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O que pode ser feito pela União com os dividendos da Petrobras?

Liberação de dividendos extraordinários da Petrobras pode ajudar governo a atingir meta de zerar déficit, dizem especialistas

O que pode ser feito pela União com os dividendos da Petrobras?

RIO – Um eventual pagamento dos dividendos extraordinários da Petrobras que estão retidos para a formação de uma reserva estatutária ajudaria o governo a atingir a meta de zerar o déficit prevista na lei de diretrizes orçamentárias (LDO) para o ano de 2024, apontam especialistas.

A decisão pela distribuição dos R$ 43,9 bilhões retidos caberá, no fim das contas, ao governo, que controla o conselho de administração da companhia e tem poder decisório em votações em assembleias de acionistas da companhia.

Do valor, cerca de R$ 12 bilhões iriam para a União, montante que não está previsto na lei orçamentária anual (LOA).

Isso porque a União fica com a menor parte dos recursos, mesmo sendo o sócio majoritário. Desde 2018, quando voltou a pagar dividendos, a Petrobras distribuiu R$ 406 bilhões, em valores nominais, sem correção, até março deste ano.

Desses, 28% (R$ 115 bi) foram destinados à União e o restante aos investidores brasileiros e estrangeiros. Esses dados não estão publicados e foram levantados pela Fiquem Sabendo, organização sem fins lucrativos especializada em acesso a informações públicas, por meio da Lei de Acesso à Informação, junto à Petrobras.

Em anos recentes, o uso do dinheiro adicional advindo da distribuição de lucros e dividendos de estatais foi aplicado sobretudo na amortização da dívida pública e dos juros, o que contribui com a melhoria do resultado primário das contas públicas.

Na prática, esses recursos são depositados na conta única do Tesouro Nacional, constituindo uma receita primária.

Com isso, parte do dinheiro que antes seria utilizado com as despesas financeiras pode ser redirecionado para o abatimento de despesas primárias, que envolvem os serviços e bens prestados à população.

“Ao que aparenta, o intuito do governo é usar esses recursos para o abatimento de despesas financeiras, que constituem o gasto com o pagamento da dívida pública e seus juros decorrentes”, diz a sócia da ICO Consultoria, Isadora Cohen.

“Isso ajuda, mesmo que indiretamente, a melhorar o cenário fiscal e o resultado primário. Ocorre que se abre um novo ‘espaço fiscal’ nas contas do governo”, explica.

Os recursos abrem um espaço fiscal nas contas, que podem ajudar, inclusive, a compensar recursos já contingenciados. Em março, o governo anunciou o bloqueio de R$ 2,9 bilhões no orçamento de 2024 para evitar ultrapassar as despesas previstas no arcabouço fiscal.

“Quanto maior a arrecadação com dividendos, menor será a ‘pressão’ sobre o orçamento para atingir as metas fiscais de resultado primário”, afirma Cohen.

Ela explica, entretanto, que as áreas da União beneficiadas pelos recursos recebidos da Petrobras vão depender da análise do governo. Segundo Cohen, o valor pode ajudar a balancear as contas públicas, sobretudo considerando que pode haver frustração na arrecadação inicialmente prevista na LOA.

“O mais importante é perceber que receber esse dinheiro abre um ‘espaço’ no orçamento, permitindo um remanejamento das expectativas de execução de despesas primárias e financeiras”, diz.

No mês passado, o conselho de administração da Petrobras decidiu não distribuir dividendos referentes ao quarto trimestre de 2023, numa decisão capitaneada pelos conselheiros indicados pela União.

A estatal pagou aos acionistas apenas os dividendos mínimos previstos na política de remuneração, no total de R$ 14,2 bilhões referentes ao último trimestre do ano passado.

Com isso, R$ 43,9 bilhões remanescentes do lucro do período devem ir para a reserva estatutária, opção ainda a ser confirmada em Assembleia Geral Extraordinária no dia 25 de abril.

Debates em Brasília, com a participação direta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, podem estabelecer um cronograma para o pagamento extra. Não está claro se a companhia vai alterar a proposta aprovada pelo conselho, o que provocaria o adiamento da assembleia.

Segundo as regras vigentes, o valor da reserva estatutária pode ser usado apenas para o pagamento de dividendos futuros, que é o cenário mais provável. Ou para o programa de recompra de ações, cobrir prejuízos e “como finalidade remanescente”, incorporação ao capital social.

Dividendos pagos à União

  • 2024: R$ 5,13 bi (29%) de R$ 17,80 bi;
  • 2023: R$ 28,65 bi (29%), de R$ 99,91 bi;
  • 2022: R$ 56,45 bi (29%), de R$ 196,87 bi;
  • 2021: R$ 21,15 bi (29%), de R$ 73,74 bi;
  • 2020: R$ 1,65 bi (24%), de R$ 6,77 bi;
  • 2019: R$ 1,31 bi (16%), de R$ 8,42 bi;
  • 2018: R$ 0,75 bi (29%), de R$ 1,12 bi;

Valores nominais, não corrigidos, informados pela Petrobras. Em 2024, considera os pagamentos feitos até março

O plano de negócios de US$ 100 bilhões aprovado pela Petrobras ano passado contempla fontes e premissas de financiamento. Destinar os recursos para aportes não previstos – como se chegou a especular – demandaria alteração do estatuto.

A decisão por reter o dinheiro impactou fortemente as ações da companhia e contribuiu para a crise em torno do presidente da estatal, Jean Paul Prates.

O executivo é membro do colegiado, indicado pela União, mas optou por se abster na votação que decidiu pela destinação do valor extraordinário para uma reserva estatutária, o que culminou nas tensões que estão ameaçando sua permanência no cargo.

Pressão sobre a equipe econômica

O orçamento elaborado pelo governo e aprovado pelo Congresso Nacional para 2024 é dependente de um crescimento de receita, que não ocorreu no primeiro bimestre, mesmo com o aumento da arrecadação. Isso com o gasto limitado pelo novo marco fiscal.

A Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, estimou uma frustração de receita em relação ao orçamento, de R$ 12 bilhões a partir dos resultados até fevereiro.

O advogado especialista em orçamento, direito processual e direito público, Matheus Cadedo, lembra que se o resultado primário do governo ficar dentro da meta estabelecida na LDO, existe a possibilidade de abrir espaço para o aumento das despesas e investimentos no ano seguinte.

O co-fundador e diretor da Fique Sabendo, o advogado Bruno Morassutti, lembra que receitas extraordinárias, como é o caso dos dividendos de estatais, não têm destinação vinculada por lei, mas que a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece critérios para a execução da despesa.

Ele explica que o valor pode contribuir para o desbloqueio de valores contingenciados, mas ressalva que a legislação não permite usar essas receitas para pagamento de todas as despesas regulares.

“É possível usar para o pagamento da dívida pública, de juros da dívida, investimentos mínimos em saúde e educação. Esses, em princípio, são os requisitos que a constituição estabelece. Dentro dessa margem, o governo tem condições de estabelecer como usar esse dinheiro”, afirma.

Morassutti ressalta que as informações sobre o pagamento de dividendos estatais deveriam ser mais transparentes, pois são uma questão de interesse público.

“[A Petrobras] É a maior estatal do país, que representa um papel muito importante para as contas públicas e para as políticas do governo. Sendo tão importante, esses dados deveriam estar disponíveis na página da própria empresa”, afirma.

Debate está encaminhado

Haddad afirmou ontem que o debate sobre a distribuição de dividendos está encaminhado, antes de se reunir com o presidente Lula, no Planalto.

“Estamos falando com os diretores da Petrobras, com alguns conselheiros, para que o presidente possa ter tranquilidade de que o plano de investimento da Petrobras não vai ser prejudicado por falta de financiamento. Não é esse o problema”, afirmou.

O governo precisa enviar até a próxima segunda o projeto de lei de diretrizes orçamentárias
(LDO) para 2025, quando será tomada a decisão sobre a meta de superávit fiscal do ano. Inicialmente, a Fazenda mirava 0,5% do PIB, com margem de 0,25 pp.

“Estamos esgotando o tempo para fazer as contas necessárias para fixar uma meta factível à luz do que aconteceu de um ano para cá. Vamos nos lembrar que essa meta foi anunciada em março do ano passado, quando foi apresentado o marco fiscal”, reconheceu o ministro.