PIPELINE. Abril marca chegada do gás argentino ao mercado brasileiro. Testes comprovam viabilidade operacional da integração regional. Mas ainda falta avançar na agenda da competitividade da molécula argentina.
MME sinaliza política para envio de gás ao Triângulo Mineiro. E abre consulta ao mercado sobre harmonização regulatória. Mercado livre acelera. ES Gás promete investimento de R$ 1 bilhão e mais. Confira:
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Abril de 2025 entrou para a história como o marco da chegada do gás natural argentino no mercado brasileiro.
Ainda que em caráter de testes, o acesso da indústria às reservas de gás não-convencional de Vaca Muerta, na Patagônia, enfim, se concretizou.
É um novo capítulo de uma integração gasífera entre as duas principais economias do continente. Um projeto que começou há mais de duas décadas, mas que foi interrompido ainda nos anos 2000 sem nunca ter sido concluído.
E que, agora, ganha novos contornos, com a participação da Bolívia como elo.
Numa verdadeira corrida para aproveitar a janela de excedentes de gás do verão argentino, coube à TotalEnergies o marco da primeira exportação para o Brasil, numa operação com a comercializadora MTX, da Matrix Energy.
Na sequência, foi a vez da Tecpetrol (com a Edge e MGás) e da Pluspetrol (com a Gas Bridge) realizarem seus pilotos.
O foco, nesse primeiro momento, foi atestar a viabilidade operacional da integração regional Argentina-Bolívia-Brasil.
Inaugurada a rota, é hora, agora, de superar gargalos logísticos que ainda limitam os volumes; e avançar na agenda da competitividade para baixar os custos envolvidos.
A Rystad Energy estima que o gás argentino tenha chegado em torno de US$ 9 o milhão de BTU, provavelmente.
Ou seja, o gás argentino chegou, mas ainda não dentro do nível de competitividade que a indústria brasileira almeja. (mais detalhes abaixo).
Uma nova fronteira
Primeira produtora da Argentina a exportar gás para o Brasil, a TotalEnergies inaugurou a rota no dia 1º de abril e já enviou cerca de 1,5 milhão de m3 – distribuídos ao longo de aproximadamente dez dias de operações no mês.
Um volume pequeno para todo o potencial que se espera dessa integração, mas que não deixa de ser um marco: ainda que em fase de testes, a chegada do gás argentino representa, para o Brasil, o acesso a uma nova fonte que pode reforçar a segurança energética e dinâmica concorrencial do mercado.
Em entrevista à agência eixos, a diretora-geral da TotalEnergies Gas Cono Sur, Soledad Lysak, conta que foi um longo caminho para que a rota de exportação via Bolívia fosse atestada operacionalmente.
Um exercício que envolveu a montagem de planilhas de operação com diferentes transportadores (mais de um em cada país) – e sujeitos a diferentes regulações, dinâmicas operacionais, questões aduaneiras etc.
Mais de um ano de conversas que envolveram não só agentes do lado de lá e do lado de cá da fronteira, mas também a Bolívia – que nesse percurso mudou seu marco legal, para que a estatal YPFB pudesse assumir o papel de trânsito internacional do gás argentino ao Brasil.
A TotalEnergies prepara uma nova carga de exportação para os próximos dias, antes que se feche a janela – com a proximidade do inverno, quando o consumo interno de gás na Argentina salta, a expectativa é que as importações sejam interrompidas a partir de maio.
Mesmo com a reversão do Gasoduto Norte, que permite o aumento do envio de gás de Vaca Muerta ao Norte do país, o balanço de oferta e demanda na região (que dita, ao cabo, a capacidade de exportação ao Brasil) deve se manter apertado no período.
Pausa para ajustes
A pausa abre uma janela para se trabalhar algumas questões (logísticas e regulatórias) que ainda travam os negócios.
Os envios de gás argentino, nesse primeiro momento, se restringem à modalidade interruptível e a expectativa é que o país vizinho só tenha condições de exportar volumes mais firmes (não durante todo o ano, mas sazonalmente) na próxima janela de verão, a partir de outubro. Algo como 4 milhões de m3/dia.
Mas, para isso, faltam ajustes na infraestrutura. A Enarsa, estatal argentina, atrasou a instalação de um medidor bidirecional no Gasoducto de Integración Juana Azurduy (Gija) – originalmente projetado para enviar gás boliviano à Argentina, mas que agora também poderá operar com o fluxo revertido.
Essa é a principal rota de exportação do gás argentino para a Bolívia – e, por consequência, Brasil. A Enarsa, porém, ainda está se adequando operacionalmente e do ponto de vista tarifário. Os valores a serem cobrados pelo transporte pela companhia, na exportação, ainda precisam ser homologados.
Soledad relata que, com o percalço, os agentes partiram para uma solução alternativa: o uso de um gasoduto operado pela Refinor – refinaria do Norte da Argentina que está encerrando suas atividades. O ativo foi projetado, originalmente, para usar gás boliviano e, segundo fontes, tem uma capacidade limitada a menos de 2 milhões de m3/dia.
A executiva acrescenta que, para que a Argentina tenha capacidade de exportar volumes firmes de gás para o Brasil durante o ano todo e em volumes maiores, acima de 10 milhões de m3/dia, por exemplo, também serão necessários investimentos mais estruturais a longo prazo.
“E, para viabilizar isso, será preciso fechar contratos de fornecimento de longo prazo com clientes no mercado brasileiro”.
A TotalEnergies quer ser parte da consolidação da integração do Cone Sul – a major produz gás tanto nos três países envolvidos, além de ser a fornecedora de gás natural liquefeito (GNL) no Brasil, com contrato de longo prazo com a Edge.
A multinacional tem, hoje, acordos para exportação de gás argentino assinados com a MTX, MGás e Edge e não descarta, no futuro, trazer o gás também por meio de sua trader própria no Brasil e outros clientes.
“Para que a Argentina alcance o objetivo de poder exportar ao Brasil 10 milhões de m3/dia firmes, no longo prazo, tem que ser passo a passo. O nosso primeiro objetivo foi passar a molécula [via Bolívia] e poder demonstrar a viabilidade da integração regional”.
A petroleira francesa opera uma produção de 38 milhões de m3/dia na Argentina, dos quais 16 milhões de m3/dia são referentes à parcela da companhia.
Esse volume vem de um mix de produção dos campos da companhia francesa na formação de gás não-convencional onshore de Vaca Muerta; e dos campos offshore da Terra do Fogo.
Vai custar quanto?
Além de testar operacionalmente a rota, as primeiras operações servem para provocar o debate sobre a agenda da competitividade do gás argentino.
Uma discussão que passa por questões regulatórias na Argentina, como a revisão do preço mínimo de exportação e da taxa de exportação (que acrescenta cerca de US$ 0,5 o milhão de BTU ao custo do gás argentino).
Tem também um debate mais amplo sobre os custos do transporte de gás nos três países envolvidos – que, empilhados, superam o custo da molécula em si.
A Rystad Energy estima que, pela estrutura de custos da cadeia, o gás argentino chegou no Brasil entre US$ 7,9 e US$ 10 o milhão de BTU – provavelmente em torno de US$ 9,2 o milhão de BTU.
A competitividade frente aos concorrentes no Brasil depende, ao fim, da base de comparação (o mercado tem hoje diferentes supridores, com diferentes fontes e tipos de contrato e indexação).
O valor cobrado das distribuidoras pela Petrobras pode variar de cerca de US$ 8,5 a US$ 10 o milhão de BTU, a depender do tipo de contrato, segundo dados do Ministério de Minas e Energia do início do ano.
Uma comparação que deve ser feita com ressalvas: os valores da Petrobras são para gás firme, uma outra modalidade. E as oscilações do Brent se refletem mais rapidamente nos preços argentinos que nos preços da estatal brasileira, cujos reajustes são trimestrais, por exemplo.
Fato é que o preço do gás argentino, nas primeiras operações de testes, ainda não reflete o nível de competitividade desejado.
O preço final da molécula, ao cabo, depende muito da fonte de origem e do percurso do gás – o que pode, por exemplo, onerar mais o custo de transporte dentro da Argentina, a depender da rota.
Nessas primeiras operações, houve envios de gás tanto a partir de Vaca Muerta quanto de outras regiões como a Terra do Fogo, mais longe, e a Bacia do Noroeste, mais perto da fronteira com a Bolívia.
A Rystad estima que o custo do transporte na Argentina pode, portanto, variar de US$ 1,5 a US$ 3 o milhão de BTU. E há incertezas, hoje, sobre para onde vão essas tarifas – algo que o Brasil também vivencia, em certa medida, na revisão tarifária das transportadoras locais.
A consultoria calcula que o custo da molécula na Argentina, por sua vez, é da ordem de US$ 4,5 o milhão de BTU, devido ao piso definido pelo governo local, mas que há espaço para redução desse valor em caso de flexibilização do preço mínimo, já que alguns agentes podem ter interesse em reduzir suas margens para se manterem competitivos no mercado brasileiro.
Durante a gas week 2025, este mês, o diretor-geral da Pan American Energy, Alejandro Catalano, destacou que a desvalorização recente do preço do Brent pode favorecer o debate sobre a revisão do preço mínimo – concebido originalmente para as exportações ao Chile, onde o gás argentino compete com o GNL importado, numa outra dinâmica concorrencial.
“Acreditamos que o preço mínimo é uma coisa que foi colocada em uma conjuntura de mercado, mas vai mudar. A conjuntura de mercado mudou, agora o preço do Brent é diferente, então vai mudar. Quando se olha o preço mínimo e adiciona todos os custos de transporte do lado argentino, do lado boliviano, do lado brasileiro, é muito provável que hoje a molécula não chegue ao Brasil com um preço competitivo”, disse.
A revisão dos preços mínimos e da taxa de exportação é assunto dentro do grupo de trabalho bilateral, criado pelos governos de Brasil e Argentina em 2024 para identificar as medidas necessárias para viabilizar a integração gasífera entre os dois países.
Soledad, da TotalEnergies, defende que será preciso trabalhar em conjunto para gerar mais competitividade. “Se um dos países quiser ganhar em cima do outro, não adianta”.
Existe, hoje, uma pressão dos agentes de mercado pela redução dos custos de transporte nos três países, mas em especial da Bolívia.
Inicialmente, a YPFB havia precificado o serviço de trânsito internacional entre US$ 1,4 e US$ 2 o milhão de BTU, dependendo do prazo do contrato (se sazonal, trimestral, mensal ou diário). Quanto mais longo o prazo de contratação, menor a tarifa.
Segundo fontes, para viabilizar os primeiros testes, os bolivianos trabalham neste momento com a banda inferior da tarifa. As condições tarifárias, para os diferentes agentes, são isonômicas.
A tarifa cobrada pelos bolivianos não chega a destoar da brasileira ou argentina. Mas como o país conta com uma infraestrutura ociosa e já amortizada, existe uma expectativa que ela possa ser reduzida.
“Lembrando que é uma integração regional. Todas as partes têm que colaborar. Não é um tentando ganhar em cima do outro. Então, esse é um ponto importante. No caso em que envolve outros países, tem que haver colaboração”.
“O gás de trânsito não pode querer onerar, segurar uma margem acima de tudo”, defendeu o coordenador-geral de infraestrutura da Secretaria Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia, Fernando Matsumoto, na gas week 2025.
Um giro pela Argentina
A semana foi de novidades no país vizinho. O governo de Javier Milei iniciou, por meio do Decreto 286/2035, o processo de privatização total da Enarsa.
A desestatização será feita em etapas, por meio da separação das atividades e ativos de cada uma das unidades de negócios da estatal.
A primeira alienação na fila será a Citelec, que controla Transener, de transmissão de energia elétrica.
A Enarsa é uma empresa com muitas linhas de negócios. No gás, a companhia detém participação no Gasoducto Perito Moreno (ex-Néstor Kirchner) e no terminal de GNL de Escobar, por exemplo.
Também esta semana, a Secretaria de Energia da Argentina concedeu autorização ao consórcio Southern Energy, liderado pela Pan American Energy, para exportação de 11,7 milhões de m3/dia para abastecer um terminal flutuante de GNL – um projeto com a Golar.
Esta é a primeira vez que o governo concede uma licença de exportação de longo prazo para abastecer uma planta de gás natural liquefeito.
GÁS NA SEMANA
Gás para Empregar. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que a pasta avalia maneiras de direcionar o gás da União para Uberaba, no Triângulo Mineiro – que pretende atrair um polo industrial gás-intensivo.
Pacto Nacional. O MME abriu uma tomada pública de contribuições, até 24/5, para discutir a harmonização regulatória no mercado de gás. A iniciativa visa alinhar normas estaduais e federais.
Mercado livre. A migração deve se manter acelerada em 2025, mas concentrada nos grandes e médios clientes, num primeiro momento, segundo a Thymos Energia. Ao menos 45 clientes industriais tinham contratos ativos no mercado livre até fevereiro, com 11 supridores diferentes. Confira a lista.
Distribuição. A ES Gás, controlada pela Energisa, planeja investir R$ 1 bilhão até 2030. O novo plano de negócios (ainda sujeito ao crivo do regulador) prevê a interiorização da rede para cinco novos municípios; desenvolvimento de corredores a gás; injeção de biometano na rede; e dobrar o número de clientes.
UTE Brasília. A Termo Norte sugeriu ao Ibama que a audiência pública sobre o licenciamento da termelétrica seja realizada em 17/6. Mas projeto ainda depende de outros debates para sair do papel.
Biometano. ANP concedeu autorização excepcional para a Gás Verde operar uma instalação de abastecimento na cidade de Jarinu (SP), para atender a L’Oréal Brasil. É a primeira vez que o regulador aprova uma instalação para abastecimento de veículos exclusivamente com biometano.
– A GeoMit e Companhia Mineira de Açúcar e Álcool (CMAA) assinaram um Memorando de Entendimento para desenvolver projetos de biogás e biometano a partir de resíduos da cana. Iniciativa começará no Vale do Tijuco (MG).
Guerra comercial. As tarifas dos Estados Unidos estão desafiando o comércio de propano com a China.