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O que ainda falta para o gás argentino chegar?

Conjunção de fatores (climáticos, econômicos e de infraestrutura) retarda chegada de gás do país vizinho ao mercado brasileiro.

Rivaldo Moreira Neto, diretor da Alvarez & Marsal, acredita que Combustível do Futuro dá tração para mercado de biometano (Foto: Victor Curi)
Rivaldo Moreira Neto, diretor da Alvarez & Marsal, acredita que Combustível do Futuro dá tração para mercado de biometano (Foto: Victor Curi)

PIPELINE.Comercializadoras se aproximam de produtores argentinos, mas conjunção de fatores (climáticos, econômicos e de infraestrutura) retarda chegada de gás do país vizinho ao mercado brasileiro.

MME volta a patrocinar debate sobre gas release e Petrobras responde: “mudar o gás de mão” não reduzirá preço. Geradoras judicializam leilão de reserva. Vibra se desfaz da ZEG Biogás e mais. Confira:


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O fim do verão se aproxima e a janela de oportunidade para importação de excedentes de gás argentino durante a temporada ainda não se confirmou.

É bem verdade que o mercado está ativo: ao menos seis comercializadoras brasileiras se posicionaram e assinaram contratos com produtores do país vizinho, na corrida para trazer os primeiros volumes (em bases interruptíveis num primeiro momento) ao Brasil.

Mas uma conjunção de fatores, que vão de aspectos climáticos econômicos e de infraestrutura, tem jogado contra (mais detalhes a seguir).

Agentes ainda se movimentam para tentar viabilizar as primeiras (e pequenas) operações, em caráter de testes, nos próximos meses, antes do inverno. 

Mas a expectativa entre os comercializadores, hoje, é de que o negócio só deve vingar, de fato, a partir do fim do ano, na próxima janela de verão – estação em que o consumo de gás na Argentina sazonalmente arrefece, abrindo espaço para exportações. 

A seguir, a gas week analisa as perspectivas de importação de gás argentino em 2025.


Primeiro, há uma barreira na infraestrutura do lado argentino: as obras de reversão do Gasoducto Norte, que ampliam a capacidade de envio do gás de Vaca Muerta até a fronteira com a Bolívia, foram parcialmente entregues até agora.

E a principal rota para que esse gás chegue ao Brasil, pela Bolívia, não está 100% operacional, relatam três traders que se movimentam para trazer gás argentino.

A Enarsa, estatal argentina, atrasou a instalação de um medidor bidirecional no Gasoducto de Integración Juana Azurduy (Gija) – originalmente projetado para enviar gás boliviano à Argentina, mas que agora também poderá operar com o fluxo revertido.

Sem o medidor, por mais que a infraestrutura já esteja parcialmente pronta para as exportações, não há como viabilizar as operações comerciais internacionais em si.

O governo argentino tem sinalizado aos comercializadores brasileiros que o problema está prestes a ser resolvido e que a reversão do Gasoducto Norte será concluída, integralmente, ainda no primeiro semestre. 

As obras abrem espaço para exportações de excedentes do norte argentino para o Chile e Brasil (via Bolívia), ainda que de forma limitada, na janela do verão.

O diretor da Alvarez & Marsal, Rivaldo Moreira Neto, destaca, no entanto, que a infraestrutura não é o único ponto a dificultar os primeiros negócios.

onda de calor que o país vizinho atravessa neste verão, segundo ele, levou a um despacho termelétrico acima do esperado na região – afetando, por consequência, a capacidade de exportação para o Brasil.

A Argentina teve, inclusive, de recorrer à importação de gás boliviano depois de propagar a autossuficiência do país andino, além de importar energia elétrica do Brasil.

“O excedente de gás interruptível que se esperava depende muito do despacho termelétrico na Argentina, que compete diretamente com o Brasil. O despacho termelétrico será a grande variável para vermos se haverá mais ou menos gás para o mercado brasileiro”, comentou.

Moreira Neto acrescenta que, sem a conclusão da reversão do Gasoducto Norte, o balanço da região norte do país vizinho ficará mais justo.

Procurado, o Ministério de Minas e Energia (MME) informou que tem avaliado, junto ao governo da Argentina, as questões que dificultam a chegada do gás argentino no Brasil, incluindo os preços mínimos de exportação definidos pelo governo argentino, bem como a taxa sobre a exportação.

Em novembro de 2024, os governos de Brasil e Argentina anunciaram a criação de um grupo de trabalho bilateral para identificar as medidas necessárias para viabilizar a integração gasífera entre os dois países – o que também passa pelo estudo de rotas alternativas de gasodutos.

A percepção entre os agentes que prospectam oportunidades de trazer o gás argentino é que esses dois elementos não chegam a inviabilizar negócios, mas dificultam o ambiente.

Moreira Neto destaca que o preço mínimo e a taxa de exportação influenciam na precificação do gás argentino no Brasil, mas não acredita que esses entraves se sustentarão por muito tempo.

Existe, hoje, um pleito forte entre produtores argentinos e comercializadores brasileiros para que eles sejam pacificados.

Em fevereiro, o presidente da YPFB, Armin Dorgathen, criticou o governo Javier Milei pelo atraso no início das exportações de gás argentino ao Brasil.

A estatal boliviana quer se posicionar como solução logística para o comércio Brasil-Argentina de gás.

O comandante da YPFB disse que o problema é político. E citou o preço mínimo de exportação como um empecilho.

“O recurso existe, mas falta a vontade de fazê-lo”, afirmou.

“Eles [Argentina] querem comer o bolo inteiro, então o parceiro brasileiro diz que não há mercado para esse preço do gás”, completou.

Rivaldo Moreira Neto afirma que, embora haja uma “frustração natural” com o atraso nas operações, os fundamentos que sustentam o otimismo com a importação de gás argentino não mudaram.

O país vizinho, destaca, tem reservas gigantescas e, sem um mercado interno suficiente, precisará buscar um destino para o seu gás.

Ele acredita que, a partir do próximo verão, a Argentina terá condições de exportar volumes mais firmes, ainda que de forma sazonal.

Hoje, o gás disponível pelo país vizinho, é de caráter interruptível – com oportunidades de operações, muitas vezes, diárias.

Ao todo, seis comercializadoras que operam no Brasil têm autorização do governo argentino para trazer o gás do país vizinho ao mercado brasileiro:

Além delas, a Comgás, no mercado cativo, fechou um contrato de suprimento com a Pan American Energy até o fim de 2025 — o prazo pode ser ajustado à demanda da distribuidora paulista.

O leilão de reserva de capacidade de junho pode ser tornar um ponto de inflexão para a entrada do gás argentino no Brasil nos próximos anos.

A estratégia montada pela J&F para recontratação das térmicas no certame pode, se bem sucedida, ancorar a chegada de volumes de até 11,75 milhões de m³/dia de gás argentino.

O grupo assinou termos de compromisso com produtores argentinos  para atendimento das UTEs Araucária (484 MW/PR), Santa Cruz (500 MW/RJ), Cuiabá (350 MW/MT) e Uruguaiana (640 MW/RS).

  • Com a Tecpetrol, o acordo prevê a entrega de até 2,8 milhões de m3/dia, entre 2028 e 2038, na fronteira em Uruguaiana (RS);
  • Com a PAE, o volume varia de 2,8 milhões de m3/dia a 8,95 milhões de m3/dia entre 2025 e 2038, seja via Uruguaiana, seja via Bolívia. 

Os termos de compromisso não entram no detalhe das condições de flexibilidade do fornecimento.

Mas, pela natureza 100% flexível das térmicas requisitadas no leilão, a expectativa é que as usinas possam ajudar a ancorar a chegada do gás argentino em escala, para desenvolvimento de um mercado secundário.

O grupo J&F chegará forte na concorrência pela contratação de térmicas no leilão de reserva de capacidade previsto para 27 de junho, com um portfólio de térmicas novas e existentes a gás que se aproxima dos 3 GW de capacidade. 

As UTEs ainda precisam ser habilitadas, mas a J&F conta com um portfólio de suprimento de gás nacional e importado: além o de gás argentino, assinou termos de compromisso com a YPFB, na Bolívia; e com Petrobras, Eneva e New Fortress Energy (NFE), no Brasil – agentes que entram como supridores e também desenvolvem usinas próprias.

Moreira Neto comenta que o modelo de negócios de geração de energia a partir da importação de gás argentino tem seus riscos e complexidades, dado o caráter sazonal (pelo menos num primeiro momento) da oferta do país vizinho.

Do lado da demanda, o despacho das térmicas do leilão de reserva, no Brasil, tende a se dar ao longo de todo o ano, embora num regime 100% flexível, voltado para atendimento à ponta de carga – um modelo de negócios por si só desafiante, frente à ausência de uma tarifa de transporte flexível.

Mas para um player robusto, que consiga compor um portfólio de suprimento de gás variado, como a J&F, o leilão de junho pode ser, sim, uma porta de entrada interessante para o gás argentino, cita ele.

“O setor elétrico costuma pagar um preço mais alto pelo gás flexível [do que o setor industrial]. Tem um match com gás flexível argentino, se o player tiver um portfólio amplo com uma capacidade maior de jogar nesse meio de incerteza. Aí sim a Argentina agrega ao jogo”, analisa.

LRCAP. O STJ atendeu ao pedido de um grupo de geradores que questionam o teto de CVU das usinas a biocombustíveis no leilão. Com a liminar, os prazos do certame foram suspensos.

– O leilão de reserva de capacidade teve 327 projetos cadastrados, num total de 74 GW. Ao todo, pediram o registro 228 projetos de termelétricas a gás, que somam 61,6 GW.

UTE Brasília. O Ibama suspendeu a audiência pública sobre o licenciamento ambiental da usina. Grupos ambientalistas são contra o empreendimento. Entenda o caso com diálogos da transição.

Gas release. A CEO da Petrobras, Magda Chambriard, defendeu que “mudar o gás de mão” não terá efeito para reduzir o preço da molécula no Brasil. A ampliação da oferta e infraestrutura, além de um ambiente de negócios favorável, são as receitas para o desafio. Confira a entrevista exclusiva ao estúdio eixos durante a CeraWeek 2025.

– O Ministério de Minas e Energia voltou a tomar a frente dos debates sobre a desconcentração do mercado e agendou para 18/3, em Brasília, um evento para discutir experiências internacionais sobre o gas release

Colômbia. A Petrobras confirmou a boa produtividade na descoberta feita em consórcio com a Ecopetrol no país vizinho, com volumes estimados acima de 6 trilhões de pés cúbicos de gás natural in place – o que pode triplicar as reservas atuais colombianas.

– A estatal brasileira fará novos poços na grande reserva de gás descoberta no país e já avalia a possibilidade de exportação via GNL, afirmou Sylvia Anjos, diretora de Exploração e Produção da estatal, em entrevista ao estúdio eixos durante a CERAWeek 2025, organizada pela S&P Global. Confira a íntegra.

Fracking. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) aprovou o projeto de lei que proíbe a utilização de fraturamento hidráulico no estado. A matéria segue para a Comissão de Meio Ambiente, Seca e Recursos Hídricos.

Distribuição. A Agergs abriu consulta pública, até 26/03, sobre a minuta de resolução que trata das condições gerais, critérios e parâmetros para aplicação de sanções à Sulgás e aos comercializadores de gás. Uma audiência pública está marcada para 26/3.

Mercado livre. A Agrese prorrogou até 18/3 o prazo da consulta pública sobre a minuta do Contrato de Uso do Sistema de Distribuição de Gás (Cusd) na modalidade flexível.

Biometano. A Vibra anunciou a saída do capital da ZEG Biogás. A decisão ocorre num momento em que a indústria do gás natural se movimenta para cumprir o mandato do biometano previsto no Combustível do Futuro; e em que a Vibra, por sua vez, vê seu endividamento crescer.

– O BNDES aprovou um financiamento de R$ 150 milhões com recursos do Fundo Clima para quatro projetos de biogás do Grupo Piracanjuba.

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