Nos dois primeiros artigos da série, foram observados que: hibridizar, com baterias pequenas, o maior número possível de carros novos seria mais eficaz do que alocar os recursos em baterias de veículos puramente elétricos, sob a ótica da redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE);
E na parte dois, os híbridos com biocombustíveis sustentáveis apresentam sinergias, que levam a um menor consumo de recursos finitos e potencializam a redução das emissões de GEE de modo geral quando combinados.
Neste último capítulo da série será feito um breve ensaio, sob a ótica do consumidor, a respeito dos custos de aquisição, utilização e do CO2 equivalente (CO2e) evitado para veículos tradicionais, híbridos e elétricos.
Os veículos mais vendidos e os preços de aquisição
Mais de 90% das vendas de veículos leves no Brasil são de modelos tradicionais de combustão com motorização flex.
Considerando os dez veículos mais vendidos no primeiro semestre de 2023, entre tradicionais, híbridos e elétricos, os modelos tradicionais responderam por 93,3% dos emplacamentos, enquanto híbridos e elétricos foram 5,9% e 0,8%, respectivamente.
O preço médio ponderado de cada opção (considerando os emplacamentos e preços de cada veículo) é apresentado no Quadro 1.
De modo geral, observa-se que híbridos e elétricos são ainda opções muito caras quando comparadas com veículos de combustão tradicionais vendidos no Brasil.
Em algumas categorias, como o de veículos grandes, de SUVs, por exemplo, pode-se encontrar veículos tradicionais, híbridos e elétricos com preços similares, mas são nichos ainda.
Para terem maior alcance na população, híbridos e elétricos precisam atingir as categorias de veículos médios e compactos (mais vendidos do país), e com preços mais próximos das opções tradicionais.
Quadro 1 – Comparativo do top 10 vendas de carros no primeiro semestre de 2023 no Brasil
Custo de rodagem e manutenção
O custo de aquisição de um carro é apenas parte inicial dos custos que englobam a sua vida útil.
Manutenção, impostos anuais, reabastecimento, seguro, entre outros, compõem o pacote de gastos que se tem com os veículos, além do aporte inicial de compra do bem.
O custo total operacional não é simples de se calcular porque difere de um modelo para outro e depende de variados fatores, como tráfego, cuidados com o veículo e até mesmo a forma de se dirigir, que muda de um proprietário para outro.
Ninguém melhor do que o dono de um veículo para saber quanto custa anualmente manter o seu carro. Essa percepção varia, então, sensivelmente.
Dado que veículos puramente elétricos possuem menos peças e uma arquitetura mecânica mais simples do que os tradicionais veículos de combustão ou híbridos, estes costumam ter custos de manutenção menores, desde que não haja problemas na bateria (que costuma ter garantia de 8 anos ou 160.000 km para a maioria dos modelos).
Bem como menor custo para “reabastecimento” com energia elétrica na comparação com os combustíveis líquidos.
Ainda que seja difícil modelar o custo total, vale o exercício.
Para fins de simulação, utilizou-se os dados que constam no Quadro 2, considerando veículos de portes similares (grandes), com 1.500 kg de massa aproximadamente, na comparação.
Não foram identificados os veículos ou marcas utilizadas, por se tratar de um exercício hipotético, embora os dados utilizados tenham sido obtidos de fabricantes nacionais nos seus respectivos sites pouco antes da publicação deste artigo.
Quadro 2 – Dados utilizados na simulação do custo total de um carro em 10 anos
Gastos com seguro, combustível e revisões foram inflacionados a uma taxa arbitrária de 4% ao ano, enquanto seguro, IPVA e valor residual do carro, que dependem do valor do bem, foram depreciados a taxas anuais, que variam para cada modelo, baseadas na tabela FIPE para os cinco primeiros anos de vida do veículo.
Considerou-se a legislação vigente de São Paulo para cálculo do IPVA, onde há um desconto de até R$ 3.291,91 para híbridos e elétricos, e os preços médios do Brasil, com impostos, para a eletricidade.
Os preços da gasolina comum (E27, com 27% de etanol anidro) e etanol hidratado (E100) foram arbitrados, considerando-se a paridade energética entre os dois combustíveis e preços médios usuais praticados em agosto de 2023.
Os consumos de combustível e eletricidade foram retirados do Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular (PBEV) junto ao Inmetro.
Calculando-se o valor presente dos gastos totais para as opções avaliadas, a partir das premissas do Quadro 2, tem-se os resultados obtidos no Quadro 3.
A simulação traz a valor presente os gastos totais dos veículos, nas condições dadas. Quanto mais negativo o valor presente, mais cara é a opção escolhida.
O veículo puro elétrico utilizado na simulação teve o pior resultado (acima de R$ 375 mil negativo), muito em função do maior valor de aquisição e maior taxa de depreciação utilizados, mesmo tendo o menor custo de reabastecimento anual e desconto no IPVA.
Quadro 3 – Valor presente dos gastos totais e valor residual dos veículos em 10 anos
O veículo puramente elétrico seria a melhor opção econômica caso custasse abaixo de R$ 200 mil, mantidas as demais condições da simulação.
Antes que o leitor caia na tentação de pensar “mas já existe elétricos abaixo deste valor”, lembre-se que toda a simulação teria que ser reavaliada considerando veículos de mesmo porte.
O puro elétrico mais barato no Brasil em agosto de 2023 custava R$ 140 mil, enquanto o veículo popular de mesmo porte custava R$ 65 mil, deixando o puro elétrico em desvantagem mais uma vez.
A depreciação é fator bastante impactante para os puro elétricos, por conta da bateria grande, especialmente, ainda que o número já tenha melhorado significativamente.
Espera-se que a depreciação diminua com melhorias e maior uso da tecnologia, disponibilidade de serviços de troca da bateria em caso de defeito e reciclagem massiva delas.
A economia em emissões de CO2
Até aqui avaliou-se somente a questão do benefício econômico direto dentre as opções elencadas.
O cerne da discussão, porém, tem sido a questão ambiental envolvida, com foco específico nas emissões de CO2e.
Pensando nisso, a partir de dados do artigo científico Hybrid vigor: Why hybrids with sustainable biofuels are better than pure electric vehicles foram calculadas as emissões de CO2e para cada uma das opções simuladas, tomando como base as emissões evitadas na comparação par a par de um veículo tradicional à gasolina (E27) com as demais opções colocadas.
Tal comparação permite avaliar o benefício econômico-ambiental das alternativas, quando tema é emissão de GEE no ciclo de vida dos veículos, combustíveis e baterias. Os resultados são apresentados no Quadro 4.
Quadro 4 – Custo da emissão de GEE evitada para cada uma das alternativas
O “custo da emissão evitada” é obtido dividindo-se a variação do valor presente dos gastos totais pelas emissões de GEE evitadas no ciclo de vida da alternativa.
Como esperado, a simples mudança da gasolina para o etanol, atuando em preços de paridade energética, isto é, com o etanol custando até 70% do preço da gasolina gera um “custo de emissão evitada” quase nulo.
Em alguns lugares do país, inclusive, como muitas cidades de São Paulo, onde o etanol é mais competitivo do que a gasolina, a transição econômica já é obviamente feita pela maioria dos consumidores.
O veículo híbrido tem maiores emissões evitadas, a um custo relativo de R$ 0,42/kgCO2e na simulação.
O puro elétrico, embora tenha emissões evitadas maiores do que um veículo tradicional com etanol, tem o maior custo relativo: R$ 5,82/kgCO2e (13,8 vezes maior do que a opção híbrida testada).
Considerações finais
Vale ressaltar que os resultados apresentados são uma simulação específica que não retrata as infinitas possibilidades de comparações possíveis, mas que reforçam o conceito apresentado nos três artigos da série: veículos híbridos são melhor alternativa na redução das emissões de gases do efeito estufa (GEE) e nas alocações dos recursos minerais e energéticos do que os puramente elétricos.
O Brasil, país de destaque na produção de biocombustíveis, pode reduzir ainda mais as emissões de GEE quando a hibridização da frota chegar nos veículos médios e compactos, a preços mais acessíveis.
É bastante provável que os híbridos se mantenham na liderança da eletrificação da frota no país, aproveitando-se dos benefícios da maior eficiência embarcada e da infraestrutura de combustíveis líquidos existentes, ao menor custo de transição, quando comparado a países que não possuem a mesma possibilidade de abundância em bioenergia e matriz elétrica renovável.
A Europa que o diga.
Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.
Referências
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AUTOPAPO. Os carros mais vendidos do primeiro semestre de 2023. Disponíveis em:<https://autopapo.uol.com.br/noticia/carros-mais-vendidos-semestre-2023>. Acessado em setembro de 2023.
AUTOESPEORTE. Veja os 10 carros elétricos mais vendidos no 1º semestre de 2023. Disponível em: <https://autoesporte.globo.com/eletricos-e-hibridos/noticia/2023/07/veja-os-10-carros-eletricos-mais-vendidos-no-1o-semestre-de-2023.ghtml>. Acessado em setembro de 2023.
INMETRO. Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular (PBEV). Disponível em: <https://www.gov.br/inmetro/pt-br/assuntos/avaliacao-da-conformidade/programa-brasileiro-de-etiquetagem/tabelas-de-eficiencia-energetica/veiculos-automotivos-pbe-veicular>. Acessado em setembro de 2023.
GAUTO, M.A., CARAZZOLLE, M. F., RODRIGUES, M.E.P., ABREU, R.S., PEREIRA, T.C., PEREIRA, G.A.G. Hybrid vigor: Why hybrids with sustainable biofuels are better than pure electric vehicles. Energy for Sustainable Development. Volume 76. 2023. ISSN 0973-0826. Disponível em: <https://doi.org/10.1016/j.esd.2023.101261>. Acessado em setembro de 2023.
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