrogênio, seria punir consumidores, em especial os de renda média.
Por parte do governo federal, que também prepara propostas para o hidrogênio de baixo carbono, não se fala em subsídio.
Mas os estados já se adiantaram em anunciar políticas de isenção fiscal, como na Bahia, que zerou o ICMS de energia renovável direcionada para produção de hidrogênio verde.
Nenhuma das propostas, seja a do Senado ou a da Câmara, foram abertamente abraçadas pela Fazenda. Desenvolver uma indústria local para produzir e consumir hidrogênio está na ordem do dia do plano de transição ecológica.
A carga tributária do hidrogênio também é discutida na reforma tributária, agenda prioritária nessa reta final de 2023.
Taxonomia e certificação para a captação de recursos
Um dos caminhos alternativos aos subsídios seria a taxonomia, que definisse o conceito do hidrogênio de baixa emissão, bem como auxiliasse na certificação desse hidrogênio.
A partir daí, projetos teriam a capacidade de buscar financiamento internacional por meio de instituições financeiras, ou por meio da emissão de títulos de dívida atrelados a metas ambientais.
O próprio governo federal sinaliza, inclusive, a emissão de títulos verdes soberanos como forma de financiamento da transição ecológica. Resta saber se isso seria suficiente para desenvolvedores de projetos no Brasil.
A taxonomia também se faz importante para que incentivos não sejam direcionados para fomentar a utilização de combustíveis fósseis. Uma vez que toda a movimentação global em torno do hidrogênio tem como objetivo final evitar as emissões de carbono.
Há que se considerar também uma corrida mundial por eletrolisadores – falando exclusivamente do hidrogênio verde. Estados Unidos, China, e Alemanha possuem políticas claras para incentivar a capacidade doméstica de equipamentos essenciais para eletrólise.
A princípio, o Brasil dependerá da importação desses equipamentos, o que demandaria a desoneração de encargos neste tipo de transação.
Além de capex e opex, a demanda…
Segundo agentes do mercado, ainda falta clareza nos incentivos sobre a demanda, o que traria mais segurança para os investimentos dos produtores de hidrogênio.
Um ponto recomendado pela Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês) é a possibilidade de mandatos obrigatórios no uso do hidrogênio. Isso poderia se dar por meio de metas para utilização do insumo na produção de fertilizantes verdes, por exemplo.
Um estímulo indireto é a taxação europeia de carbono, o CBAM, que pretende taxar produtos importados que entrem na União Europeia de acordo com a intensidade de carbono na sua produção, incluindo hidrogênio e seus derivados.
A taxação estimula a descarbonização de indústrias brasileiras focadas na exportação, que poderiam usar o hidrogênio como matéria-prima para produção de produtos verdes, tais como combustíveis de aviação e aço, que já possuem demanda internacional garantida.
O governo brasileiro deve decidir entre carrot and stick, em tradução literal, “cenoura e vara”. Isto é, se opta por uma política de recompensa (cenoura) ou punição (vara), como forma de incentivar o alcance das metas ambientais.
Mercado de carbono
Ao invés de uma taxação doméstica na indústria, o governo abraçou a solução de mercado de carbono, com a criação de um Sistema Brasileiro do Comércio de Emissões (SBCE), no modelo cap and trade.
Nele, seriam definidos limites de emissões para alguns setores, como transporte e indústria – potenciais consumidores de hidrogênio. Se emitirem menos, geram um crédito. Se emitirem mais, são obrigados a comprar crédito.
Neste sentido, as indústrias consumidoras também poderiam contar com isenções fiscais, como forma de premiação, na redução das suas emissões de carbono.
Injeção de hidrogênio nos gasodutos
Também se discute a obrigatoriedade da injeção de hidrogênio nos gasodutos, o que sofre grande crítica por especialistas que apontam para a perda de eficiência energética do hidrogênio em seus transportes, além dos impactos físicos na rede de gás e no aumento do custo do já caro gás natural no Brasil.
Uma alternativa seria o incentivo para formação de hubs, uma ideia abraçada pelo governo federal, em especial o Ministério de Minas e Energia, que, na atualização do Plano Trienal 2023-25 do PNH2, incluiu a iniciativa Pró-Hubs Brasil, com o objetivo de consolidar centros de produção e consumo de hidrogênio no país, até 2035. Mas sem sinalizar como isso seria feito.
Esses hubs estimulariam as potencialidades de cada região do país, em suas rotas de produção de hidrogênio. Por exemplo, ao incentivar a produção de hidrogênio azul com captura de carbono, no Rio de Janeiro, maior estado produtor.
A produção de hidrogênio verde no Ceará, com grande vocação para geração renovável e estrutura portuária para exportação de hidrogênio e derivados para Europa, via porto do Pecém.
Ou até mesmo a produção de hidrogênio a partir de biomassa, no Paraná, com aproveitamento de resíduos da pecuária e agricultura para produção de combustível sustentável de aviação.
Nos Estados Unidos, a solução foi a Lei de Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês). Por lá, já foram anunciados US$ 7 bilhões em incentivos para hubs de hidrogênio, que contemplam inclusive o subsídio para agricultores que utilizam fertilizantes de baixo carbono feitos a partir de hidrogênio.
A realização de leilão de compra e venda de hidrogênio, tendo o estado como intermediário, a exemplo do modelo alemão, também é defendida por alguns agentes como uma maneira de garantir segurança entre oferta e demanda doméstica a preços competitivos.
Na parte de infraestrutura, ainda são apontados necessidade de incentivos para adaptação de portos, capazes de escoar a produção de hidrogênio e derivados, além de linhas de transmissão que possam levar altas quantidades de energia renovável da sua geração até o eletrolisadores.
É certo que o Brasil não dispõe de recursos para equiparar subsídios aos de programas dos EUA ou Europa.
Entretanto, o país possui enormes vantagens em relação a essas regiões, em especial na produção de hidrogênio a partir de eletrólise e biomassa. Valendo-se da oferta de energia renovável barata, um grid nacional conectado e renovável, abundância de biomassa, e um grande parque industrial – o maior da América Latina.
Incentivos devem ser equilibrados, enxergando as vantagens competitivas existentes e as potencialidades no desenvolvimento de novas cadeias industriais tecnológicas e com menos emissões, que permitam a geração de emprego e renda.